Segundo um comunicado publicado, a 11 de novembro, pelo Vatican News, o portal da Santa Sé, citado
pela Reuters, em atitude muito rara, na Igreja, e inédita, no
seu pontificado, Francisco destituiu das suas funções o bispo Joseph E.
Strickland, da diocese de Tyler, no Texas, um dos seus maiores críticos, entre
os conservadores da Igreja Católica Romana nos Estados Unidos da América (EUA)
e que
vinha criticando,
repetidamente, o atual pontificado, sobretudo nos acenos à comunidade
LGBTQIA+.
Francisco reuniu-se,
na manhã do dia 11, com o prefeito do Dicastério para os Bispos, cardeal
norte-americano Robert Francis Prevost, antes do anúncio da destituição do
prelado.
A decisão
papal de retirar o prelado do seu governo pastoral da diocese do Leste do Texas
ocorre dois dias antes do início da reunião plenária, de outono, dos bispos dos
EUA, que será realizada entre 13 e 16 de novembro em Baltimore, Maryland.
O anúncio da destituição foi feito, concomitantemente, entre
o Vaticano e a Conferência dos Bispos dos EUA. Com efeito, o Vatican News cita o comunicado do cardeal Daniel
Nicholas DiNardo, arcebispo metropolitano de Galveston-Houston e presidente da
Conferência dos Bispos Católicos dos EUA, onde se lê: “Como resultado da visita
apostólica feita, foi transmitido ao Santo Padre que a continuação no cargo do
bispo Strickland não era viável. Após meses de cuidadosa consideração por parte
do Dicastério para os Bispos e do Santo Padre, foi tomada a decisão de
solicitar a renúncia de Strickland. Tendo sido apresentado esse pedido em 9 de
novembro de 2023, o bispo Strickland recusou-se a renunciar ao cargo.”
Nenhum dos dois
comunicados explica os motivos da decisão. E Strickland também não se
pronunciou. Uma gravação no telefone da diocese informa que está fechada para fim
de semana. Na sequência desta recusa, o Papa Francisco decidiu destituir o
bispo. Em caso de conflito entre um bispo de uma diocese e o Vaticano, o
procedimento normal é aquele aceitar o convite a pedir a renúncia. Porém, segundo
dizem, Strikland nunca foi um bispo normal.
A diocese de
Tyler ficará ao encargo do bispo de Austin, Joe Vasquez, seu administrador apostólico,
até que seja nomeado um novo bispo.
É muito raro
um bispo ser retirado do seu ofício pastoral. Normalmente, os prelados com
problemas com o Vaticano são convidados a renunciar primeiro e, depois, o Papa
aceita o pedido.
Os Sumos
Pontífices, só tomam a medida de destituição, considerada drástica, quando um
bispo rejeita a sugestão de renúncia. Porém, Strickland – nomeado pelo Papa
Bento XVI, em 2012 – de 65 anos, dez a menos da idade normal para a renúncia
dos bispos, havia dito, neste ano, que se recusaria a renunciar, caso recebesse
tal solicitação.
A demissão de
monsenhor Strickland ocorre após a conclusão de uma investigação formal, no
âmbito da visita apostólica, ordenada pelo Papa, iniciada, em junho deste ano,
pelo Dicastério para os Bispos sobre a diocese e desenvolvida por dois outros
bispos norte-americanos, a qual analisou o uso dos meios de comunicação social e
das redes sociais pelo bispo e assuntos relacionados com a administração
diocesana, nomeadamente a nível financeiro.
Monsenhor Strickland é usuário ávido das redes sociais, muito popular, mas polémico. Enfrentou críticas pelas suas fortes publicações nas redes sociais, entre elas um tweet, de 12 de maio, a declarar que rejeitava o “programa do Papa Francisco para minar o Depósito da Fé”.
Em concreto, tem sido particularmente crítico da tentativa da Igreja de ser mais recetiva à comunidade LGBTQIA+ e aos movimentos de Francisco para dar a leigos mais responsabilidade na Igreja, tal como se opôs ao caminho sinodal em curso.
Ao longo
destes 10 anos da sua liderança pastoral, a diocese vivenciou mudanças
significativas, incluindo a renúncia, em 2018, de três funcionários diocesanos,
decisão que o prelado afirmou, à época, que poria a diocese na melhor situação
possível para cumprir sua missão.
Todavia, o mandato
de monsenhor Strickland também coincidiu com sinais favoráveis de saúde
espiritual e administrativa em Tyler. Há, atualmente, 21 homens em formação
sacerdotal para um território de 119.168 católicos. A diocese está em boa
situação financeira, em parte devido à sua capacidade de arrecadar 99% da sua
meta de 2,3 milhões de dólares para o “Apelo do Bispo”, de 2021, seis meses antes
do previsto.
***
A reação não
se fez esperar. O bispo
auxiliar de Santa Maria em Astana, Athanasius Schneider, faz suas as
palavras de São Basílio: “A única acusação que agora, certamente, garantirá
punição severa é a de manter cuidadosamente as tradições dos Padres.” E, com
elas, sustenta que “a deposição do Bispo Joseph E. Strickland significa hoje um
dia negro para a Igreja Católica”.
“Assistimos a uma flagrante injustiça para com um bispo que cumpriu o seu
dever de pregar e de defender com parrésia a imutável fé e moral católica e de
promover a sacralidade da liturgia, especialmente no imemorial rito tradicional
da Missa”, aponta, referindo que “as acusações feitas contra ele são, em última
análise, insubstanciais e desproporcionais, tendo sido utilizadas como uma boa
oportunidade para silenciar uma incómoda voz profética dentro da Igreja”.
