As alterações climáticas,
com as respetivas consequências na preservação do planeta, na vida e na saúde –
espelhadas no degelo das massas glaciares, no aumento do nível da água dos
oceanos, no aquecimento global, no enfraquecimento da biodiversidade e na
destruição de ecossistemas, na excessiva emissão de dióxido de carbono (CO2),
nas prolongadas secas severas e extremas, nas enxurradas e nas inundações e,
obviamente, na saúde dos animais e das pessoas – criaram uma consciência
coletiva, a nível mundial, da necessidade de enfrentar a crise nas suas causas.
Entre estas, conta-se o uso excessivo dos combustíveis de origem fóssil, a
carbonização, a poluição de águas, de solos e do ar, em resultado da acumulação
de lixos, do excessivo descarte de materiais e do uso generalizado de pesticidas
e de herbicidas e de outros produtos tóxicos.
Entretanto, três fatores
condicionam esta luta: os poderosos interesses industriais, nomeadamente a
indústria da guerra; a dificuldade de renunciar aos cómodos a que nos
habituámos (por exemplo, viagens de avião, uso do automóvel, utilização
generalizada do carvão e do gás, a moda no vestuário, a abundante utilização de
plástico, etc.); e o alto custo das alternativas (leva tempo e dinheiro
substituir combustíveis de origem fóssil por eletricidade através de fontes
renováveis), ficando os governos sem grande poder de decisão e de apoio à ação
climática.
Quem não se cala são os
jovens, que prosseguem a luta, nem sempre com os meios mais adequados e
eficazes e, porventura, com alguma inconsequência. Em Portugal, sobressaem,
nesta cruzada, dois movimentos juvenis: o movimento
Greve Climática Estudantil e o Climáximo – zelosos da preservação do futuro, de
que são herdeiros.
Os jovens do
movimento Greve Climática Estudantil, provindos de várias universidades e
escolas secundárias reúnem-se em assembleias gerais para prepararem as
subsequentes ondas de ações pela justiça climática e para criticarem o governo.
Depois de tentarem impedir uma reunião do Conselho de Ministros e de atirar
tinta e ovos aos ministros do Ambiente e das Finanças, preparam outras
ocupações de outono pelo fim dos combustíveis fósseis até 2030. Vão parar
escolas e outras instituições de poder, por os condenarem “a não ter um
futuro”. O começo da disrupção está agendado para 13 de novembro, culminando com
a visita ao Ministério do Ambiente e da Ação Climática, a 24 de novembro, para
indicar ao governo que, se continuar a roubar-lhes o futuro, estarão “prontos a
tomá-lo pelas próprias mãos”.
Na recente assembleia geral, foi lido o “consenso de ação”, moção para a
qual pretendiam ideias dos presentes. Lido o documento, reuniram-se em pequenos
grupos, para discussão e proposta de ideias, como faixas com palavras de ordem,
fumo pirotécnico de carnaval, uso de barbatanas e óculos, a lembrar que os
eventos extremos incluem inundações.
A maioria dos que se sentam em círculo, na assembleia, tem entre 16 e pouco
mais de 20 anos e entrou nas manifestações climáticas, em 2019, aquando da
criação do movimento Fridays for Future, da sueca Greta Thunberg. Vivem na área
metropolitana de Lisboa (AML) e têm o apoio parental, na maioria pessoas da
classe média esclarecida, professores, artistas, designers ou comerciantes. A moção explicita os limites, sobretudo
o de não porem nenhuma pessoa em perigo e de não serem violentos com ninguém (estudantes,
polícias ou membros da comunidade educativa). Porém, a estudante de Direito, que
juntamente com outra colega atirou tinta verde ao ministro do Ambiente, defende
que deitar tinta, ovos ou chantili contra pessoas ou contra edifícios não é ato
violento. E as estudantes de Antropologia e Sociologia, envolvidas, há uma
semana, no ataque com tinta ao ministro das Finanças quando este apresentava o
Orçamento do Estado (OE) na Faculdade de Direito, foram chamadas ao tribunal de
pequena criminalidade, a 24 de outubro, mas a greve dos serviços judiciais
fê-las sair sem saberem que acusação impende sobre elas.
