O presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte
(CCDR-N), António Cunha, a 23 de outubro, sem entrar “em detalhes técnicos”,
apontou como aposta a “criação de bacias de retenção para segurar a água” nos
períodos de pluviosidade intensa, cada vez mais frequente, devido às alterações
climáticas. O apelo foi dirigido, em especial, aos municípios que encontrem
soluções técnicas que permitam reter a água das chuvas.
António Cunha, discursando em Ponte de Lima, na sede da Comunidade
Intermunicipal (CIM) do Alto Minho, durante a cerimónia de homologação dos
contratos para reposição de equipamentos e de infraestruturas municipais de 50
municípios da região Norte, danificados pelas inundações de dezembro de 2022 e
de janeiro deste ano, disse que é o “momento para refletir” sobre aquelas
intempéries que, “certamente” voltarão a acontecer. “Temos de perceber que há
uma tendência que começa a manifestar-se, a ser percetível, de fenómenos
atmosféricos mais intensos, mais agudizados, mais concentrados num determinado
espaço temporal. Temos de ter formas de planeamento e projetos diferentes que
apelem mais à sustentabilidade para responder melhor às intempéries”, adiantou.
O presidente da CCDR-N alertou que o “verão tende a ser mais seco”, o que
implica “aprender a guardar a água que cai, que vem do céu”, devendo a aposta
traduzir-se em “lógicas integradas de sistemas armazenagem de água”. “Temos de
ter soluções de planeamento, seja através da criação de bacias de retenção,
[seja através de] espaços almofadas para evitar que o volume de água se perca.
Temos de encontrar mecanismos para que, em períodos agudos de pluviosidade, a
água entre nos sistemas de águas pluviais ou noutros sistemas de drenagem”, frisou.
O líder da CCDR-N adiantou que, no contexto do Norte 2030 e dos
investimentos que vão ser feitos, “a palavra sustentabilidade tem uma
centralidade maior”. “Há um apelo que tem, necessariamente, de ser feito a um
modo integrado de planear os nossos espaços por forma a fazermos uma melhor
gestão da água. No Minho, onde estamos, onde a água existe em abundância, esta
tem de passar a ser utilizada com maior parcimónia porque é um bem, como todos
vamos percebendo, cada vez mais escasso”, observou.
António Cunha referiu que “o conhecimento e as técnicas” melhoraram nos
últimos anos, mas defendeu que é necessário “continuar a evoluir nesta
questão”. “O modo como planeamos e projetamos o futuro, nomeadamente, nas obras
que fazemos para os nossos concidadãos, para serem fruídas por eles, têm de ser
obras que suportem o quadro de intempéries que, certamente, continuará
connosco, porque a natureza faz parte de nós e das nossas vidas”, alertou.
Por seu turno, a ministra da Coesão Territorial, Ana Abrunhosa, também presente
na cerimónia, homologou os contratos para reposição de equipamentos e
infraestruturas municipais em 50 municípios da região Norte, danificados pelas
referidas inundações. Nestes, a despesa dos danos considerados elegíveis
atingiu os 21 milhões de euros, comparticipando o Estado com 11 milhões de
euros. E o Ministério da Coesão Territorial também publicou avisos específicos
para apoiar as empresas afetadas, tendo-se candidatado 32 empresas para apoios
de quatro milhões de euros.
***
O
aproveitamento da água das chuvas não é inédito. Fala por si o caso das
açoteias (açoteia,
terraço no alto da casa a substituir o telhado – do Árabe “as-sotaihâ”,
diminutivo de “sataha”, terraço), que existem, por exemplo, em
casas do Algarve e que podem ter várias
utilizações, desde o aproveitamento de águas pluviais à seca de frutos ou à
utilização como espaço de lazer, conforme as conveniências.
Também
pertence à memória coletiva a cisterna ou algibe, um reservatório de águas pluviais, podendo
também ser abastecida com o degelo de neve.
