quinta-feira, 30 de novembro de 2023

Nova lei só mantém equiparação do cigarro eletrónico ao convencional

 

A 29 de setembro, foi aprovada, a pós discussão na generalidade, a proposta de lei do governo para restrição do tabaco, pelo que baixou à Comissão de Saúde, para o debate e a aprovação na especialidade. O texto mereceu só os votos favoráveis do Partido Socialista (PS), mas com duas manifestações contra e 14 abstenções socialistas. O Chega, a Iniciativa Liberal (IL) e o Bloco de Esquerda (BE) votaram contra, enquanto o Partido Social Democrata (PSD), o Partido Comunista Português (PCP), o partido Pessoas, Animais e Natureza (PAN) e o Livre se abstiveram.

A proposta do governo equipara o tabaco tradicional ao aquecido, aperta o cerco à venda em máquinas automáticas e interdita o fumo ao ar livre junto de escolas, faculdades ou hospitais.

Na véspera, perante os jornalistas, na Assembleia da República (AR), o líder parlamentar do PS, Eurico Brilhante Dias, assegurou a aprovação na generalidade, apesar de haver liberdade de voto na sua bancada e alguns deputados socialistas se manifestarem contra.

Os partidos acusaram o executivo de tentar condicionar a liberdade dos Portugueses, através da nova lei do tabaco, com a deputada socialista Maria Antónia Almeida Santos a considerar que “não há razão para ir mais longe”. No debate parlamentar, as forças partidárias reconheceram os malefícios do tabaco para a saúde, mas criticaram as alterações propostas.

A AR rejeitou ainda os projetos de lei de PAN e do Chega sobre a alteração à rotulagem nos produtos de tabaco e à “Lei das Beatas”, com a maioria socialista a reprovar as duas iniciativas. Já o projeto de resolução do PAN, que recomenda a adoção de incentivos ao correto descarte e ao reaproveitamento das pontas de produtos de tabaco, foi aprovado com a abstenção do PS.

Da esquerda à direita, no debate parlamentar, foram várias as críticas à nova lei do tabaco, sobre a proposta de lei. Todos os partidos da oposição concordaram que a lei é “proibicionista” e que atenta contra a liberdade dos cidadãos. Também acusaram o governo de não garantir tratamento a quem pretende deixar de fumar. O PSD, a IL e o Chega mostraram-se preocupados com o “aumento do comércio ilícito” do tabaco, enquanto o governo garantia que a proposta “não é proibicionista”, mas “progressista”.

Com menor ou maior atenção ao tom do discurso e às palavras utilizadas, os vários partidos da oposição concordaram que a nova legislação é “proibicionista” e que está em causa uma cuzada ou “perseguição aos fumadores”, típica de um “Estado paternalista”. Também apontaram, de forma praticamente unânime, a ausência de medidas, na proposta de lei, ligadas ao tratamento da dependência de tabaco, salientando o número reduzido de consultas de cessação tabágica e de medicamentos comparticipados pelo Estado para quem pretende deixar de fumar.

“A nova lei tem um espírito proibicionista e vai além do que estava previsto na diretiva europeia”, afirmou Miguel Santos, do PSD, referindo-se à diretiva europeia de 29 de junho de 2022, que equipara o tabaco aquecido a outros produtos do tabaco e que Portugal pretende transpor para o território nacional. “A Europa quer regular, o PS quer proibir”, concordou André Ventura.

Na intervenção da IL, a cargo de Joana Cordeiro, a palavra que ressaltou foi “paternalismo”. “Esta proposta de lei prova que o governo encara os cidadãos portugueses como crianças irresponsáveis, sem capacidade para tomar decisões sem o paternalismo do Estado”. A proposta “não tem a ver com saúde pública”, mas com um “complexo sanitário feito com o paternalismo do Estado”. “Há aqui um proibicionismo excessivo. Todas as pessoas sabem que fumar tem consequências nefastas. Quem, ainda assim, fuma, é porque escolheu fazê-lo. Chama-se liberdade.” Por sua vez, Inês Sousa Real do PAN, pedindo “bom senso e proporcionalidade, sem soluções excessivas e abusivas”, salientou os impactos ambientais do tabaco. 