As ativistas frisam que são apartidárias, movendo-as a consciência política
da realidade climática em que vivem, embora saibam as consequências legais de
cada ação. E os ministros em causa não avançando com queixa formal, optaram
pela ironia. Duarte Cordeiro brincou com a cor e Fernando Medina com a ideia de
ter “uma apoiante” na subida do imposto único de circulação (IUC). Porém, a
protagonista do “atintado”, considerando a medida injusta, diz que o OE não aposta
no investimento maciço em energias renováveis com transição justa e sem abate
de sobreiros, tendo os governantes tentado capitalizar o momento.
As ativistas dizem estar do lado certo da História. Com efeito, os
movimentos sociais provocaram, ao longo da História, mudanças profundas “com a disrupção
e a paragem da normalidade”. Uma das ativistas que participaram na ocupação do
Ministério da Economia, há um ano, acabou na esquadra, com suspensão provisória
do processo e a pena de 50 horas de trabalho comunitário na Associação SOS
Racismo. Entretanto, seguiram-se outras detenções na tentativa de bloquear do
Conselho de Ministros, a 14 de setembro, na paralisação da Segunda Circular
promovida pelo movimento Climáximo no início de outubro e na ação de protesto
na Faculdade de Direito.
De cada vez que vão a tribunal é-lhes nomeado um advogado oficioso, mas,
quando as situações se complicam, recorrem a advogados pro bono e pediram aconselhamento à jurista Carmo Afonso, que lhes
explicou até onde podem ir, do ponto de vista legal, ou sobre o que podem ser
considerados delitos criminais. A jurista afirma que “estes movimentos seguem
orientações de ações disruptivas não violentas transnacionais que, por serem
consideradas violentas por alguns, requerem apoio jurídico a tempo inteiro”. Em
sua opinião, o aspeto mais delicado da defesa prende-se com questões jurídicas
sobre dolo e se estão a cometer ilícitos com moldura penal”, dependendo a
interpretação da “sensibilidade do juiz”. E sustenta: “Juridicamente, é
complexo: se uma pessoa parte o vidro de um carro por vandalismo é uma coisa;
se o parte para salvar um cão ou uma criança fechados lá dentro, já está a
acautelar um dano.”
A 24 de outubro, três ativistas do Climáximo foram condenadas a um ano de prisão
remissível em multa, por se sentarem no chão, na Avenida de Roma, em Lisboa,
parando o trânsito durante meia hora, a 6 de outubro. Ainda não sabem de quanto
será a multa, mas dizem que, em caso de incêndio, não se toca a campainha, “entra-se
para salvar pessoas e apagar o fogo”.
Entre as últimas disrupções protagonizadas pelo Climáximo, constam o corte
da Segunda Circular e de outras ruas de Lisboa, o arremesso de tinta contra o
acrílico de um quadro de Picasso no Museu do CCB, a paragem de um avião da TAP,
ou o estilhaçar das vitrinas da REN e da loja da Gucci. Para as multas, contam
com apoio de organizações internacionais, de crowdfunding ou de outras ações
coletivas, como concertos ou jantares. O Climáximo, versão nacional do
movimento internacional com o mesmo nome criado em 2015, em desacordo face ao
Acordo de Paris (COP21), vem associado ao Bloco de Esquerda (BE), porque um dos
elementos mais ativos é João Camargo. “Basta ver que nem o BE, nem nenhum
partido político incorpora o programa do Climáximo e que até se distanciaram
das últimas ações”, garante Camargo. E Mariana Mortágua disse “duvidar” da
eficácia do modus operandi.
Embora promovam ações separadas, os dois movimentos cruzam-se em várias
delas e recebem formação de coletivos internacionais (Ende Gelände ou
Extinction Rebellion) sobre como se posicionar nas ações. O Climáximo também se
aconselha com o núcleo português Fermento, grupo anticapitalista, feminista e
antirracista, que “facilita formações e oficinas em organização, estratégia,
comunicação e ação, dirigidas a associações e organizações de sociedade civil”.
Os dois grupos distinguem-se o nível de secretismo: ao invés do primeiro, o
segundo não mostra como funciona a reunião do grupo, onde planeia novas ações.
Antes, as reuniões ocorriam nas casas ou em espaços coletivos amigos, mas o
receio de terem autoridades à porta fê-los mudar.
Fizeram manifestações ao estilo tradicional, mas as emissões continuam a
aumentar globalmente e Portugal continua com projetos para infraestruturas que
são armas de destruição em massa, como o novo aeroporto ou a expansão do
terminal de gás, em Sines.