Cisterna
vem do termo latino “cisterna”, mas
com estreita ligação a Cister (Cîteaux), primeiro mosteiro da
Ordem monástica cisterciense, ramo
da Ordem beneditina restaurada, que se iniciou, no século XI, na França, e se
estendeu a toda a Europa e a todo o Mundo. Estes monges foram os primeiros a
desenvolver processos de drenagem do solo e criaram locais para armazenamento
da água, sendo pioneiros neste quesito. Justa homenagem se lhes prestou, ao dar
o nome de cisterna a tal reservatório de água. Entretanto, a Bíblia hebraica fala
da cisterna onde os irmãos de José, roídos de inveja, o esconderam e torturaram,
andes de o venderem a mercadores egípcios.
O nome
“algibe” vem do termo árabe “al-jubb” (cisterna, poço) pelo termo castelhano
“aljibe”.
Na arquitetura
militar, a cisterna constituía-se como elemento essencial à sobrevivência
dos defensores num cerco, especialmente nas regiões de clima equatorial e
tropical atingidas pelos Europeus, a partir da etapa dos descobrimentos
marítimos. Hoje, é muito utilizada nas regiões de clima semiárido.
A cisterna é um depósito ou
reservatório, semelhante a uma caixa de água, que serve para captar, armazenar
e conservar a água, podendo ser água potável, água da chuva ou água
reutilizada. O modelo de cisterna de alvenaria precisa de ser enterrado no solo
e exige obras de engenharia. Há opções de cisterna compacta, em casas e
edifícios com menos espaço.
Já as casas romanas (mais ricos), bem como as etruscas e algumas
gregas eram dotadas do “impluvium” (implúvio) – situado no meio do “atrium”
(átrio ou vestíbulo), a zona anterior do edifício – que era um reservatório céu
aberto para armazenar a água da chuva. Para o “impluvium” caía a água pela
abertura feita na cobertura – o “compluvium” (complúvio), bem como a água que
escorria das quatro vertentes interiores da cobertura.
***
Entretanto,
a Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP) tem um conjunto de
indicações, que, se forem aplicadas a larga escala, vão ao encontro do repto do
presidente da CCDR-N. Diz a CAP, num guião de oito páginas, que “as charcas ou
pequenas barragens de aterro são massas de água parada ou de corrente muito
reduzida, de caráter permanente ou temporário, de tamanho superior a uma poça e
inferior a um lago”, com baixa profundidade, penetração total da luz na água,
com possibilidade de ocorrência de plantas em toda a área e ausência de
formação de ondas.
Considera que
algumas das espécies animais que se encontram nas charcas e em pequenas
barragens, como os anfíbios e as libélulas, se alimentam de insetos, ajudando a
controlar pragas agrícolas ou insetos vetores de doenças. É uma vantagem para
lá do armazenamento de água.
Por outro
lado, as zonas húmidas criadas pelas charcas e pelas pequenas barragens são
importantes locais de refúgio, de alimentação e de abeberamento para a fauna,
incluindo os morcegos que se alimentam de insetos e ajudam no controlo de
pragas agrícolas.
As charcas e
as pequenas barragens são reservas de água doce e podem servir para abeberamento
de animais selvagens e para abastecimento de bebedouros para a pecuária.
Reduzem o efeito das cheias, aumentam a humidade no solo em períodos secos,
purificam a água e contribuem para a recarga de aquíferos subterrâneos.
A construção
de charcas e de pequenas barragens requer autorização das competentes entidades,
nomeadamente a Agência Portuguesa de Ambiente (APA), o Instituto de Conservação
da Natureza e Florestas (ICNF) (zonas Rede Natura 2000) e a Comissão de
Coordenação e Desenvolvimento da Região (CCDR), quando aplicável. Para que
estas zonas húmidas artificiais promovam a biodiversidade, deve garantir-se
que, pelo menos, uma das margens tenha um declive suave, sem uma inclinação
acentuada (o mais plana possível), permitindo assim o acesso da fauna, e
assegurando que, pelo menos, 20% da margem não tem vegetação densa.