Também à esquerda, sobressaiu o “caminho proibicionista”, que “pode ter efeitos contrários ao que se pretende”, disse Isabel Pires, deputada do BE, e a “atitude de perseguição, estigmatização e culpabilização dos fumadores”, quando o importante é adotar “medidas robustas e eficazes”, nomeadamente na área da prevenção, defendeu João Dias, deputado do PCP. A deputada Isabel Pires sublinhou que as exigências, previstas na proposta de lei, a que têm de corresponder determinados estabelecimentos, como as prisões, para continuarem a ter espaços onde se pode fumar, “não são razoáveis”.

Por seu turno, Rui Tavares, do Livre, acusou o governo de estar a tentar criar uma sociedade “asséptica e sem dependências”, quando “todos temos o direito de gerir, em consciência, as nossas dependências”. E preconizou que não se menorize e não se infantilize o fumador.

Margarida Tavares, secretária de Estado da Promoção da Saúde, a quem coube apresentar a proposta de lei, com o ministro da Saúde, Manuel Pizarro, sentado ao seu lado, e responder aos pedidos de esclarecimento dos deputados, garantiu que a proposta “não é proibicionista”, mas sim “progressista”. “O que pretendemos é regular. Ao diminuir os locais onde se pode fumar e os postos de venda e ao equiparar os produtos de tabaco aquecido, mais aliciantes e aditivos, aos restantes produtos de tabaco, estamos a regular, a proteger as pessoas, sobretudo as crianças e jovens, e a tentar evitar que comecem a fumar.”

A oposição voltou a alinhar, quase a uma só voz, noutro tema, a inexistência de medidas na proposta de lei para reforçar o tratamento da dependência do tabaco. As consultas de cessação tabágica são insuficientes para as necessidades, o tempo de espera para consultas pode chegar a um ano e o tratamento é dificultado pela falta de medicamentos comparticipados pelo Estado.

“Não há medidas concretas efetivas de apoio a pessoas que fumam e querem deixar de fumar”, apontou Rui Cristina, do PSD. Isabel Pires, do BE, concordou: “Não há nada, nesta proposta, que garanta efetivamente a comparticipação de medicamentos e a realização de consultas de acordo com as necessidades. Sem isso, a proposta não passa de propaganda. Falha em demasiadas coisas. Não acompanhamos esta proposta de lei.”

Margarida Tavares contrapôs, lembrando que a quebra no número de consultas de cessação tabágica e no de locais de consultas se deveu à pandemia, e garantiu que a “recuperação” já começou. Quanto à comparticipação de medicamentos, é verdade que não existem atualmente no mercado fármacos comparticipados pelo Estado. “O governo está a fazer tudo para garantir a comparticipação, mas a própria indústria pode não estar disponível para negociar os preços”, admitiu, mas anunciou que vão ser realizadas mais campanhas de informação sobre os riscos do tabaco. “Fá-lo-emos, como é óbvio.”

Partidos como o PSD, o Chega e o PAN mostraram-se preocupados com o impacto económico da nova lei. Miguel Santos, do PSD, acusou o governo de ter desvalorizado “a pequena, mas relevante, indústria tabaqueira dos Açores e da Madeira”. André Ventura questionou sobre se o governo pretende indemnizar “as centenas de empresários que gastaram fortunas para garantir que se pudesse fumar nos seus espaços” e que, agora, com as medidas previstas na nova lei, terão de desfazer esse trabalho. A IL e o PAN vincaram que a proposta coloca em causa o investimento exigido aos comerciantes no passado.

Contudo, há um aspeto que apenas parece preocupar os partidos da direita: a possibilidade de a nova lei poder incentivar a venda ilegal de cigarros. Segundo Rui Cristina, do PSD, o fenómeno pode vir a verificar-se, sobretudo, nas regiões autónomas e no interior de Portugal, onde há menos locais de venda de tabaco comparativamente a outras regiões. “Temo que a redução de canais de compra legítimos possa levar ao desenvolvimento do comércio ilícito destes produtos e ao aumento do contrabando.” Joana Cordeiro, da IL, referiu não ter dúvidas de que tal vai acontecer, criando-se um “mercado negro promovido pelo próprio Estado, em que a saúde das pessoas não estará minimamente assegurada”. E André Ventura atirou: “O PS será o maior produtor do contrabando do tabaco na História do país.”