***
Questionado sobre se receberá os ativistas do movimento Greve Climática
Estudantil, a 24 de novembro, o ministro do Ambiente e da Ação Climática diz
que “não o prevê”. O governo respeita “quem procura manifestar-se pelo clima,
mas critica estas ações que estão progressivamente a tornar-se mais violentas”,
e define “o programa político que estes grupos defendem como radical e com
fortes impactos sociais, muito distante dos programas eleitorais discutidos nas
últimas eleições”. Reiterando que “defende o acelerar da transição sem ignorar
a dimensão democrática e social do nosso país”, sublinha que “Portugal foi o
primeiro país do mundo a traçar um Roteiro para a Neutralidade Carbónica, até
2050”, aprovou a Lei de Bases do Clima, para antecipar as metas da descarbonização
em 2045, e apresentou o Plano Nacional de Energia e Clima que permite, já em
2026, atingir 80% da produção e consumo de eletricidade por fonte renovável e “está
a cumprir as metas climáticas e acordos internacionais estabelecidos”.
Viriato Soromenho Marques, defendendo que se mantenha o tema na agenda
mediática, para apelar à “vergonha do conformismo dominante”, mas com mais
criatividade e sem riscos, reconhece que estas ações disruptivas dos ativistas têm
polarizado a opinião pública, havendo quem pense que prejudicam a causa, descredibilizando-a,
quem os apoie e quem os queira detidos.
O filósofo e ambientalista considera este tipo de atuação “essencialmente
positiva”, por ser “um sinal de esperança” de que é possível travar a chegada
ao ponto de não retorno na emergência climática. Porém, apelando à imaginação e
à razoabilidade, lembra que, nos anos 90 do século XX, uma das ações mais
disruptivas e eficientes que fizeram, em colaboração com a Greenpeace da Suíça,
foi a remoção de milhares de toneladas de resíduos metálicos de uma fábrica
antiga da Renault, perto de Setúbal, transportando-os num camião TIR, de noite,
acabando por os despejar às portas da empresa responsável na Suíça.
Para o filósofo, “a dialética entre os fins e os meios tem limites não
escritos”: o da integridade física de pessoas e o da destruição de propriedade.
E inclui neles os ataques com tinta a ministros, a quebra de montras e os
riscos que os jovens correm ao ficarem parados na estrada e ao terem cadastro
criminal. Sobre as decisões de polícias ou juízes, lembra que “o direito à vida
e a um clima saudável é um direito fundamental”, devendo entrar na equação.
Soromenho Marques foi um dos promotores e signatários do manifesto de
“compromisso com os jovens na luta para merecer o futuro”, de maio de 2023,
para alertar que as crises climática e ambiental resultam “do atual modelo de
civilização, assente numa economia extrativista, consumista, baseada no mito do
crescimento infinito e na crescente intensificação energética, assente
esmagadoramente em combustíveis fósseis”. Um inquérito a 120 académicos
britânicos da área da sociologia e da ciência política, citado pelo jornal “The
Guardian”, refere que sete em 10 investigadores consideram as táticas de
ecoguerrilha não violentas “muito importantes”, contrariando algumas opiniões,
pois a história das mudanças sociais é também a da contestação e da disrupção
que levam à mudança.
***
A saúde e o ambiente andam de mãos dadas e influenciam-se. Porém, o estudo
“Riscos climáticos e a saúde dos portugueses: futuro(s) por imaginar e
construir” mostra que, embora 96% dos portugueses digam que já estão ou estarão
expostos a problemas de saúde, devido aos riscos ambientais, só 25% estão
informados sobre o assunto, mas com lacunas de compreensão e só 10% confessam
sentir ansiedade climática. E, entre os 30% que já estiveram em contacto com
ambientes em que a poluição se sente fortemente (por exemplo na Ásia), 65% admitem
que, nessa experiência, pensaram no impacto que poderia estar a ter na sua
saúde, sendo que 59% projetam a memória do que viveram quando pensam no futuro.
Para mudar de paradigma, é preciso criar “nova cultura pública climática”,
defendeu Luísa Schmidt no debate subsequente à apresentação do estudo, pois,
embora a crise climática esteja na ordem do dia, o custo de vida, as
preocupações são a situação económica e a crise na habitação.
***
Os exageros são reprováveis, mas a luta contra crise climática e ambiental
tem de prosseguir. Precisa-se de sensibilização, de pedagogia, de ação política
firme e de investimento público.
2023.11.02 – Louro de Carvalho
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