A 29 de setembro,
foi aprovada, a pós discussão na generalidade, a proposta de lei do governo
para restrição do tabaco, pelo que baixou à Comissão de Saúde, para o debate e
a aprovação na especialidade. O texto mereceu só os votos favoráveis do Partido
Socialista (PS), mas com duas manifestações contra e 14 abstenções socialistas.
O Chega, a Iniciativa Liberal (IL) e o Bloco de Esquerda (BE) votaram contra,
enquanto o Partido Social Democrata (PSD), o Partido Comunista Português (PCP),
o partido Pessoas, Animais e Natureza (PAN) e o Livre se abstiveram.
A
proposta do governo equipara o tabaco tradicional ao aquecido, aperta o cerco à
venda em máquinas automáticas e interdita o fumo ao ar livre junto de escolas,
faculdades ou hospitais.
Na
véspera, perante os jornalistas, na Assembleia da República (AR), o líder
parlamentar do PS, Eurico Brilhante Dias, assegurou a aprovação na generalidade,
apesar de haver liberdade de voto na sua bancada e alguns deputados socialistas
se manifestarem contra.
Os
partidos acusaram o executivo de tentar condicionar a liberdade dos
Portugueses, através da nova lei do tabaco, com a deputada socialista Maria
Antónia Almeida Santos a considerar que “não há razão para ir mais longe”. No
debate parlamentar, as forças partidárias reconheceram os malefícios do tabaco
para a saúde, mas criticaram as alterações propostas.
A AR rejeitou
ainda os projetos de lei de PAN e do Chega sobre a alteração à rotulagem nos
produtos de tabaco e à “Lei das Beatas”, com a maioria socialista a reprovar as
duas iniciativas. Já o projeto de resolução do PAN, que recomenda a adoção de
incentivos ao correto descarte e ao reaproveitamento das pontas de produtos de
tabaco, foi aprovado com a abstenção do PS.
Da esquerda à direita, no debate parlamentar, foram várias as críticas à
nova lei do tabaco, sobre a proposta de lei. Todos os partidos da oposição
concordaram que a lei é “proibicionista” e que atenta contra a liberdade dos
cidadãos. Também acusaram o governo de não garantir tratamento a quem pretende
deixar de fumar. O PSD, a IL e o Chega mostraram-se preocupados com o “aumento
do comércio ilícito” do tabaco, enquanto o governo garantia que a proposta “não
é proibicionista”, mas “progressista”.
Com menor ou maior atenção ao tom do discurso e às palavras utilizadas, os
vários partidos da oposição concordaram que a nova
legislação é “proibicionista” e que está em causa uma cuzada ou “perseguição
aos fumadores”, típica de um “Estado paternalista”. Também apontaram, de
forma praticamente unânime, a ausência
de medidas, na proposta de lei, ligadas
ao tratamento da dependência de tabaco, salientando o número reduzido de
consultas de cessação tabágica e de medicamentos comparticipados pelo Estado para
quem pretende deixar de fumar.
“A nova lei tem um espírito proibicionista e vai além do que estava
previsto na diretiva europeia”, afirmou Miguel
Santos, do PSD, referindo-se à diretiva europeia de 29 de junho de 2022,
que equipara o tabaco aquecido a outros produtos do tabaco e que Portugal
pretende transpor para o território nacional. “A Europa quer regular, o PS quer
proibir”, concordou André Ventura.
Na intervenção da IL, a
cargo de Joana Cordeiro, a palavra que
ressaltou foi “paternalismo”. “Esta proposta de lei prova que o governo encara
os cidadãos portugueses como crianças irresponsáveis, sem capacidade para tomar
decisões sem o paternalismo do Estado”. A proposta “não tem a ver com saúde pública”,
mas com um “complexo sanitário feito com o paternalismo do Estado”. “Há aqui um proibicionismo excessivo.
Todas as pessoas sabem que fumar tem consequências nefastas. Quem, ainda assim,
fuma, é porque escolheu fazê-lo. Chama-se liberdade.” Por sua vez, Inês Sousa Real do PAN, pedindo “bom senso e proporcionalidade,
sem soluções excessivas e abusivas”, salientou os impactos ambientais do
tabaco.