***

Já tinha caído, em maio, a proibição de venda de tabaco nas gasolineiras, segundo o ministro da Saúde, por falta de alternativa fora dos grandes centros. E a aprovação na especialidade deixou cair a proibição de venda nos cafés. Contudo, agendada que estava, para 30 de novembro, a aprovação final no plenário da AR, o governo ainda colocava a hipótese de proibir que se fumasse em esplanadas e que os restaurantes vendessem tabaco. Não obstante, propostas como a proibição do consumo de tabaco em todas as esplanadas e da venda em restaurantes e bares foram eliminadas, mantendo-se apenas a equiparação dos cigarros eletrónicos ao tabaco convencional.

A proposta do governo para a nova lei do tabaco apresentava várias alterações à legislação em vigor, mas só as medidas relativas à equiparação dos cigarros eletrónicos ao tabaco convencional foram aprovadas pelos deputados do grupo de trabalho da Comissão de Saúde responsável por discutir a proposta de lei na especialidade. Esta equiparação foi justificada, desde o início, com a necessidade de transpor para o território nacional uma diretiva europeia, processo que devia ter ficado concluído em outubro. “Transcrevemos a diretiva e tudo o que extravasava a diretiva caiu”, explicou a deputada Maria Antónia Almeida Santos, que integra o grupo de trabalho.

Estas medidas relacionadas com a equiparação dos cigarros eletrónicos com o tabaco tradicional foram aprovadas com os votos a favor do PS, do PSD e do PCP. A IL e o BE abstiveram-se e o Chega votou contra. Assim, os cigarros eletrónicos ficam submetidos às regras dos convencionais, no atinente à venda, publicidade, apresentação do produto e consumo. Assim, passa a ser proibida a venda de produtos de tabaco aquecido que contenham aromatizantes nos seus componentes, bem como a de produtos ou acessórios vendidos separadamente que “permitam modificar o odor ou o sabor dos produtos do tabaco em causa ou a intensidade do seu fumo”.

As embalagens de tabaco aquecido vão passar a apresentar advertências de saúde semelhantes às das embalagens de tabaco convencional.

Propostas como a proibição do consumo de tabaco em todas as esplanadas (bem como à porta de cafés e restaurantes) e da venda em restaurantes, bares, festivais de música e outros locais foram eliminadas. Também caiu a proibição de fumar ao ar livre, no perímetro de locais de acesso ao público em geral ou de uso coletivo, tais como hospitais e outros estabelecimentos de saúde, escolas, faculdades e transportes públicos também caiu, assim como a proibição da venda de tabaco em estabelecimentos localizados a menos de 300 metros das escolas e infantários.

A nova lei do tabaco não foi bem recebida pela AR, muito pelo contrário. Da esquerda à direita, foram vários os deputados que criticaram o diploma e, mesmo dentro do PS, o assunto não era consensual. E, na votação da generalidade, 16 deputados do PS não acompanhara a proposta de lei; o Chega, a IL e o BE votaram contra; o PSD, o PCP, o PAN e o Livre abstiveram-se.

Neste contexto de mal-estar, era de antever que o governo enfrentaria obstáculos na aprovação do diploma. Por isso, o grupo de trabalho focou-se nas alterações menos polémicas e, sobretudo, nas mais urgentes. A preocupação foi a de Portugal não ter processo por infração por ainda não ter transposto a diretiva. A aprovação pode evitar a multa. Não houve tempo para mais!

E uma lei audaz, que iria garantir uma geração sem vícios, a partir de 2040, e um trunfo para a saúde pública, cedeu aos interesses instalados (mal) e à liberdade (bem).

2023.11.29 – Louro de Carvalho

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