Os
dois maiores responsáveis da TAP (Transportes Aéreos Portugueses) foram publicamente
declarados despedidos por justa causa, a 6 de março, pelo ministro das finanças,
Fernando Medina, e pelo ministro das Infraestruturas, João Galamba.
A
Assembleia da República (AR) resolveu constituir uma comissão parlamentar de
inquérito (CPI) à TAP sobre o que se passou no período 2020-2022. E os
deputados que integram a CPI em representação de um dos partidos com assento
parlamentar requereram ao Governo o envio do suposto parecer que respalda a invocação
de justa causa para o despedimento do presidente do conselho de administração (chairman) e da presidente da comissão executiva
(CEO) da TAP.
O
Governo, pela pena de quatro ministros (duas ministras e dois ministros), não
enviou o parecer – que era obrigado a enviar ao abrigo do n.º 3 do Regime
Jurídico dos Inquéritos Parlamentares, que acautela um tratamento especial para
os temas confidenciais – alegando, a 19 de abril, que a CPI se reporta ao sucedido
na companhia área entre 2020 e 2022 e os despedimentos ocorreram em
2023, não advertindo que são factos indissociáveis, pelo que todos os factos
relacionados devem ser analisados. Nisto estavam de acordo três ministérios. Mas,
logo a seguir, vem o gabinete da Ministra-Adjunta e dos Assuntos Parlamentares
a invocar o interesse público para o não envio do parecer, de cuja existência se
duvidava.
Posto
isto, a CPI, em reunião de emergência, deliberou dirigir novo requerimento ao
Governo. E, caso a resposta não seja satisfatória, solicitará, nos termos do Regime
Jurídico dos Inquéritos Parlamentares, aprovado pela Lei n.º 5/93, de 1 de
março, na atual redação, ao presidente da AR a participação da ocorrência à
Procuradoria-Geral da República, alegando crime de desobediência qualificada da
parte dos referidos membros do Governo.
Entretanto,
a 20 de abril, o ministro das Finanças, que invocara, publicamente a justa
causa, sentindo-se blindado juridicamente – ao ser questionado, na comissão de orçamento e finanças da AR, sobre a razão por que não entregou o parecer jurídico
que a CPI à pediu ao Governo e que terá servido de base à decisão de
destituição, por justa causa, de Christine Ourmières-Widener e de Manuel Beja
da presidência executiva e da presidência do Conselho de Administração da
companhia aérea – respondeu que não há qualquer parecer adicional ao relatório
da Inspeção-Geral de Finanças (IGF).
Com esta declaração, Fernando Medina
– que omitiu a invocação de justa causa, quando, previamente à comunicação
pública de 6 de março, informou os visados de que seriam exonerados – agora, contraria
a colega de Governo Ana Catarina Mendes que, em nota à imprensa, disse que “o
parecer em causa”, “não cabe no âmbito da comissão parlamentar de inquérito”,
dizendo que “a sua divulgação envolve riscos na defesa jurídica da posição do
Estado”.
Agora, o governante declarou, em resposta ao deputado
do Chega Rui Afonso: “Os motivos que levam às decisões da demissão do
presidente do Conselho de Administração e da presidente executiva da empresa
são muito claros, são aqueles que decorrem das conclusões do relatório da
Inspeção-Geral de Finanças. Não há um parecer adicional. Se leu o relatório da
IGF, o relatório conclui pela existência de uma ilegalidade grave.”
A base jurídica de atuação é, assim, o relatório da
IGF – o que a oposição adivinhava. No entanto, foi Medina que disse, a 6 de
março, que havia blindagem jurídica para tomar aquela decisão. E o Partido
Social Democrata (PSD) viu aí margem para agir politicamente e, na CPI à TAP,
solicitou o suposto parecer jurídico.
O Governo – por Fernando Medina, João Galamba e
Mariana Vieira da Silva – respondeu que o pedido não se enquadrava nos
trabalhos da CPI. Nenhum desses governantes respondeu que não havia nenhum
“parecer jurídico” como pedido no requerimento. Ana Catarina Mendes fez a nota
à imprensa, assumindo que havia um parecer. Agora, há um desmentido de que esse
parecer jurídico exista. E a CPI censurou a rejeição de entrega do parecer –
que Medina, agora, diz não existir – e aguarda para ver o requerimento que será
reenviado.
Sobre o que irá entregar à CPI, o ministro das
Finanças respondeu: “Não iremos levantar qualquer assunto. A posição é não
alimentar tema a fornecimento de elementos. Há de constatar a total e absoluta
diligência com que vários ministérios têm dirigido. Nunca o fornecimento de
informação constituiu qualquer tipo de problema.”
Afinal, não há nenhum parecer autónomo. Há a
deliberação tomada na assembleia geral de 12 de Abril, em que foram adotadas as
decisões finais sobre os procedimentos legalmente previstos para a destituição
dos titulares dos cargos de chairman
e de CEO, deliberação que
vem acompanhada por uma fundamentação jurídica, preparada com o apoio da
JurisAPP, o Centro de Competências Jurídicas do Estado.
Quer dizer: havia parecer que não se enquadra
no âmbito da CPI e cujo envio à AR beliscaria o interesse público. Já não há
parecer nenhum. E, a final, há uma fundamentação jurídica a acompanhar uma deliberação
de um órgão estatutária de uma empresa pública, a TAP. Em que ficamos?
Se a democracia fosse a brincar, eu diria que o
atual executivo era altamente democrático: os seus elementos ora estão de
acordo ora divergem; ontem diziam uma coisa, hoje dizem outra; tomam uma posição,
para tomarem outra, logo a seguir; não respondem à AR e mostram-se respeitadores,
disponíveis e cooperantes. Isto para já não falar do “não sabia” e do “afinal
sabia e autorizei”, como é o caso do secretário de Estado que pediu esclarecimentos
à TAP e ajudou a dar as respostas (Melhor do que isto, só os antigos catecismos,
em que todas as perguntas vinham acompanhadas das respetivas respostas).