Também à esquerda, sobressaiu o “caminho proibicionista”, que “pode ter
efeitos contrários ao que se pretende”, disse Isabel Pires, deputada do BE, e a
“atitude de perseguição, estigmatização e culpabilização dos fumadores”, quando
o importante é adotar “medidas robustas e eficazes”, nomeadamente na área da
prevenção, defendeu João Dias, deputado do PCP. A deputada Isabel Pires
sublinhou que as exigências, previstas na proposta de lei, a que têm de
corresponder determinados estabelecimentos, como as prisões, para continuarem a
ter espaços onde se pode fumar, “não são razoáveis”.
Por seu turno, Rui Tavares, do
Livre, acusou o governo de estar a tentar criar uma sociedade “asséptica
e sem dependências”, quando “todos temos o direito de gerir, em consciência, as
nossas dependências”. E preconizou que não se menorize e não se infantilize o
fumador.
Margarida Tavares,
secretária de Estado da Promoção da Saúde, a quem
coube apresentar a proposta de lei, com o ministro da Saúde, Manuel Pizarro,
sentado ao seu lado, e responder aos pedidos de esclarecimento dos deputados,
garantiu que a proposta “não é proibicionista”, mas sim “progressista”. “O que
pretendemos é regular. Ao diminuir os locais onde se pode fumar e os postos de
venda e ao equiparar os produtos de tabaco aquecido, mais aliciantes e
aditivos, aos restantes produtos de tabaco, estamos a regular, a proteger as
pessoas, sobretudo as crianças e jovens, e a tentar evitar que comecem a
fumar.”
A oposição voltou a alinhar, quase a uma só voz, noutro tema, a
inexistência de medidas na proposta de lei para reforçar o tratamento da
dependência do tabaco. As consultas de cessação tabágica são insuficientes para
as necessidades, o tempo de espera para consultas pode chegar a um ano e o
tratamento é dificultado pela falta de medicamentos comparticipados pelo
Estado.
“Não há medidas concretas efetivas de apoio a pessoas que fumam e querem
deixar de fumar”, apontou Rui Cristina, do PSD. Isabel Pires, do BE, concordou:
“Não há nada, nesta proposta, que garanta efetivamente a comparticipação de
medicamentos e a realização de consultas de acordo com as necessidades. Sem
isso, a proposta não passa de propaganda. Falha em demasiadas coisas. Não acompanhamos
esta proposta de lei.”
Margarida Tavares contrapôs, lembrando que a quebra no número de consultas
de cessação tabágica e no de locais de consultas se deveu à pandemia, e
garantiu que a “recuperação” já começou. Quanto à comparticipação de
medicamentos, é verdade que não existem atualmente no mercado fármacos
comparticipados pelo Estado. “O governo está a fazer tudo para garantir a
comparticipação, mas a própria indústria pode não estar disponível para
negociar os preços”, admitiu, mas anunciou que vão ser realizadas mais
campanhas de informação sobre os riscos do tabaco. “Fá-lo-emos, como é óbvio.”
Partidos como o PSD, o Chega e o PAN mostraram-se preocupados com o impacto
económico da nova lei. Miguel Santos, do PSD, acusou o governo de ter
desvalorizado “a pequena, mas relevante, indústria tabaqueira dos Açores e da
Madeira”. André Ventura questionou sobre se o governo pretende indemnizar “as
centenas de empresários que gastaram fortunas para garantir que se pudesse
fumar nos seus espaços” e que, agora, com as medidas previstas na nova lei,
terão de desfazer esse trabalho. A IL e o PAN vincaram que a proposta coloca em
causa o investimento exigido aos comerciantes no passado.
Contudo, há um aspeto que apenas parece preocupar os partidos da direita: a
possibilidade de a nova lei poder incentivar a venda ilegal de cigarros. Segundo
Rui Cristina, do PSD, o fenómeno pode vir a verificar-se, sobretudo, nas
regiões autónomas e no interior de Portugal, onde há menos locais de venda de
tabaco comparativamente a outras regiões. “Temo que a redução de canais de
compra legítimos possa levar ao desenvolvimento do comércio ilícito destes
produtos e ao aumento do contrabando.” Joana Cordeiro, da IL, referiu não ter dúvidas
de que tal vai acontecer, criando-se um “mercado negro promovido pelo próprio
Estado, em que a saúde das pessoas não estará minimamente assegurada”. E André
Ventura atirou: “O PS será o maior produtor do contrabando do tabaco na História
do país.”
