Até ao presente, os Estados Unidos da América (EUA)
transmitem mensagens contraditórias. A Casa Branca absteve-se na votação do
Conselho de Segurança da Organização da Nações Unidas (ONU) e Joe Biden afirmou
que a guerra terminaria quando o Hamas já não fosse capaz de matar Israelitas.
Porém, os ataques ao hospital Al-Shifa, a intensidade dos combates e as inúmeras
mortes na Faixa de Gaza põem os EUA em delicada posição. O presidente norte-americano
e outros líderes mundiais podem limitar o apoio a Israel, mas isso não
significa silenciá-lo.
Os
EUA, a principal referência do apoio internacional aos Israelitas desde 7 de
outubro, no que são acompanhados, em certo modo, pela União Europeia (UE), adotaram
uma dupla abordagem: nos bastidores, aconselham cautela, mas, publicamente, dão
apoio quase ilimitado ao direito de Israel à autodefesa. Porém, as ténues mudanças
no discurso norte-americano são apreciáveis: Israel pode vir a perder o apoio
internacional com que vem contando desde os ataques do Hamas, em outubro, pois
a autoridade e a influência de Washington, que são relevantes, podem faltar.
A
abstenção dos EUA na votação da resolução do Conselho de Segurança da ONU – que
apela a pausas humanitárias nos combates, mas que falha em condenar os ataques
do Hamas – foi significativa. Com efeito, uma sondagem divulgada pela Reuter/Ipsos mostra que 68% dos norte-americanos apoia um cessar-fogo. O governo
de Joe Biden está cônscio das mudanças na opinião pública. No Partido Democrata,
há divisão entre eleitores mais jovens e progressistas, que são favoráveis à
causa palestiniana, e elementos mais conservadores, que são a base democrata. E
há cartas conflituantes de funcionários do governo a criticar ou a apoiar a
política em relação a Israel.
A
mudança de direção do sentir norte-americano terá sido a recente declaração do
primeiro-ministro israelita de que o Estado manteria o controlo sobre Gaza num prolongado
período após a guerra e de que a Autoridade Palestiniana não desempenharia um
papel em Gaza, findas as hostilidades. Tal declaração colocou Netanyahu em
oposição a Washington.
Em
Nova Iorque, Linda Thomas-Greenfield, representante norte-americana na ONU, já
tinha vincado que a paz sustentável teria de pôr “as vozes dos Palestinianos e
as suas aspirações no centro da governação pós-guerra em Gaza” e que “a paz
deve incluir uma governação liderada pelos Palestinianos e a unificação de Gaza
e Cisjordânia, sob a égide da Autoridade Nacional Palestiniana”, ou seja, “deve
incluir um processo para uma solução de dois Estados”.
Os EUA
querem que a Autoridade Palestiniana tenha papel relevante na governação da
Cisjordânia e da Faixa de Gaza e na reparação das barreiras com os aliados árabes
irritados com o apoio dos EUA a Israel em Gaza. Na verdade, na sequência da
referida declaração de Netanyahu, alguns analistas israelitas previram que os
EUA não voltariam a vetar uma resolução do Conselho de Segurança da ONU sobre
Gaza. Ora, isso já se concretizou.
Além
dos planos para o período pós-guerra, há outros fatores que geram fraturas na
aliança entre Israel e os EUA. A Casa Branca parece preocupada com a hipótese de
o crescente número de vítimas civis e a catástrofe humanitária virarem a
opinião pública contra Israel, tornando insustentável a posição dos EUA. A França
já é um dos países que apelam ao cessar-fogo, e o Reino Unido não vetou a recente
resolução da ONU. E outro risco do apoio ilimitado a Israel é a possibilidade de
o conflito virar a conflagração regional mais ampla. Embora o Hezbollah tenha
recuado, isso não significa que não considere intervir no futuro, o que implica
potencialmente o Irão. Todavia, para já, a Casa Branca, estável na oposição aos
apelos internacionais para que Israel pare de combater, afirma que Israel tem o
direito de se defender e pressionou Israel a pausas humanitárias, esperando que
observe as regras do direito internacional aplicadas à guerra.
A 16
de novembro, o Presidente dos EUA insistiu que a luta de Israel em Gaza, após
os massacres do Hamas nas comunidades do sul israelita, terminará quando o
Hamas não tiver capacidades de assassinar, abusar e fazer coisas horríveis aos
Israelitas. E disse que os militares de Israel têm “a obrigação de usar o
máximo de cautela possível na perseguição dos seus alvos”.
