A 1 de
novembro, o Sumo Pontífice Francisco, assinou e mandou publicar a Carta Apostólica
sob a forma de Motu Proprio “Ad
theologiam promovendam” (para promover a Teologia), que chancela a atualização
dos Estatutos da Pontifícia Academia de Teologia, chamando-a a “uma corajosa
revolução cultural” para, à luz da Revelação, ser profética e dialogante.
A Pontifícia
Academia de Teologia foi fundada por Clemente XI, em 1718, e
fomentada por Bento XIII, por Clemente XIV e por Gregório XVI, que
a dotou de estatutos, a 26 de outubro de 1838, tendo-os renovado São João Paulo
II, a 14 de setembro de 1998, com a Encíclica “Fides et ratio”.
O seu objetivo
é formar teólogos bem preparados e promover o diálogo entre a fé e a razão, seguindo
as indicações do Santo Padre, e apresentar a mensagem cristã de modo a atender
às necessidades do nosso tempo, para que a mensagem de Cristo seja
incorporada em toda a vida e cultura das pessoas. E, com a reorganização
da Cúria Romana pelo Papa Francisco, a partir de 5 de junho de 2022, conforme
previsto na constituição apostólica “Praedicate evangelium”, cabe ao Dicastério
para a Cultura e a Educação a responsabilidade da coordenação do trabalho desta
Academia com o seu próprio trabalho e o de vários outros corpos.
Na verdade, o
artigo 162 da “Praedicate evangelium” estabelece: “O Dicastério para a Cultura e a Educação coordena também as atividades
de determinadas Academias Pontifícias, algumas de antiga fundação, nas quais
são cooptadas as maiores personalidades internacionais das ciências teológicas
e humanistas, escolhidas de entre crentes e não crentes. Atualmente são: a
Pontifícia Insigne Academia de Belas Artes e Letras dos Virtuosos do Panteão; a
Pontifícia Academia Romana de Arqueologia; a Pontifícia Academia de Teologia; a
Pontifícia Academia de São Tomás; a Pontifícia Academia Mariana Internacional;
a Pontifícia Academia Cultorum Martyrum; e a Pontifícia Academia de Latinidade.”
Tiziana Campisi explica ao Vatican
News que “uma Igreja
sinodal, missionária e ‘em saída’ só pode corresponder a uma teologia ‘em saída’,
que interprete profeticamente o presente”, prevendo “novos itinerários para o
futuro, à luz da Revelação”. Foi nessa perspetiva que o Papa, com a “Ad theologiam promovendam”, decidiu
atualizar os estatutos da Pontifícia Academia de Teologia. Instituída
canonicamente por Clemente XI, a 23 de abril de 1718, pelo breve “Inscrutabili”, para “colocar a Teologia
a serviço da Igreja e do Mundo”, evoluiu ao longo dos anos como um “grupo de
estudiosos chamados a investigar e aprofundar temas teológicos de particular
relevância”.
Para o
Pontífice, é hora de revisitar as normas que regulam a suas atividades “para as
tornar mais adequadas à missão que o nosso tempo impõe à Teologia”. Na verdade,
abrindo-se ao Mundo e ao homem, “com os seus problemas, as suas feridas, os seus
desafios, as suas potencialidades”, a reflexão teológica deve abrir espaço para
“um repensar epistemológico e metodológico”, sendo, portanto, chamada a “uma
corajosa revolução cultural”. Como escreve o Santo Padre, o que é necessário é “uma
Teologia fundamentalmente contextual”, “capaz de ler e interpretar o Evangelho
nas condições em que os homens e as mulheres vivem diariamente, nos diferentes
ambientes geográficos, sociais e culturais”. É a doutrina construída mais no
meio do povo, e não tanto em gabinete ou laboratório – ideia recorrente em
Francisco, reiterada na carta que escreveu ao novo prefeito do Dicastério para
a Doutrina da Fé.
A Teologia
deve “desenvolver-se na cultura do diálogo e do encontro entre as diversas
tradições e os diversos saberes, entre as diversas confissões cristãs e as
diversas religiões”, especifica a Carta Apostólica, sustentando que deve
confrontar-se “abertamente com todos, crentes e não crentes”. “É a abordagem da
transdisciplinaridade”, especifica o Papa, que deve ser pensada – segundo a
Constituição Apostólica “Veritatis gaudium” – “como a colocação e a
fermentação de todo o conhecimento no espaço de Luz e Vida oferecido pela
Sabedoria que emana da Revelação de Deus”. Por isso, a Teologia deve “fazer uso
de novas categorias desenvolvidas por outras formas de conhecimento, a fim de
penetrar e comunicar as verdades da fé e transmitir o ensino de Jesus nas
linguagens de hoje, com originalidade e consciência crítica”.