Repontando-se a tempos do período paleocristão, defende que “o que sucedeu
aos bispos, na crise ariana no século IV, que foram depostos e exilados apenas
porque pregavam, destemidamente, a fé católica tradicional, está a acontecer
novamente nos nossos dias”. Porém, “vários bispos que apoiam publicamente a
heresia, abusos litúrgicos, a ideologia de género e convidam abertamente os
seus sacerdotes a abençoar casais do mesmo sexo não são, de forma alguma,
incomodados ou sancionados pela Santa Sé”, acusa.
Prevê que monsenhor Strickland entrará na história como um “Atanásio da
Igreja nos Estados Unidos”, que, ao invés de Atanásio, “não é perseguido pelo
poder secular, mas incrivelmente pelo próprio Papa”. E lamenta que a “purga”
dos bispos, fiéis à imutável fé católica e à disciplina apostólica, que já dura
há algum tempo, tenha atingido, agora, uma fase decisiva.
Assim, roga que “o sacrifício que Nosso Senhor pediu ao Bispo Strickland dê
frutos espirituais abundantes para o tempo e para a eternidade”. E sugere que
monsenhor Strickland e outros bispos fiéis, que estão atualmente marginalizados,
ou os que serão os próximos na fila, digam, com toda a sinceridade, ao Papa
Francisco: “Santo Padre, por que nos persegue e nos bate? Tentamos fazer o que
todos os santos Papas nos pediram? Com amor fraterno oferecemos o sacrifício
deste tipo de perseguição e de exílio pela salvação da sua alma e pelo bom
estado da Santa Igreja Romana. Na verdade, somos os seus melhores amigos,
Santíssimo Padre!”
***
Os aludidos comentários de Strikland foram divulgados pelo
agora ex-bispo de Tyler a propósito de um vídeo difundido por Patrick Coffin, conhecido
comentador dos meio de comunicação católicos mais conservadores, em que dá
razões para concluir que Francisco usurpara o lugar e seria um antipapa - opinião
partilhada por Strikland que nunca a afirmou publicamente, preferindo a
acusação de que Francisco desenvolvia um programa para minar a tradição da
Igreja.
Em maio deste ano, era voz corrente que o bispo da diocese de
Tyler assumira, publicamente, que “chegou o tempo de dizer que rejeita o programa
do Papa Francisco” porque esse “programa” “está a minar o depósito da fé”, ou
seja, o que a tradição da Igreja Católica ensina.
Strickland comentava
um vídeo de Patrick Coffin no qual esta figura pública dos media católicos apresentava alegadas razões pelas
quais se poderia afirmar que o Papa Francisco usurpou o lugar e seria um
antipapa. Este é o tipo de ideias que meios fundamentalistas católicos
alimentam, especialmente nos EUA. O bispo de Tyler não ia tão longe,
reconhecendo que o Papa Francisco é mesmo o Papa, mas que enveredou por um
caminho que trai a tradição da Igreja.
Segundo Mike Lewis, autor de “Whwre Peter is”, um blogue
considerado pelo seu equilíbrio na cobertura da atualidade católica, este bispo,
por mais de uma vez, deu a entender que perfilhava estas opiniões, mas não
ousara afirmá-las publicamente.
Este membro
do episcopado dos EUA tem defendido teorias conspirativas sobre o vírus da
covid-19 e sobre as vacinas; subscreveu publicamente a pseudoteoria do roubo de
votos a Trump na última eleição presidencial e expressou concordância com um
vídeo que insultava o Papa, mas não afirmara nada disso em público. Com a
assunção da divergência de fundo com o Papa, Strickland “parece ter finalmente
cruzado a linha da oposição direta e explícita a Francisco e a sua autoridade
de ensino”, refere o blogger. Esta posição terá sido participada
à Nunciatura Apostólica no país, a qual reagiu mais tarde, tendo provocado o
processo que levou à destituição.
***
É certo que a Igreja deve ser o espaço da pluralidade e da
diversidade, mas sem prejudicar a unidade no essencial. É bom que se observe o
princípio corrente no tempo de Santo Agostinho, bispo de Hipona: “Roma locuta,
causa finita” (Tendo Roma falado, a questão fica resolvida). Com efeito, acima
de tudo está o Evangelho. E o Evangelho que resulta da verdadeira transmissão
apostólica, baseada nos ditos, nos feitos e nos eventos do Senhor, não se deixa
aprisionar pelas limitadas tradições humanas. Por isso, além da Escritura são
dignos de fé os ensinamentos dos antigos Padres da Igreja, dos concílios e do magistério
pontifício extraordinário. A Tradição, que sempre será o que era, supera a tradição,
que já não é o que era. É demasiado ousado acusar Francisco de antipapa ou de
herege. Ao invés, deve ser apreciado o seu sensus
fidei, o seu tacto pastoral e o seu impulso à renovação teológica.
Advirta-se que o dito ancestral rito da missa e dos
sacramentos invocado pelos ultraconservadores é pouco antigo, só remonta ao
Concílio de Trento; e muita da dita antiga doutrina é a fixada no Concílio de
Trento e no Concílio Vaticano I – importantes, mas limitados (o primeiro,
contra o protestantismo; o segundo, adiado sine
die, devido ao cenário internacional).
2023.11.12
– Louro de Carvalho
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