Quando as
margens das charcas forem muito íngremes (ou no caso de tanques) deverão ser construídas
escadas, rampas ou outras estruturas que permitam aos animais, que
inadvertidamente caiam, possam sair, evitando que se afoguem. E as margens das
charcas com revestimento para impermeabilização deverão ter terra, pedras e
vegetação, sempre que possível.
É conveniente
manter uma “ilha” de terra que não fique submersa na zona mais central da
charca ou barragem, permitindo o desenvolvimento de vegetação neste local, que
irá funcionar como local de refúgio e reprodução da fauna.
Para manter a
boa qualidade da água, o abeberamento do gado (sobretudo do bovino) deve ser
efetuado com bebedouros apropriados fora da área de inundação. E, se for
necessária a colocação de vedação para condicionar o acesso do gado à área
inundada, deve ter passagens apropriadas para a fauna e colocada entre 10 a 25
metros, após o limite máximo de inundação.
Para que charcas
e as pequenas barragens mantenham água no período mais seco, é conveniente
efetuar uma limpeza de sedimentos para evitar a sua colmatação (em média, uma
limpeza em cada sete anos, consoante a dimensão e a bacia hidrográfica).
Não deverão
ser introduzidos animais nem plantas, sobretudo espécies exóticas. Com o passar
do tempo, estes locais serão naturalmente colonizados por plantas e animais
nativos.
A CAP aborda
também o caso dos charcos de pequenas dimensões, sendo a dimensão ideal para um
charco de quatro a 40 metros quadrados, para manter água durante quatro meses.
Consoante a
dimensão do charco a construir e a textura do solo, poder-se-á optar por
escavar o terreno manualmente ou com recurso a uma escavadora.
A
profundidade máxima será de um metro e as margens deverão ter inclinação muito
suave (entre 5% a 10%). Se o terreno tiver uma toalha freática à superfície,
durante o inverno, ou se a estrutura do solo permitir uma fácil compactação,
não são necessários materiais de impermeabilização. E, se for necessário,
deve-se impermeabilizar a área com recurso a uma manta geotêxtil, seguida da
colocação e uma tela de policloreto de vinil
(PVC) ou de outro material impermeável e resistente.
É conveniente
colocar pedras para construir refúgios e, se possível (dependendo da dimensão
do charco), construir pequenas “ilhas” que não devem ficar submersas. E também
se podem colocar em redor do charco aglomerados de pedras ou lenha, para
funcionarem como refúgio para a fauna.
A colonização
das plantas e de animais deve ocorrer de forma natural, evitando a plantação
e/ou transplante, para evitar a propagação indevida de espécies invasoras
aquáticas. E, querendo fazer a plantação, deve usar-se plantas autóctones de
viveiros certificados com origem local.
***
Não há dúvida
de que a construção de charcas, de pequenas barragens e de charcos de pequenas
dimensões tem como vantagens o armazenamento de água, a contribuição para a
recarga de aquíferos subterrâneos, o controlo de pragas, a promoção e a garantia
da biodiversidade e a criação de zonas húmidas. A isto acresce a construção de
uma boa rede de pontos de água ou seja, estruturas
de armazenamento de água, de planos de água acessíveis e de pontos de tomada de
água, com funções de apoio ao reabastecimento dos equipamentos de luta contra
incêndios florestais, que se transformaram numa fonte de negócio.
Porém, o problema está nos custos (sobretudo para cobrir grandes áreas),
na falta de investimento, na falta de vontade, na incapacidade de contrariar
interesses instalados e na anarquia florestal que temos no país. Terão os poderes
políticos e a sociedade civil força para alterar a situação?
2023.11.05 –
Louro de Carvalho
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