Em tom grave, mas vago, Volodymyr
Zelensky avisou que os Balcãs serão a próxima “distração” num “longo plano” da
Rússia. Face aos ataques do Hamas e à guerra subsequente, o presidente
ucraniano vem-se esforçando por manter o país entre as prioridades da agenda
mediática e das lideranças mundiais. Porém, a fadiga da guerra, as mudanças
pós-eleitorais nalguns países e a guerra entre Israel e o Hamas atenuaram o
apoio a Kiev.
É neste contexto que Zelensky assegura que “a Rússia
investirá para que um país dos Balcãs lute contra outro”. E Vuk Vuksanovic,
investigador sénior do Centro para a Política de Segurança de Belgrado, reforçando
a importância do contexto, diz que a Ucrânia, como está a passar um difícil
momento no campo de batalha e porque a atenção do Ocidente se desvia para o
conflito em Gaza, tenta criar algum sentido de urgência. Porém, o investigador
sustenta que é remota a possibilidade de algo semelhante ao conflito em Gaza
nos Balcãs. Com efeito, para Moscovo causar problemas ali, precisará do apoio das
elites locais, que “não são representantes obedientes do Kremlin”, embora usem
a Rússia como alavanca junto do Ocidente e para se promoverem domesticamente,
mas sem correrem riscos em nome de Moscovo.
O sociólogo sérvio Ivan Zivkov, socorrendo-se da memória
histórica, interpreta as declarações de Zelensky. Nos Balcãs, onde há sempre
tensões, facilmente se desencadeiam guerras entre as suas pequenas nações. E a
região é usada, ocasionalmente, pelas grandes potências ao serviço dos próprios
interesses. A desintegração da Jugoslávia não terminou com a formação de
Estados estáveis. Por exemplo, as tensões e fortes divisões internas perduram
na Bósnia-Herzegovina, na Macedónia do Norte, na Sérvia e no Montenegro.
As palavras de Zelensky, na opinião do sociólogo, visam
alertar que a Rússia pode servir-se desta situação nos Balcãs para provocar novos
conflitos em solo europeu, pelo que a Europa Ocidental deve dar passos mais
decisivos para integrar todos os países da ex-Jugoslávia na União Europeia (UE).
Nos Balcãs Ocidentais, estão na fase das negociações quatro países (Macedónia
do Norte, Montenegro, Sérvia e Albânia), enquanto a Bósnia é candidata desde
2022 e o potencial candidato Kosovo não é reconhecido por cinco
Estados-membros, incluindo Espanha, nem pela Sérvia.
***
A 22 de novembro, Vladimir Putin afirmou a necessidade
de pensar em como travar “a tragédia” da “guerra” na Ucrânia. Usou a palavra
“guerra” para descrever o conflito, em vez da expressão adotada desde o início:
“operação militar especial”. São declarações mais apaziguadoras do que o
registo habitual do presidente russo, mas Pavel K. Baev, analista de Ciência
Política do Instituto para a Paz de Oslo, teme que pouco ou nada tenha mudado.
Foi a primeira vez, desde o início da guerra, em
fevereiro de 2022, que Putin se dirigiu ao G20, grupo em que se insere o
primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, com quem Moscovo mantém relações
amigáveis. Altos representantes de diferentes países disseram-se chocados com a
agressão na Ucrânia. “Sim, claro, as ações militares são sempre uma tragédia”,
admitiu Vladimir Putin. “E, claro, deveríamos pensar em como parar esta
tragédia. A propósito, a Rússia nunca recusou negociações de paz com a Ucrânia.”
Reconhece que esta guerra e a morte de pessoas “não
podem deixar de ser chocantes”, mas continua a apontar que autoridades ucranianas
perseguiram pessoas no Leste da Ucrânia e a vincar a duplicidade de critérios
dos Estados Unidos da América (EUA) e dos seus aliados. Por outro lado,
questionou: “E o extermínio da população civil na Palestina, na Faixa de Gaza,
agora, não é chocante?” No entanto, manifestou-se disposto a sentar-se e a
negociar com Zelensky, desde que seja aceite a anexação de mais quatro regiões
ucranianas, uma linha vermelha intransponível para Kiev. Aliás, acusa o presidente
ucraniano de travar o processo de paz, vincando que ele proibiu, por decreto,
as conversações com a Rússia, que poriam fim aos combates.
