Foram ouvidos
os partidos políticos com assento parlamentar, o que tanto podia ser com vista
à exoneração do atual primeiro-ministro (PM), cujo pedido de demissão vai ser
aceite pelo Presidente da República (PR), como para dar ao chefe de Estado
respaldo para a nomeação de outro PM, no atual quadro parlamentar – ver Constituição
da República Portuguesa (CRP), artigo 187.º, n.º 1.
Foi também
ouvido o Conselho de Estado, para efeitos da alínea a) / 1.ª parte e da alínea e)
/ 2.ª parte do artigo 145.º da CRP, respetivamente, “pronunciar-se sobre a dissolução
da Assembleia da República [AR]” e “aconselhar o Presidente da República no
exercício das suas funções, quando este lho solicitar”.
O PR decidiu,
era espectável, dissolver a AR e, consequentemente, convocar eleições legislativas.
Nesse aspeto, é consequente com o que vem dizendo publicamente, a partir de 30
de março de 2022. No entanto, é de esclarecer que a AR não está ainda
dissolvida e a demissão do PM ainda não foi aceite em termos formais, pelo que
o governo está na plenitude das suas funções. E a comunicação presidencial ao
país, na noite de 9 de novembro, presta-se a equívocos.
O PR verifica
um facto inquestionável, mas cuja verificação é excrescente: “Pela primeira vez
em democracia, um primeiro-ministro em funções ficou a saber, no âmbito de
diligências relativas a investigação em curso, respeitante a terceiros, uns
seus colaboradores, outros não, que ia ser objeto de processo autónomo, a
correr sob a jurisdição do Supremo Tribunal de Justiça [STJ].” Resta saber se
este facto revela regular separação de poderes ou falta de lealdade
institucional da parte do poder judiciário. Aliás, a 3 de novembro, o presidente
do STJ teceu, publicamente duras críticas ao governo, pelo alastramento da corrupção
na administração pública e por nada fazer para a travar, embora, na sua catilinárias,
tentasse tirar do baralho a ministra da Justiça.
Diz o PR que,
de imediato, o PM “apresentou a sua exoneração, invocando razões de dignidade
indispensável à continuidade do mandato em curso”. Ora, António Costa
apresentou o seu pedido de demissão, pela razão invocada. A exoneração compete
ao PR, nos termos da alínea g) do
artigo
133.º da CRP, na data da nomeação
e posse do novo PM (ver n.º 4 do artigo 186.º da CRP).
O chefe de Estado
sublinhou – e bem – “a elevação” do gesto e da “comunicação” do PM aos
Portugueses e testemunhou o seu “serviço à causa pública, durante décadas, em
particular nos longos e exigentíssimos anos de saída do défice excessivo,
saneamento da banca, pandemia e guerras na Ucrânia e no Médio Oriente, na
chefia do governo de Portugal”, como agradece, “a disponibilidade para
assegurar as funções, até à substituição, nos termos constitucionais”.
Como é
curial, espera que “o tempo, mais depressa do que devagar, permita esclarecer o
sucedido, no respeito da presunção da inocência, da salvaguarda do bom nome, da
afirmação da Justiça e do reforço do Estado de Direito Democrático”.
Porém, o teor
do desenvolvimento da sua comunicação ao país merece reparos.
Diz o PR: “Chamado a
decidir sobre o cenário criado pela demissão do governo, consequência da
exoneração do primeiro-ministro, optei pela dissolução da Assembleia da
República e a marcação de eleições em 10 de março de 2024.” Ora, como disse há pouco,
nem o PR está exonerado, nem o governo demitido. Se isso fosse verdade, a
discussão parlamentar do Orçamento do Estado teria de parar, pelo menos, na
ótica de alguns constitucionalistas. E não seria útil um orçamento suspeito de inconstitucionalidade.
Além disso, se a demissão do PM tivesse sido formalmente aceite e a dissolução
da AR formalmente decretada, as eleições teriam de realizar-se a 7 de janeiro.
O PR tomou a
sua decisão, “depois de ouvir os partidos com assento parlamentar e o Conselho
de Estado, como impunha a constituição”. Verificou: “Os primeiros, claramente
favoráveis, o segundo com empate, e, portanto, não favorável à dissolução.
Situação, aliás, que já ocorrera no passado com outros chefes de Estado.” E vincou
tê-lo feito “por decisão própria no exercício de um poder conferido pela
Constituição da República Portuguesa”, o que já sabíamos.
Depois, enumerou
as razões, como se explicita, a seguir.
O voto nas eleições de
2022, personalizado no PM, com base na sua liderança, candidatura, campanha
eleitoral e esmagadora vitória. Sendo este motivo válido, se um PM morresse ou
ficasse incapacitado, teria de haver sempre eleições, pois todas as campanhas eleitorais
têm líderes partidários e as listas de deputados são apresentadas pelos
partidos políticos. A interrupção de mandato por esta razão não é compatível
com a regularidade democrática.
