Em “Nota Pastoral sobre a Situação Social de Angola”,
apresentada após a reunião do Conselho Permanente da Conferência Episcopal de
Angola e São Tomé (CEAST), que decorreu de 8 a 9 de novembro, em Luanda, os
bispos católicos, recordando a celebração do 48.º aniversário da independência
do país, no dia 11, mostram-se preocupados com a “corrupção gangrenosa que
drenou do país os seus recursos” e apelam ao “estabelecimento efetivo de um Estado
democrático”. Nesse sentido, pedem “uma comunicação social credível” que evite
a propaganda e seja “instrumento de paz”.
“Aqueles que sofreram na pele a brutalidade do sistema
colonial viram, naquele dia [11 de novembro de 1975], o renascer das suas esperanças,
com a possibilidade do alcance da autodeterminação e a consequente criação de
um Estado novo capaz de dar o melhor para os seus filhos”, escrevem os bispos
católicos, lamentando que a esperança tenha, posteriormente, dado “lugar à
guerra civil” e que, após alcançada a paz em 2002, não tenham sido tiradas “as
lições que se impunham, para melhorar o modo de governar e alcançar o bem-estar
duradoiro para todos”.
Consideram que o ponto de partida, o de uma Angola
independente, “foi confuso”, pois o que se esperava como festa da paz, da
fraternidade e da reconciliação entre todos, “deu lugar à guerra civil, com
toda a barbárie que se lhe seguiu”, nomeadamente, a fome, a miséria, as
deslocações da população, a insegurança, a improdutividade, a mendicidade, a
desestruturação do tecido social, a perda dos valores morais e éticos e tantos
outros males”.
Os prelados reconhecem que a obtenção da paz, tão desejada,
em 2002, após a guerra civil, constituiu a oportunidade de ouro para reerguer o
país, mas “a corrupção drenou o país”. Com efeito, se a guerra civil, iniciada
em 1975, “obscureceu o nosso ponto de partida”, de 2002 em diante, declaram,
foi a corrupção gangrenosa que drenou o país e os seus recursos, oferecendo-o,
de mãos beijadas, para o desenvolvimento de outras economias”.
Apesar da crise financeira de 2008 e da crise dos produtores
de petróleo, em 2014, o país parece não ter “tirado as lições que se impunham”,
para melhorar “o modo de governar e de alcançar o bem-estar duradouro para
todos”.
Entre os principais problemas vividos em Angola, os prelados
apontam “as crises económicas cíclicas, a depreciação da moeda, a perda do
poder de compra e o consequente difícil acesso aos bens da cesta básica”, que
“parecem fazer parte do quotidiano dos Angolanos, sem fim à vista”.
Verificando que “diante deste quadro, a tentação maior é a do
desespero, da resignação e da desistência”, a CEAST incentiva os angolanos a não
perderem “a esperança”, a refletirem, em conjunto, “sobre o que correu mal” e a
iniciarem “imediatamente” a “reconstrução do sentido social”. Para tanto, elege
como prioridade a “reconciliação nacional”, com o “estabelecimento efetivo de
um Estado democrático e de direito, onde o primado da lei e da justiça sejam
para todos, sem exceção”.
Paralelamente, mas em conexão com este desiderato, assinalam
“a urgência de uma comunicação social credível que una os angolanos e se regule
por critérios de serena objetividade, evite “a propaganda” e se livre de
métodos de informação que, violando a justiça e a verdade, ferem a dignidade e
o bom nome dos cidadãos”. Os média deverão ser – defendem os líderes católicos
– “um instrumento de paz e de desenvolvimento”.
“A esperança incentiva uma atitude de abençoada subversão que
não se resigna diante das adversidades, a esperança olha sempre para além, onde
esta realização pessoal e coletiva é possível, a esperança imprime uma grandeza
de alma, um espírito aberto”, assinalaram, por fim, antes de aprovarem a agenda
da primeira assembleia plenária dos bispos da CEAST, marcada para o mês de
fevereiro, na província de Malange.
***
Por seu turno, o líder da União Nacional
para a Independência Total de Angola
(UNITA), o maior partido da oposição
angolana, disse, a 8
de novembro, que Angola vive profunda crise económica, marcada pela pobreza, e que
a diversificação da economia se tornou “uma miragem”.
Adalberto
Costa Júnior fez o retrato da situação económica do país, quando discursava na
abertura da Conferência sobre os Desafios Económicos e o OGE [Orçamento Geral
do Estado], promovida pela UNITA, através do seu governo sombra. Na ótica do
orador, o petróleo continua a dominar na economia angolana, “apesar das
engenharias estatísticas” do governo angolano, uma situação que considerou
estranha, pois Angola tem tudo para sair dessa crise.
“Temos tudo
para inverter essa pobreza e pobreza extrema. Temos tudo para recolocar um
sorriso na face de todos os Angolanos, que são muitos, felizmente! A solução
não está nas riquezas do país; a razão não é a incapacidade das pessoas. A razão
está na liderança do país”, vincou, realçando que Angola é um dos mais ricos
países do Mundo.
De acordo
com o líder da UNITA, a conferência que o partido realizou, naquele dia, serviu
“para ajudar o país a promover caminhos de estabilidade e de desenvolvimento”.