“O discurso de Putin ao G20 é um exercício da sua
habitual hipocrisia”, salienta Pavel K. Baev. O que o chefe de Estado russo
quis fazer não foi “pressionar por negociações”, mas “fingir prontidão”, para
poder “definir a determinação ucraniana de lutar pelo direito de construir um
Estado independente e de viver nele em paz como uma teimosia irracional”.
Continua a “postura agressiva” e nada mudou nos intentos. Apenas as suas palavras
criam uma realidade alternativa. Aliás, este não é o melhor momento para a
Rússia avançar para as conversações. Com um impasse na guerra e as atenções
internacionais e o apoio público à Ucrânia a esvaírem-se, para se concentrarem
no conflito no Médio Oriente, Moscovo não sente o apelo de retomar as
negociações. O melhor, para Putin, seria aguardar as presidenciais nos EUA, que
poderão redefinir os contornos da geopolítica.
E, quanto à oposição de Zelensky à ideia de negociar
um acordo, Pavel K. Baev admite que Zelensky está empenhado em restaurar a
integridade territorial da Ucrânia, objetivo que pode ser atingido por
conversações de paz, e não necessariamente por meios militares. O problema é a
impossibilidade de negociar com Putin. Contudo, o investigador salvaguarda: “Na
manhã seguinte à sua partida abrupta – que pode acontecer surpreendentemente em
breve –, serão, sem dúvida, abertas conversações, em vários formatos e por
vários canais.”
***
Zelensky fez diminuir o apoio a Kiev com
declarações sobre Israel e pode chegar a hora da negociação. Por isso, Gerard Toal, de origem irlandesa, autor de
“Bósnia Refeita: Limpeza Étnica e Sua Reversão” e de “Perto do mundo exterior:
Putin, o Ocidente e a Disputa sobre a Ucrânia e o Cáucaso”, reflete sobre os
processos que possam levar à paz no território ucraniano, aduzindo que a guerra
na Ucrânia criou “uma fissura que inibe a ação coletiva contra as alterações
climáticas, que é a crise existencial mais importante que a Humanidade
enfrenta”.
Além dessa crise regional, o Mundo confronta-se com a guerra no Médio
Oriente. Por isso, pode ser recomendável ponderar se a causa ucraniana, que é
justa, começa a ser “ruinosa”.
Em 2005, Gerard Toal testemunhou, perante o Congresso dos EUA, sobre os
desenvolvimentos políticos da Bósnia-Herzegovina, após haver realizado trabalho
de campo no país recém-formado, investigação que alargou à Geórgia, à Arménia, à
Moldova e à Ucrânia. Para Toal, é preciso distinguir territórios: os anexados
em 2014, pela Rússia, e que desenvolveram um sentimento pró-russo, e aqueles em
que a “limpeza étnica” subjugou os ucranianos à força. Em entrevista ao Expresso, Gerard Toal, o professor de
Assuntos Internacionais no Instituto Politécnico e Universidade de Virgínia,
analisa o ponto em que está a guerra na Ucrânia e sustenta que, às vezes, um
comportamento justo e uma causa justa podem ser “ruinosos”.
Entende que dificilmente acontecerá a invasão dos Estados
Bálticos pela Rússia, pois envolveria, de imediato, a Organização do Tratado do
Atlântico Norte (NATO) e causaria grande impasse nuclear. Na verdade, nos mapas
que Lukashenko mostrou na televisão bielorrussa, vê-se que os planos iniciais
para a invasão envolviam seguir pelo sul da Ucrânia e entrar na Transnístria,
atingindo a Moldávia, diferente dos Estados Bálticos.
No atinente à Geórgia, a possibilidade era mais remota. No entanto, em
março de 2022, grande parte da população georgiana temia que a Geórgia fosse
invadida.
O impasse na guerra começa a
desmoralizar as autoridades ucranianas, como indicou o Estado-Maior, em termos
militares. Porém, como o termo “impasse” tem conotação política, Zelensky resiste ao seu uso. E o impasse não significa
estaticismo. Os ucranianos querem a paz, querem que a guerra acabe, mas não sob
quaisquer condições. E há os que veem a causa como justa, mas ruinosa, e os que
veem a causa como justa e necessária – uma divisão compreensível num país em
tempo de guerra.
Face à questão “se um acordo
de paz ocorresse agora, haveria grande perda de território, em relação a 2014”,
Toal considera:
É preciso distinguir entre a Crimeia, anexada em 2014, e o Donbass e as
Repúblicas Populares, onde há um sentimento pró-Rússia.