Disse-o a 30
de março de 2022, o que não quer dizer que a sua verdade seja justa.
Apontou a fraqueza da
formação de novo governo com a mesma maioria, mas com qualquer outro PM, para
tanto não legitimado política e pessoalmente pelo voto popular. Não se elegem primeiros-ministros,
mas deputados apresentados pelos partidos. Que se diria se o líder de um partido
que ganhou eleições, não conseguisse ser eleito no círculo eleitoral que o
candidatou? Não podia ser PM? Teria de haver novas eleições? É óbvio que o PR
não gosta desta maioria que rotulou de gasta e requentada.
Aponta o
risco, “já verificado no passado, de essa fraqueza redundar num mero adiamento da
dissolução para pior momento”. O caso passado enfermou da falácia agora apontada
pelo PR. Jorge Sampaio não gostava do novo PM, no discurso de posse, colocou o
seu governo sob vigilância, em determinadas áreas, e os correligionários do PM apressaram
a vontade de dissolução da AR. E isso criou um precedente: a dissolução da AR
com uma maioria parlamentar.
Agora,
Marcelo Rebelo de Sousa diz uma coisa que nem ao diabo lembrava: “Vivendo o governo
até lá como um governo presidencial, isto é, suportado pelo Presidente da
República e o Presidente da República como um inspirador partidário. Tudo
enfraquecendo o papel presidencial, num período sensível em que ele deve ser,
sobretudo, uma referência interna e externa.”
O papel presidencial
enfraquece-se com os comentários impensados, a tempo e a destempo, não pelo
apoio ou pela crítica ao governo.
O governo só
é presidencial se o quiser ser e/ou se o PR desejar condicioná-lo. Aliás, foi o
que Jorge Sampaio tentou fazer, pelos vistos, para ganhar tempo de o seu
partido se preparar para eleições. Outro galo teria cantado, se Pedro Santa
Lopes, após o discurso do PR de então, houvesse apresentado, de imediato, o seu
pedido de demissão.
O chefe de Estado
diz que “a garantia da indispensável estabilidade económica e social, que é
dada pela prévia votação do Orçamento do Estado para 2024, antes mesmo de ser
formalizada a exoneração do atual primeiro-ministro, em inícios de dezembro”. O
atual PM só é exonerado com a nomeação e posse de um novo PM que resulte das eleições.
Não creio que o PR nomeie um PM interino para liderar o atual governo, quando
estiver formalmente demissionário. Esse é que seria um governo de iniciativa presidencial,
que não está, claramente previsto nem afastado na CRP.
“A aprovação
do Orçamento permitirá ir ao encontro das expetativas de muitos Portugueses e
acompanhar a execução do PRR, que não para, nem pode parar, com a passagem de
governo a governo de gestão ou, mais tarde, com a dissolução da Assembleia da
República”, sublinha o PR.
Com tal
confusão comunicativa, como é que sustenta esta tese, que divide os constitucionalistas?
Era melhor ter deixado para o dia seguinte a comunicação ao país e ter apurado
o texto.
As eleições contribuirão “para
maior clareza” e para “mais vigoroso rumo”, para superar um vazio inesperado,
que surpreendeu e perturbou tantos Portugueses, afeiçoados, que se encontravam,
aos oito anos de liderança governativa ininterrupta”. Nisto, estaremos de
acordo, mas não era preciso invocar as outras razões, nos termos em que tal invocação
foi feita.
“É essa a
força da democracia. Não ter medo do Povo.” Totalmente de acordo.
Era possível
nomear novo primeiro-ministro na atual configuração parlamentar. O PR não
aceitou essa hipótese que o PM lhe apresentou. Preferiu a dissolução. E está no
seu direito, nos termos constitucionais. Bastaria que observasse os trâmites
que ela impõe.
Tentou encurtar o mais
possível o tempo da decisão. E, “se não foi possível torná-lo mais breve, isso
tem a ver com o processo de substituição na liderança no partido do governo,
como aconteceu no passado”. O Partido Socialista (PS) que agradeça, já que o
único a merecer a confiança do PR parece que é o ainda secretário-geral. Não
creio que Jorge Sampaio tenha equacionado a preocupação de o partido de Santana
Lopes se refazer e se preparar para as eleições.
Porém, agora, do que se
trata é de, olhando em frente, “escolher os representantes do Povo e o governo
que resultará das eleições”, que seja “um governo que procure assegurar a
estabilidade e o progresso económico, social e cultural, em liberdade,
pluralismo e democracia”. Certíssimo!
Assim,
a 10 de março de um ano bissexto, lá iremos votar em consciência, sem ligar
muito aos ditames presidenciais. Atenção: Escolhamos um partido, não um líder,
porque, à primeira oportunidade, podemos ter eleições!
2023.11.09 – Louro de Carvalho
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