Não
obstante, os EUA estão preocupados com a escala da destruição infligida por
Israel, com o impacto da segunda fase das operações no sul de Gaza, com os
danos causados na região e com o facto de Israel não ter solução viável ou
bem-sucedida. Por outro lado, esperam ver mais pedidos de cessar-fogo por parte
da comunidade internacional, especialmente do hemisfério Sul, mas também de
outros países. Com efeito, a entrada das Forças de Defesa de Israel no maior
hospital de Gaza aumentou a comoção mundial. Porém, a pressão internacional não
terá tanta influência nas ações israelitas como teve em outros conflitos.
Israel
está determinado a erradicar o Hamas, mesmo à custa de vidas de civis. Não há
fim à vista e nenhum plano depois das hostilidades. E, a menos que haja uma
solução política sustentável, a questão palestiniana continuará a ser fonte de
instabilidade num futuro próximo.
Não havia
muita confiança entre os EUA e Israel antes do início da guerra. A aproximação
de Washington pretendia encobrir as divergências e obter o máximo de influência
sobre Netanyahu, moldando a resposta ao ataque e o cenário futuro do
pós-guerra. E o governo dos EUA critica Israel numa série de questões não diretamente
conexas com Gaza, incluindo as políticas na Cisjordânia e a distribuição de armas
produzidas nos EUA a civis.
***
Entretanto,
o Tribunal Internacional de Justiça (TIJ) da ONU investiga crimes de
guerra na Palestina.
Efetivamente, o procurador Karim
Khan disse que o seu mandato se aplicará a alegados crimes cometidos durante a
guerra iniciada em 7 de outubro, após o ataque do grupo islamita Hamas em
território israelita, pois cinco países signatários do tratado que instituiu o
TIJ (África do Sul, Bangladesh,
Bolívia, Comores e Jibuti) pediram, a 17 de novembro, a investigação a
possíveis crimes de guerra cometidos no Estado da Palestina.
Assim, o
TIJ, criado em 2002 para julgar as piores atrocidades do Mundo, abriu uma
investigação em 2021 sobre alegados crimes de guerra nos territórios
palestinianos, incluindo os cometidos pelas forças israelitas, pelo Hamas e por
outros grupos armados palestinianos. Contudo,
o procurador avisa que, de momento, as equipas do tribunal não conseguem entrar
em Gaza, nem em Israel, que não é membro do TIJ, mas que pode ser acusado de
crimes de guerra, de acordo com especialistas em direito internacional.
“Desde o início do meu mandato, em junho de 2021, criei pela primeira vez
uma equipa dedicada para fazer avançar a investigação sobre a situação no
Estado da Palestina”, disse o procurador, acrescentando que já foram recolhidas
muitas informações. Com efeito, em Israel,
1.200 pessoas foram mortas desde 7 de outubro, a maioria delas civis
massacrados no dia do ataque do movimento islamita Hamas, numa violência e numa
escala sem precedentes desde a criação de Israel, em 1948. Por seu turno, desde
essa data, Israel lançou uma ofensiva retaliatória contra o Hamas em Gaza, em
que mais de doze mil pessoas foram mortas no território controlado pelo Hamas.
Além disso, houve já 29.800
feridos, 3.250 desaparecidos sob os escombros e mais de 1,6 milhões de
deslocados. Prossegue o genocídio e está vedada a ajuda humanitária!
***
O alto
representante da UE para a Política Externa, Josep Borrell, em conferência de
imprensa, em Ramallah, com o primeiro-ministro palestiniano, Mohamad Shtayé, a
17 de novembro, ao arrepio da presidente da Comissão Europeia, Ursula von der
Leyen, preconizou o regresso da Autoridade
Palestiniana a Gaza para estabilizar o enclave e avançar para a solução de dois
Estados, o que postula o reforço do apoio da comunidade internacional a esta
entidade, com o envolvimento dos países vizinhos árabes. Até agora, a UE tinha mencionado
apenas a utilidade do regresso dos líderes palestinianos a Gaza como parte dos
planos futuros para a Faixa, mas evitou indicar se tal competência caberia à
Autoridade Palestiniana, que governa a Cisjordânia e que foi expulsa de Gaza em
2007, após a vitória eleitoral do Hamas.
***
A
ONU denuncia “tentativa deliberada de estrangular” as suas operações em Gaza.