Retoma-se,
aqui, muito do teor da “Veritatis gaudium”, constituição sobre as universidades
e faculdades pontifícias (não sobre as instituições católicas do ensino
superior), assinada por Francisco a 8 de dezembro de 2017 e promulgada a 29 de
janeiro de 2018, para atualizar
a Constituição Apostólica “Sapientia
christiana”, de 15 de abril de 1979, de São João Paulo II.
A
“Veritatis gaudium”, entre outros elementos
inovadores, acrescenta o ensino à distância e a frequência das universidades e
faculdades pontifícias por parte de migrantes e refugiados para os quais seria impossível a
apresentação das necessárias verificações académicas.
Depois, como
diz o Papa, há a contribuição que a Teologia pode dar “ao debate atual de ‘repensar
o pensamento’, mostrando ser um verdadeiro saber crítico, na medida em que é um
conhecimento sapiencial”, um saber que não deve ser abstrato e ideológico, mas
espiritual, “elaborado de joelhos, grávido de adoração e oração, transcendente
e, ao mesmo tempo, atento à voz do povo”. É uma “Teologia popular” que o Papa
deseja, “misericordiosamente dirigida às feridas abertas da humanidade e da criação
e dentro das dobras da História humana, para a qual profetiza a esperança de
uma realização final”. Na prática, para Francisco, a Teologia, como um todo,
deve assumir um “selo pastoral”, pelo que a reflexão teológica deve partir “dos
diferentes contextos e situações concretas em que os povos estão inseridos”,
pondo-se “ao serviço da evangelização”.
O bispo italiano
Antonio Staglianò, presidente da Pontifícia Academia de Teologia, diz que é uma
nova missão “promover, em todas as esferas do saber, o confronto e o diálogo
para alcançar e envolver todo o povo de Deus na pesquisa teológica, de modo que
a vida do povo possa tornar-se vida teologal”.
***
“A reflexão teológica é chamada a uma viragem, a uma mudança
de paradigma, a uma ‘corajosa revolução cultural’ que a comprometa, antes de
mais, com uma Teologia fundamentalmente contextual, capaz de ler e interpretar
o Evangelho nas condições em que os homens vivem quotidianamente, nos diversos
ambientes geográficos, sociais e culturais”. Este desafio do Papa Francisco à Pontifícia
Academia de Teologia, cujo texto oficial ainda só está disponível em Italiano,
no site da Santa Sé, tem um alcance e
um propósito que estão para lá da Academia. Com efeito, a uma Igreja sinodal,
missionária e ‘em saída’ só pode corresponder uma Teologia ‘em saída’, que não
se compadece com “uma Teologia de gabinete”, ciente de que “o que estamos a
viver não é simplesmente uma época de mudança, mas uma mudança de época”, como
o Papa não se cansa de sublinhar, desde o seu discurso à Cúria Romana, em 2013.
A Teologia de que a Igreja e a sociedade carecem hoje “é
impelida a não se fechar em si mesma, na autorreferencialidade que leva ao
isolamento e à insignificância, mas a ver-se inserida numa teia de relações,
antes de mais com outras disciplinas e outros saberes”. Por outro lado, é uma Teologia
que se foca na “abertura ao Mundo, às pessoas, na concretude da sua situação
existencial”, com os seus problemas, feridas, desafios e potencialidades.
A mudança de paradigma urgente na reflexão teológica postula
que esta se repense epistemológica e metodologicamente, o que, além da
valorização de um método mais indutivo, a partir dos contextos e condições de
vida, deve “desenvolver uma cultura de diálogo e encontro entre diferentes
tradições e diferentes saberes, entre diferentes confissões cristãs e
diferentes religiões, confrontando-se abertamente com todos, crentes e não
crentes”. E esse diálogo deve ocorrer também “no seio da comunidade eclesial”,
com a “consciência da essencial dimensão sinodal e comunitária do fazer
teológico”. É que, nota a carta apostólica, os teólogos não podem “deixar de
viver a fraternidade e a comunhão, em primeira pessoa, ao serviço da
evangelização, para chegar ao coração de todos”, devendo também promover “entre
eles a capacidade de escutar, dialogar, discernir e integrar a multiplicidade e
a variedade das instâncias e dos contributos”.