Ao invés, esta postura é ineficaz e reveste-se
de labilidade e mediocridade, bem como de ligeireza no tratamento das questões
do Estado (e-mail, WhatsApp, pessoalização dos assuntos).
***
Paulo de Sá e Cunha, advogado da ex-CEO da TAP, declarou à RTP3 que só teve acesso a dois projetos
de deliberação de demissão da TAP, “deliberações dos acionistas
destas sociedades, o Estado e a Parpública”. O que fundamenta a decisão de
demissão “essencialmente é o relatório da IGF”, divulgado a 6 de março. Uma
parte muito significativa dessas fundamentações reside nesse relatório, que
considerou nulo o acordo para a cessação de funções da antiga administradora
Alexandra Reis e a indemnização de 500 mil euros brutos nele prevista.
De acordo com a deliberação assinada, a 12 de abril, pelos representantes
da Parpública e da Direção Geral do Tesouro e Finanças (DGTF), acionistas
públicos da TAP, o chairman terá violado as normas legais e estatutárias por ter subscrito o
acordo de rescisão de Alexandra Reis e “por, em momento algum, ter solicitado a
convocação de uma assembleia geral [AG] para esse efeito ou sequer ter
reportado ao ministério das Finanças”. Já a CEO, terá violado as normas,
pelo facto de, “por sua iniciativa, ter iniciado e conduzido o processo que
culminou no acordo de saída de Alexandra Reis, o ter subscrito e, igualmente,
por, em momento algum, ter solicitado a convocação de uma AG para este efeito
ou sequer o ter reportado ao Ministério das Finanças”.
Em suma, as razões do despedimento, por justa causa,
dos dois responsáveis da TAP são: violação das normas colhidas no Estatuto do
Gestor Público; desconhecimento,
ou pelo menos, uma continuada omissão quanto ao cumprimento
dos deveres de informação e reporte sobre matérias centrais ao funcionamento da
TAP, circunstância que levou à “quebra das relações de integridade,
lealdade, cooperação, confiança e transparência com o acionista”; “absoluta desconsideração” pela repartição de competências entre
os órgãos sociais da TAP, decorrente da lei e dos estatutos; e não consideração
de que a empresa, à data da subscrição do acordo de rescisão de Alexandra
Reis, se encontrava (e encontra), submetida às “exigentes obrigações de
equilíbrio financeiro emergentes do plano de reestruturação em vigor.
O facto do então ministro Pedro Nuno Santos ter dado
luz verde ao despedimento de Alexandra Reis e à respetiva indemnização, tal
como os conselhos dos advogados da TAP, da SRS Legal, não ilibam os dois gestores.
Porém, dificilmente se sustenta o despedimento por
justa causa, pois os gestores não estavam ao abrigo de contrato de trabalho.
Estaremos, antes, perante casos de demissão, em matéria grave, nos termos do
artigo 25.º do Estatuto do Gestor Público, aprovado pela Lei n.º 71/2007, de 27 de março
(cuja última alteração lhe foi introduzida pelo Decreto-Lei n.º 50/2022, de 19 de julho).
Diz a
norma em referência que o gestor público pode ser demitido quando lhe seja
imputável, individualmente, alguma das seguintes situações: avaliação de
desempenho negativa, designadamente por incumprimento dos objetivos referidos
nas orientações fixadas ao abrigo do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 558/99, de
17 de dezembro, ou no contrato de gestão; violação grave, por ação ou
por omissão, da lei ou dos estatutos da empresa; violação das regras
sobre incompatibilidades e impedimentos; e violação do dever de sigilo
profissional.
A demissão compete ao
órgão de eleição ou de nomeação, requer audiência prévia do gestor e é
devidamente fundamentada. Além disso, “implica a cessação do mandato,
não havendo lugar a qualquer subvenção ou compensação pela cessação de funções”.
Porém, apesar da gravidade da matéria, não houve um processo dirigido
diretamente aos visados, devendo os mesmos ter sido ouvidos previamente à
decisão final. O que houve foi um apuramento, pela IGF, sobre a legitimidade ou
não da indemnização a uma ex-administradora por renúncia acordada, com sugestão
de apreciação da conduta dos gestores, pelo que o relatório seria remetido ao
Tribunal de Contas (TdC).
***
Enfim, confusão de
declarações e de procedimentos que, mais do que governação democrática, de
resultados partilhados e inequívocos, raia a lógica da batata.
“Lógica da batata” é expressão que significa o que é absurdo ou, pelo
menos, estranho.
A batata veio
da América do Sul e, aquando a invasão espanhola, os nativos deram a batata aos
invasores, para os envenenar. Estes, prevenindo a fome cozinharam-na e gostaram.
Por outro lado, quando a batata vinha nos navios, durante os descobrimentos,
era considerada “o alimento do diabo”, mas os marinheiros, por causa da fome,
acabavam por a comê-la. E, ainda, a batata é importante para a alimentação quer
em Portugal quer em Espanha ou parte da América do sul e de fácil acesso. Por
isso, um pobre pôde sempre comer batata.
Assim, a lógica da batata exprime algo que, aparentemente, não é lógico,
mas que tem a sua lógica subentendida. No caso do Governo, manter-se
politicamente e não revelar as suas fragilidades; no caso dos juristas, o
interesse dos clientes; e, no caso, das oposições, o derrube do Governo ou o
seu cozimento em lume brando.
2023.04.20 – Louro de
Carvalho
Sem comentários:
Enviar um comentário