Com feito, em conferência de imprensa, a 17 de novembro, Philippe Lazzarini,
Comissário-Geral da Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da
Palestina no Próximo Oriente (UNRWA) afirmou que “já são quase seis
semanas de inferno para o povo de Gaza” e de “total desrespeito pelas leis
humanitárias internacionais”.
O responsável
da UNRWA, assinalando que a “escala de destruição e perda” a que
estamos a assistir em Gaza é “assombrosa”, apontou o êxodo
massivo de “pessoas forçadas a sair das suas casas” a buscar segurança no Sul:
“Testemunhámos, nas últimas semanas, o maior deslocamento de palestinianos
desde 1948.” Deu conta dos testemunhos da equipa da UNRWA no terreno,
que, recentemente, recebeu, no Sul, pessoas que caminharam horas e horas e
se encontravam “desidratadas, com fome, exaustas e ainda em choque”. E realçou
que o povo de Gaza “está num enclave sem qualquer saída”, tendo o enclave diminuído
para metade.
Assinalando
que os Palestinianos foram “despidos da sua dignidade”, Philippe Lazzarini
partilhou algumas das imagens que o acompanham da visita a uma escola da UNRWA
em Gaza, onde crianças imploravam um pouco de água ou um pedaço
de pão, pois, na esmagadora maioria das instalações humanitárias, não há água,
há locais com uma só casa de banho para largas centenas de pessoas, muitas das
quais deixaram tudo para trás, só têm a roupa do corpo. Sublinhou que o cerco,
“próprio da época medieval”, constitui “punição coletiva imposta a toda uma
população”. Considerou que “não há nenhum lugar seguro em Gaza” – o Sul, onde
se registou um terço das mortes, não é seguro, bem como não são seguras as
instalações da ONU –, e disse temer que, com, pelo menos, 103 colegas mortos
nos ataques israelitas, muitos outros estejam soterrados nos escombros. Contrariou
os argumentos israelitas sobre a falta de segurança das operações da UNRWA, no
sentido de beneficiarem os combatentes do Hamas, e refutou a justificação de
Israel para os ataques a escolas da agência. Na verdade, as escolas da UNRWA
não ensinam qualquer tipo de ódio, o sistema escolar em Gaza é reconhecido pela
sua excelência, a agência e as suas atividades são minuciosamente escrutinadas.
O
Comissário-Geral da UNRWA alerta que a agência, que apoia mais de 800 mil
pessoas deslocadas em Gaza, pode ter de suspender todas as suas atividades
humanitárias, devido à falta de combustível. “Acredito que há uma tentativa
deliberada de estrangular a nossa operação e paralisar a operação da UNRWA.
Durante semanas a fio, temos implorado, alertado para o impacto da falta de
combustível”, disse, explicando que, nas últimas semanas, a agência aproveitou
as reservas de combustível que restavam no território. “Mas agora estão a
acabar”, e “corremos o risco de ter de suspender toda a operação humanitária”,
advertiu.
Israel cortou
os envios de combustível para a Faixa de Gaza como parte de um “cerco total”. O
primeiro camião de combustível a entrar em Gaza, desde que Israel impôs o
cerco, chegou a 15 de novembro. A UNRWA recebeu 23 mil litros de combustível (metade
de um camião). E as autoridades israelitas restringiram a utilização para o
transporte de ajuda proveniente do Egito. São necessários 160 mil litros por
dia, só para operações humanitárias básicas. “É ultrajante que as agências
humanitárias tenham sido reduzidas à mendicidade por combustível”, diz
Lazzarini.
O
Comissário-Geral sustenta que as condições humanitárias se deterioraram, uma
vez que 70% da população no sul de Gaza não tem acesso a água potável e o
esgoto começou a fluir para as ruas. O combustível, agora inexistente, é
necessário para os equipamentos de dessalinização de água e para o sistema de
bombeamento de esgoto. E, sobre o apagão das comunicações anunciado, no dia 16,
pelas empresas de telecomunicações palestinianas Jawwal e Paltel, que esgotaram
as fontes de energia que a sustentam, avançou que o mesmo “torna impossível
gerir ou coordenar comboios de ajuda humanitária” e acusou Israel de utilizar o
combustível como “arma de guerra”.
Ora, a falta
de combustível será mais uma causa de morte para as pessoas a juntar à fome.
***
Tem de se
acudir à emergência, parar a guerra, concertar a paz e recuperar o território.
2023.11.17 –
Louro de Carvalho
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