Na parte final da carta, o Papa reconhece como “necessária” a
atenção ao caráter científico da Teologia, mas sem “obscurecer a sua dimensão
sapiencial”. “A razão científica, explica, deve alargar os seus limites na
direção da sabedoria, para não se desumanizar e empobrecer”. Deste modo, a Teologia
[…] mostra-se “um verdadeiro saber crítico enquanto saber sapiencial, não abstrato
e ideológico, mas espiritual, elaborado de joelhos, prenhe de adoração e
oração; um saber transcendente e, ao mesmo tempo, atento à voz do povo,
portanto, uma teologia ‘popular’, que se dirige misericordiosamente às feridas
abertas da humanidade e da criação e no seio da História humana, para a qual
profetiza a esperança de um cumprimento último”.
***
A “revolução
cultural corajosa” que a Teologia católica deve experimentar, para ser “Teologia
fundamentalmente contextual”, deve ser guiada pela encarnação de Cristo no
tempo e no espaço, contrastando com a Teologia que se limita a “repropor,
abstratamente, fórmulas e esquemas do passado”, uma “Teologia administrativa”
de longa data. Em vez disso, é necessário que os estudos teológicos estejam
abertos ao Mundo, não como “atitude tática”, mas como um profundo “ponto de
inflexão” no seu método, que deve ser “indutivo”.
Francisco
enfatizou que esta revisão da Teologia de baixo para cima é necessária para
melhor ajudar a missão evangelizadora de uma “Igreja sinodal, missionária e em
saída”. Da mesma forma, esta abordagem dialógica pode permitir que a Teologia
“amplie as fronteiras” do raciocínio científico, permitindo-lhe superar
tendências desumanizantes.
Para alcançar
esta Teologia ‘extrovertida’, o Papa pede que a Teologia se torne
transdisciplinar, parte de uma teia de relações, antes de mais, com outras
disciplinas e com outros conhecimentos”. Este compromisso, escreveu, leva à árdua
tarefa de os teólogos fazerem uso de novas categorias desenvolvidas por outros
conhecimentos, para “penetrar e comunicar as verdades da fé e transmitir o
ensinamento de Jesus nas línguas de hoje, com originalidade e consciência
crítica.”
Francisco escreveu
que deve ser dada prioridade ao “conhecimento do ‘senso comum’ das pessoas”,
que descreveu como uma “fonte teológica na qual vivem muitas imagens de Deus,
muitas vezes não correspondendo ao rosto cristão de Deus, única e sempre de amor”.
E sustenta que este “selo pastoral” deve ser aposto a toda a Teologia católica.
Descrita como “Teologia popular”, a partir “dos diferentes contextos e
situações concretas em que as pessoas estão inseridas” e deixando-se “ser
seriamente desafiada pela realidade”, a reflexão teológica pode auxiliar no
discernimento dos “sinais dos tempos”.
“A Teologia
coloca-se ao serviço da evangelização da Igreja e da transmissão da fé, para
que a fé se torne cultura, isto é, o éthos sábio do povo de Deus, uma proposta
de beleza humana e humanizadora para todos”, escreveu o Sumo Pontífice.
Os estatutos põem,
agora, a Academia “ao serviço das instituições académicas dedicadas à Teologia
e de outros centros de desenvolvimento cultural e de conhecimento interessados
em chegar à pessoa humana no seu contexto de vida e de pensamento”. “O Papa
Francisco confia à nossa Pontifícia Academia uma nova missão: a de promover, em
todas as áreas do conhecimento, a discussão e o diálogo, a fim de alcançar e
envolver todo o povo de Deus na investigação teológica, para que a vida do povo
se torne vida teológica”, disse Antonio Stagliano.
Os estatutos
exigem que a Academia facilite a colaboração entre teólogos católicos e os de
outras confissões cristãs. A academia também se irá “ligar em rede com
universidades e centros de produção de cultura e pensamento” e explorar formas
“culturalmente qualificadas” de propor o Evangelho como um guia de vida, até
mesmo para ateus, um processo descrito, no comunicado de imprensa da Academia,
como “disseminação de sabedoria”.
Em harmonia
com “o magistério do Papa Francisco”, sob os novos estatutos, a academia vai
exercer um compromisso com a caridade intelectual, concentrando-se nas questões
e necessidades daqueles que vivem “nas periferias existenciais”.
Assim seja.
2023.11.04 – Louro de Carvalho
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