O
presidente do Brasil, Lula da Silva, não vai discursar na sessão solene comemorativa
do 25 de Abril, que decorrerá na Assembleia da República (AR), mas vai ter um
momento onde poderá fazer uma intervenção. A decisão foi tomada a 12 de abril,
na Conferência de Líderes.
O
momento de boas-vindas a Lula da Silva, marcado para as 10 horas, contará com
intervenções do presidente do Brasil e do presidente da Assembleia da
República, Augusto Santos Silva.
Mais tarde, às 11h30, será iniciada a sessão solene
comemorativa do 25 de Abril, provavelmente já sem a presença do chefe de Estado
brasileiro.
Esta decisão de meio-termo surge no seguimento da polémica
criada quando João Gomes Cravinho, ministro dos Negócios Estrangeiros, anunciou,
a 23 de fevereiro, em solo brasileiro, que Lula da Silva discursaria na
cerimónia solene do 25 de Abril, na AR.
No final da Conferência de Líderes, a deputada socialista
Maria da Luz Rosinha transmitiu aos jornalistas que o presidente do Brasil
falará no dia 25 de abril, na AR, mas não na sessão comemorativa. E revelou que
o presidente da AR endereçou um convite para que Lula da Silva “possa assistir
à sessão do 25 de Abril”, mas “ainda não veio a resposta”.
***
“É a primeira vez que um chefe de Estado estrangeiro faz um
discurso nessa data”, afirmou Gomes Cravinho, em conferência de imprensa, a 23
de fevereiro, em Brasília, no Palácio Itamaraty, ao lado do ministro das
Relações Exteriores do Brasil, Mauro Vieira.
O
ministro dos Negócios Estrangeiros português encontrava-se em Brasília, no
âmbito da preparação da cimeira luso-brasileira, que Portugal vai acolher entre
22 e 25 de abril, ocasião em que o Presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da
Silva, visitará o país e onde entregará ao cantor e escritor brasileiro Chico
Buarque o Prémio Camões, de 2019.
A
entrega do Prémio Camões 2019 tem sido atribulada, pois já, antes do adiamento
devido à pandemia, em outubro daquele ano, cinco meses após ser conhecido o
vencedor, o então presidente Jair Bolsonaro disse que poderia não assinar o
diploma de atribuição do prémio.
A
visita do governante português a Brasília serviu, principalmente, para se identificarem
os temas da agenda da cimeira luso-brasileira do final de abril, em Lisboa, que
juntará os chefes de Estado e de Governo dos dois países: “Temos de recuperar o
tempo perdido”, frisou Gomes Cravinho, lembrando que a anterior cimeira entre
os dois países se realizou em 2016, entre o primeiro-ministro, António Costa, e
o então Presidente do Brasil, Michel Temer.
Mauro
Vieira frisou que a cimeira servirá para “fazer propostas para novos passos”
nas “relações no futuro”, enaltecendo, ainda, o facto de que Lula da Silva “ao
participar estará pela primeira vez visitando a Europa” desde que tomou posse
como Presidente do Brasil a 1 de janeiro. Lembrou que, em 2022, o fluxo de
comércio entre os dois países cresceu 50% em relação a 2021, reforçando que
Portugal é o 15.º maior investidor estrangeiro no Brasil, com um investimento
de cerca de 10 mil milhões de euros em áreas tão fundamentais como a transição
energética.
Como
referiu, Portugal é ainda uma “plataforma natural para a internacionalização
das empresas brasileiras na área da tecnologia e inovação”.
Por
sua vez, Gomes Cravinho sublinhou que “o Brasil tem um enorme potencial” na “temática
das energias renováveis” e que os dois países ambicionam reforçar as relações
na área da saúde e promover os negócios em vários setores.
Em
relação à facilitação de vistos de Portugal para países falantes de Língua Portuguesa,
Gomes Cravinho afirmou que o país acredita “que o espaço da CPLP [Comunidade
dos Países de Língua Portuguesa] se deve tornar, passo a passo, um espaço
comum”.