“Não sendo
eu um especialista de matérias económicas, compete-me dizer que têm sido,
essencialmente, as lideranças políticas as maiores responsáveis pelo retardar
do país! A atual crise económica tem respaldo nas decisões políticas. Há perda
de valores, perda de referências e inexistência de um claro caminho que porte
soluções”, frisou, sustentando que ter mais de 50% do OGE para 2024 direcionado
ao pagamento da dívida “pode conduzir a um verdadeiro desastre”, sobretudo se
continuarem “a ser negadas as reformas que todos exigem”.
“Não será
possível atingir meta alguma sem as reformas políticas e administrativas!
Continuar a manipular os números, continuar a abafar os empresários genuínos;
substituí-los por governantes corruptos, continuar a negar as autarquias
locais; manter o poder judicial e legislativo amarrados e como caixa de
ressonância do chefe do regime! Só com um forte e claro travão a todas estas
más práticas, poderemos alcançar metas de servir todos e desenvolver o país”,
considerou.
Para o líder
do principal partido da oposição, não se consegue o crescimento e o desenvolvimento
económico com salários miseráveis ou empobrecendo o empresariado nacional, por
via da concorrência desleal do próprio Estado, que exerce um peso excessivo
sobre a economia, provocando a sua ineficácia e ineficiência.
Relativamente
ao aumento salarial da função pública, que o governo prevê aumentar, no próximo
ano, em 5%, Adalberto Costa Júnior defendeu que “os vencimentos da função
pública devem aumentar e não de forma paliativa”.
E não perdeu
a oportunidade de se questionar se, em Angola, era possível acontecer o que sucedeu
em Portugal: investigar o primeiro-ministro e deter membros do governo (note-se
que ainda não houve detenção de membros do governo, mas de antigos membros do
governo).
Segundo o
líder da UNITA, a procuradoria de Portugal, assumindo a sua independência,
atuou em defesa do interesse público e da transparência. E um
primeiro-ministro, que tem uma maioria absoluta, apresentou, de imediato, a sua
demissão e colocou-se à disposição dos órgãos da Justiça.
***
No dia 10,
aludindo ao 48.º aniversário da independência, a UNITA, afirmando que a
corrupção e a partidarização das instituições do Estado “destruíram a dignidade
do cidadão angolano”, exortou os cidadãos à unidade.
A defesa e
os apelos permanentes por um Estado democrático de direito, pela economia de
mercado e pela paz social “juntam as vozes da UNITA e das organizações da
sociedade civil”.
O partido
defende que as autarquias, cuja derradeira lei do pacote legislativo ainda não
foi aprovada (48 anos não foram suficientes), devem ser institucionalizadas “em
simultâneo”, por serem a “via incontornável para o desenvolvimento”.
O
secretariado executivo do Comité Permanente da Comissão Política da UNITA
reafirma a sua disponibilidade em dialogar com todas as forças vivas do país,
sobre todas as componentes da vida nacional, para a construção conjunta de uma
Angola melhor. E apela a que os Angolanos honrem a memória dos pais da
independência, nomeadamente, Álvaro Holden Roberto, Agostinho Neto e Jonas
Malheiro Savimbi, e rende “uma singela homenagem a todos os heróis e mártires
da luta pela libertação pela independência e pela conquista da democracia e da
paz”.
Em todo o
caso, o 48.º aniversário da independência de Angola é celebrado sob o lema “11
de Novembro: Unidos pelo Desenvolvimento de Angola”.
***
A corrupção infiltra-se nos regimes ditatoriais e nos regimes
democráticos, na guerra e na paz, nos países ricos e nos países pobres, na
administração pública e nas grandes empresas, em tempo de acalmia social e em
tempo de pandemia. Contudo, nos regimes democráticos, os órgãos da Justiça
podem fazer o contrapeso, embora o façam abusivamente, por vezes; na paz, não
funcionam os tribunais marciais; a administração pública corrupta faz o
contrário do que o político deve, que é defender o interesse público; a empresa
corrupta não promove a função social da propriedade e da empresa e pode correr
o risco de destruição; em tempo de pandemia e de outras crises, geram-se
grandes oportunidades para alguns e penúria com aperto de cinto para a maior
parte; nos países pobres, onde penetram e se instalam os grandes interesses
agrícolas e industriais, cava-se a miséria generalizada; e, mesmo nos países
ricos, a corrupção afeta, principalmente os pobres. Sempre a corrupção
aprofunda as desigualdades e cava o fosso ente ricos e pobres,
responsabilizando os pobres pela sua suposta inépcia.
Por isso, exige-se uma comunicação social que seja fiel à
realidade objetiva, que não se deixe amarrar pelos poderes políticos, económicos
e financeiros, que denuncie todas as situações de injustiça e de corrupção e
que ajude à formação de consciência cívica das pessoas.
Aos bispos e à UNITA assiste a razão toda, ao pedirem um
Estado democrático e de direito, a unidade e a reconciliação. Porém, há uma
diferença: enquanto a UNITA acusa o governo, assumindo a ação política, os
bispos limitam-se a verificar a situação de 1975 em diante, a lamentá-la, a
apelar à sua alteração e a fazer a apologia da esperança, sem descurarem o
sentido da unidade e da Pátria.
2023.11.11
– Louro de Carvalho
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