***
Já tinha caído, em maio, a proibição de venda
de tabaco nas gasolineiras, segundo o ministro da Saúde, por falta de
alternativa fora dos grandes centros. E a aprovação na especialidade deixou
cair a proibição de venda nos cafés. Contudo, agendada que estava, para 30 de
novembro, a aprovação final no plenário da AR, o governo ainda colocava a
hipótese de proibir que se fumasse em esplanadas e que os restaurantes
vendessem tabaco. Não
obstante, propostas como a proibição do consumo de tabaco em todas as esplanadas
e da venda em restaurantes e bares foram eliminadas, mantendo-se apenas a
equiparação dos cigarros eletrónicos ao tabaco convencional.
A proposta do governo para a nova lei do tabaco apresentava várias
alterações à legislação em vigor, mas só as medidas
relativas à equiparação dos cigarros eletrónicos ao tabaco convencional foram
aprovadas pelos deputados do grupo de trabalho da Comissão de Saúde responsável
por discutir a proposta de lei na especialidade. Esta equiparação foi
justificada, desde o início, com a necessidade de transpor para o território
nacional uma diretiva europeia, processo que devia ter ficado concluído em
outubro. “Transcrevemos a diretiva e tudo o que extravasava a diretiva
caiu”, explicou a deputada Maria Antónia
Almeida Santos, que integra o grupo de trabalho.
Estas medidas relacionadas com a equiparação dos cigarros eletrónicos com o
tabaco tradicional foram aprovadas com os votos a favor do
PS, do PSD e do PCP. A IL e o BE abstiveram-se e o Chega votou contra.
Assim, os cigarros eletrónicos ficam submetidos às regras dos convencionais, no
atinente à venda, publicidade, apresentação do produto e consumo. Assim, passa
a ser proibida a venda de produtos de tabaco aquecido que contenham
aromatizantes nos seus componentes, bem como a de produtos ou acessórios
vendidos separadamente que “permitam modificar o odor ou o sabor dos produtos
do tabaco em causa ou a intensidade do seu fumo”.
As embalagens de tabaco aquecido vão passar a apresentar advertências de
saúde semelhantes às das embalagens de tabaco convencional.
Propostas como a proibição do consumo de tabaco em todas as esplanadas (bem
como à porta de cafés e restaurantes) e da venda em restaurantes, bares,
festivais de música e outros locais foram eliminadas. Também caiu a proibição
de fumar ao ar livre, no perímetro de locais
de acesso ao público em geral ou de uso coletivo, tais como hospitais e outros
estabelecimentos de saúde, escolas, faculdades e transportes públicos também
caiu, assim como a proibição da venda de tabaco em estabelecimentos localizados
a menos de 300 metros das escolas e infantários.
A nova lei do tabaco não foi bem recebida pela AR, muito pelo contrário. Da
esquerda à direita, foram vários os deputados que criticaram o diploma e, mesmo
dentro do PS, o assunto não era consensual. E, na votação da generalidade, 16
deputados do PS não acompanhara a proposta de lei; o Chega, a IL e o BE votaram
contra; o PSD, o PCP, o PAN e o Livre abstiveram-se.
Neste contexto de mal-estar, era de antever que o governo enfrentaria
obstáculos na aprovação do diploma. Por isso, o grupo de trabalho focou-se nas
alterações menos polémicas e, sobretudo, nas mais urgentes. A preocupação foi a
de Portugal não ter processo por infração por ainda não ter transposto a
diretiva. A aprovação pode evitar a multa. Não houve tempo para mais!
E uma lei audaz, que iria garantir uma geração sem
vícios, a partir de 2040, e um trunfo para a saúde pública, cedeu aos
interesses instalados (mal) e à liberdade (bem).
2023.11.29 –
Louro de Carvalho
Sem comentários:
Enviar um comentário