***
A declaração de João Gomes Cravinho,
que deu como certo que Lula discursaria na AR a 25 de abril, incendiou o
espectro parlamentar, com exceção do Partido Socialista (PS) e do Partido
Comunista Português (PCP), alegadamente por o ministro não ter em conta a
separação dos poderes, pois cabe à AR agendar os seus trabalhos e formular os
convites às entidades que bem entender. Porém, os partidos mais à direita
rejeitavam a intervenção do presidente brasileiro pelos seus precedentes
políticos, nomeadamente o envolvimento em casos mediáticos a contas com a
Justiça. Além disso, o anúncio da participação de Lula da Silva na sessão comemorativa
do 25 de Abril já tinha sido feito, havia dois meses, pelo Presidente da
República (PR).
A 30 de dezembro, em Brasília, aonde
se deslocou para assistir à posse do seu homólogo brasileiro, Marcelo Rebelo de
Sousa foi claro: “Foi já marcado o encontro em Portugal, de 22 a 25 de abril,
com a cimeira entre o Presidente Lula e o primeiro-ministro português e a
visita de Estado a meu convite, que culmina na participação
na cerimónia do 25 de Abril.” E acrescentou que também constaria do
programa da visita a entrega do Prémio Camões, “que, há muito, está para ser
entregue a três premiados”, sendo um deles o cantor Chico Buarque, autor da música
“Tanto Mar”, alusiva à revolução dos cravos.
Tal anúncio passou despercebido e o
PR deixou de se referir ao assunto, por saber que, institucionalmente, cabe ao
presidente da Assembleia da República definir, em colaboração com os partidos,
o modelo da cerimónia comemorativa do 25 de Abril. Não obstante, a hipótese
de o presidente brasileiro discursar na AR nas comemorações da revolução seria
bem vista pelo PR e estava longe de ter sido totalmente abandonada pelo presidente
da AR.
Mais tarde, o chefe de Estado
desmultiplicou-se em chamadas de atenção para o facto de não estar em causa
gostar-se ou não “do Senhor A ou do Senhor B”, mas o de zelar pelas boas
relações institucionais com um país com a importância do Brasil, vendo, além do
mais, no gesto de deixar Lula discursar na AR, a retribuição do convite que lhe
fizeram a ele. Com efeito, em setembro de 2022, o presidente português
discursou na sessão comemorativa do bicentenário da independência do Brasil, a
convite do presidente do Senado brasileiro, que viera a Lisboa formular o
convite. Foi no Senado e nessa data histórica, para o Brasil, que o chefe de Estado
português fez um discurso emotivo sobre as relações entre os dois países. E,
nessa sessão, Fáfá de Belém cantou os hinos do Brasil e de Portugal, “sem que
viesse daí mal ao mundo”.
Porém, os políticos portugueses,
sobretudo à direita, não mostraram essa naturalidade de postura.
Primeiro, o Chega protestou
veementemente; depois a Iniciativa Liberal (IL) ameaçou abandonar o
hemiciclo; e, por último, o líder do Partido Social Democrata (PSD) considerou
“inaceitável” um chefe de Estado estrangeiro discursar na AR, na comemoração do
25 de Abril.
Augusto Santos Silva, que referiu
caber à AR tomar a decisão, tinha de assumir a tarefa de desatar o nó passando,
antes de mais, por inverter a “precipitação” que, nos bastidores, vários
agentes políticos apontavam a João Cravinho, voltando a remeter o processo à
descrição que era suposto continuar a presidir às negociações diplomáticas em
curso.
Com o Chega e a IL em forte
contestação à presença de Lula na sessão solene, tudo acabou num plano B, que passou por haver uma
sessão parlamentar exclusivamente dedicada à receção ao presidente do Brasil –
como aconteceu quando o presidente de Angola ou o rei de Espanha ali foram
recebidos e discursaram. A dúvida era se isso aconteceria antes do 25 de abril
ou nesse mesmo dia, a hora diferente. E Marcelo Rebelo de Sousa deixava um
recado à direita e sobretudo ao PSD: “As pessoas têm memória curta, o presidente
Lula da Silva já cá veio a Portugal e foi recebido na Assembleia da
República. O Presidente da República Cavaco Silva,
de uma área bem mais conservadora, fez rasgados elogios a Lula da Silva.”