Para muitas pessoas, a Crimeia, embora ilegalmente invadida, está perdida.
Porém, os novos territórios invadidos são uma questão diferente. Os territórios
invadidos em 2022 eram hostis à invasão. O que a Rússia fez foi uma limpeza
étnica nesses territórios, aterrorizando todos os que não se queriam subjugar
aos comandos dos militares russos. Muitas pessoas ficaram deslocadas, mas há
uma população que sobrou. Entre esta população, havia pessoas pró-Rússia
convictas de que, absorvidas por Moscovo, teriam prosperidade, pois a economia
da Rússia era, pelo menos, três vezes mais forte do que a Ucrânia; e havia quem
não pudesse deslocar-se, ou porque estaria a cuidar dos pais idosos, com
deficiência, ou porque tinha um sentimento de obrigação para com a sua
comunidade.
Os territórios ocupados não são o que eram: foram destruídos. Quando a
Ucrânia os recuperar, terá um trabalho moroso e muito difícil: lidar com as
pessoas que colaboraram com a ocupação.
É compreensível a fadiga
com a Ucrânia, pois a guerra dura há muito tempo e há uma crise mundial
a que se juntam crises localizadas, bem como o sentimento de pressão sobre os
mercados de arrendamento, sobre as escolas e serviços e uma perturbação
intensificada pelo facto de vários Estados europeus terem tido de acolher
refugiados ucranianos.
A decisão de Zelensky, que é
judeu, de apoiar a firme posição pró-israelita dos EUA no conflito de Gaza,
também feriu as bases de apoio com que a Ucrânia contava. É contraditório
condenar uma ocupação e apoiar ou tolerar outra. E Rússia pode alegar que os
EUA têm padrões duplos. E este é um
argumento de longa data usado pelo Estado russo. Na verdade, Poal faz referência
a um livro sobre os padrões duplos de que a Rússia fala, e os EUA demonstram-no
muitas vezes. É um presente que prejudica a Ucrânia: deveriam ter tido cautela
para não o entregar.
Quanto a Zelensky, Gerard Toal diz que “tem sido magnífico como
líder da Ucrânia, galvanizando e inspirando”, mas “também é messiânico” e “obcecado
por rivais”, o que pode impedir a forma de “melhor servir o povo”. Pode acontecer-lhe
com a Churchill: ser um excelente líder de
guerra, mas sofrer uma derrota eleitoral em momento posterior.
O índice de aprovação de Zelensky antes da guerra era muito baixo, o que
foi mal interpretado pelo Estado russo, que pensava que isso refletia a atitude
das pessoas em relação ao seu Estado. Os Russos confundiram a fraca aprovação
da personalidade com sentimento antiUcrânia. Estar infeliz com o governo não
significa que se odeie o país.
Pode suceder-lhe um líder
que venha a subjugar-se mais perante Moscovo. Os Ucranianos e a liderança ucraniana decidirão isso. Tudo o que o Ocidente
pode fazer é apoiar a Ucrânia, para que recupere, quanto possível, os territórios
perdidos.
Sobre os planos da UE de iniciar
negociações de adesão de Kiev alterarem a fadiga em relação à Ucrânia, o analista
aponta a enorme dimensão da Ucrânia, pelo que o alargamento terá de ser
diferente de qualquer outro. Tem de haver
uma transformação institucional massiva, para que isto ocorra. Isso, por si só,
pode agudizar a fadiga em relação à Ucrânia. Houve um referendo nos Países
Baixos sobre associação da Ucrânia, e os resultados não foram animadores.
A guerra ucraniana não é a única coisa a acontecer no Mundo. Já não está
nas manchetes dos jornais. Todavia, por quantos mais dias esta guerra
continuar, maiores serão os custos para os Ucranianos, para os Russos e para o
planeta. Está a criar-se “uma fissura que inibe a ação coletiva contra as
alterações climáticas, que é a crise existencial mais importante que a
Humanidade enfrenta”.
***
Efetivamente, tenho dito e
escrito que as guerras são o maior óbice ao combate contra as alterações climáticas, à minimização do recurso aos
produtos de origem fóssil e à luta contra os diversos tipos de poluição. Mas desistir é morrer na praia. E isso
não acontecerá.
2023.11.27 –
Louro de Carvalho
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