Remetendo a decisão final para a AR,
o chefe de Estado voltou a apelar a que todos se foquem no interesse do país: “Está formulado um convite, vamos tentar
fazer com que corra bem. Há quem não goste ou goste muito por
razões de política interna, e não de interesse nacional.”
No PSD, havia quem temesse que Lula,
face à radicalizada polarização instalada na sociedade brasileira, aproveitasse
o ensejo para “fazer política brasileira cá dentro”. Porém, Marcelo Rebelo de
Sousa acentuava a importância de ter o Presidente do Brasil a ser recebido em
Lisboa como o chefe de Estado de um país irmão. Com efeito, sendo a descolonização
um pilar central do 25 de Abril e tendo sido o Brasil a primeira das ex-colónias
portuguesas a obter a independência, não é difícil justificar um discurso de
Lula nas celebrações da Revolução dos Cravos.
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Está
resolvido o impasse. Lula da Silva discursará na AR, mas não na sessão solene do 25 de
Abril. Terá,
como vários outros chefes de Estado, uma “sessão solene de boas-vindas”
própria, anunciou aos jornalistas o presidente da AR, no final da Conferência
de Líderes, depois de uma semana de polémica acesa. “Não há visita de Estado sem
visita ao Parlamento. E é isso que acontecerá com o Presidente da República
federativa do Brasil”, disse Augusto Santos Silva aos jornalistas, dando o
exemplo de outros presidentes brasileiros que tiveram o mesmo tratamento no
passado, de Fernando Collor de Mello a Fernando Henrique Cardoso, passando pelo
próprio Lula da Silva, no mandato anterior. A proposta partiu do presidente da
AR e foi aceite por todos os grupos parlamentares, à exceção do Chega.
É
de recordar que a polémica eclodiu quando a IL afirmou que não cabia ao governo
decidir quem discursa ou não na AR, decisão que cabe ao presidente da AR,
ouvidos os partidos na Conferência de Líderes. Agora, a decisão foi, segundo
Santos Silva, quase consensual – com apenas um partido a ficar de fora do
entendimento. Porém, o líder da IL, face à hipótese de a sessão de boas-vindas
a Lula da Silva ser no mesmo dia e o chefe de Estado do Brasil poder participar
na sessão comemorativa, advertiu que o partido só estaria representado
institucionalmente, ou seja, com a presença do seu líder.
O PS, o PSD e o partido
Pessoas-Animais-Natureza (PAN) mostraram-se satisfeitos com a solução
encontrada, com o líder parlamentar do PSD, Joaquim Miranda Sarmento, a frisar
que a fórmula obtida vai ao encontro do que o PSD propusera. Só o PCP não se
pronunciou.
***
É
verdade que um convite formal para alguém participar e discursar na AR é
competência exclusiva do presidente da AR, ouvidos os partidos na Conferência
de líderes. Também é verdade que as visitas de Estado dos Chefes de Estado são
feitas por convites de chefes de Estado. Todavia, cabem ao membro do governo
encarregado dos assuntos exteriores os contactos exploratórios e aa preparação
das visitas de Estado. Os contactos entre Estados fazem-se através dos
executivos.
O
preciosismo da separação dos poderes, invocado no caso, escondeu a “birra” do
Bloco de Esquerda (BE) e do Livre, tal como trouxe à flor da pele partidária da
direita a animosidade para com o passado recente de Lula da Silva e contra
Gomes Cravinho, caído em desgraça.
Celebramos
a revolução abrilina, que nos catapultou para a democracia, caminho que
desejamos irreversível. Porém, a gestão da revolução e a da democracia, com as
virtudes, oferecem também escolhos e ambiguidades. E, infelizmente, os
democratas e os governos democráticos de Portugal não têm sido menos
insuficientes do que os do Brasil (foi pior o governo de Jair Bolsonaro). Por
isso e porque a democracia não é o reino do egoísmo e do fechamento, seria
aceitável que Lula da Silva celebrasse, com Portugal, embora com atraso, o
bicentenário da independência e a democracia do Brasil, recuperada um pouco
mais tarde do que a de Portugal.
Neste
âmbito, do meu ponto de vista, Marcelo Rebelo de Sousa teve sempre razão.
2023.04.15 – Louro de Carvalho
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