De 24 a 26 de novembro, no palácio presidencial de Cascais, decorreu a
primeira edição do Conclave Europeu, nova estratégia de encontro anual, lançada
pela EuropaNova e, neste ano, sob o alto patrocínio do Presidente da República
de Portugal. Evento transpartidário e transdisciplinar, reúne, em nome
individual, 50 personalidades influentes da União Europeia (UE).
“Todo o participante trouxe uma visão única, essencial para a construção de
uma Europa resiliente e inovador”, disse Guillaume Klossa, presidente executivo
da EuropaNova, ex-conselheiro do grupo de reflexão sobre o futuro da Europa
presidido por Felipe González, e iniciador do Conclave. O
objetivo é identificar os assuntos conexos com o horizonte 2040 que não são
fontes de prioridades europeias ou que são ainda insuficientemente
considerados. O Conclave constitui, assim, um marco na reflexão estratégica
sobre o futuro da Europa, para evitar que não seja replicada a atonia europeia
de 2014, na Ucrânia, ou, de 2019, com a covid-19, duas crises em que não estava
disponível uma política europeia suficientemente concreta. Por
outro lado, o evento é uma ocasião única para reunir alguns dos espíritos mais
brilhantes e influentes da Europa para, em conjunto, esboçarem os contornos de um
“futuro comum”, contribuindo para “identificar e resolver bem as questões
estratégias para uma Europa forte, unida e próspera no horizonte de 2040 nos
domínios geopolítico, tecnológico, democrático e dos bens comuns”.
Maria João
Rodrigues, membro do comité de organização, negociadora final da Estratégia de
Lisboa, do Tratado de Lisboa e do Pilar europeu dos direitos sociais, avançou:
“O Tratado de Lisboa e a Estratégia de Lisboa, dois marcos da História europeia
recente, foram preparados durante as reuniões na região de Lisboa. Portugal
continua a ser um país muito pró-europeu, e a região de Lisboa é uma fonte de
inspiração, sempre que são necessárias novas visões para o projeto europeu.”
O Conclave proporcionou aos
participantes uma reflexão, em ambiente sereno, com vista a elaborar um
conjunto de propostas estratégias concretas e essenciais para o futuro da
Europa. Como disse Daniela Schwarzer, “é muito fácil contar a história das crises
permanentes na UE”, mas a Europa tem ideias, inovação e disposição assentes em
bases económicas e democráticas sólidas. Assim, “devemos prevenir e combater as
crises, libertar a energia positiva e construir projetos de futuro para os
Europeus”.
No final do ano, os resultados do
Conclave serão publicados em relatório detalhado, com vista a contribuir para
debates antes das eleições europeias de junho de 2024 e fazer a agenda estratégia
da UE. E Guillaume Klossa esclareceu que a missão do Conclave é contribuir para
o debate no sentido de a Europa estar em melhor posição para antecipar os
grandes desafios que se perfilam, mais do que sofrê-los ou do que reagir, como
tem feito nos últimos 20 anos.
Na sessão de arranque, a conferência internacional
do Primeiro Conclave reuniu líderes de fora da UE – da América, da Ásia e da África – para partilharem as suas perspetivas
sobre a UE e oferecerem uma panorâmica global sobre os países europeus. Com efeito, o Conclave começou por
avaliar a posição e o papel da Europa no Mundo, numa abordagem de fora para
dentro, tida por necessária para identificar os desafios que os europeus
enfrentam. “O diálogo intercontinental é vital. Enriquece a nossa compreensão da
dinâmica mundial e deve reforçar a posição da Europa no mérito internacional”,
precisou Philippe Etienne, embaixador de França na Alemanha (2013-2017) e dos Estados Unidos da
América (EUA) (2019-2023) e antigo conselheiro diplomático do Presidente da
República francês.
Philippe Étienne abriu a primeira sessão. “O futuro da UE não pode ser
imaginado sem ouvir os nossos aliados e parceiros”, disse.
Maja Piscevic, vice-presidente do East West Institute e membro do Atlantic
Council, frisou que o alargamento é investimento geopolítico na segurança
europeia e que é preciso demonstrar os benefícios aos cidadãos. Na
insegurança geopolítica, a influência da Rússia nos Balcãs poderá
diminuir. A UE detém o potencial para a paz na região. As promessas
feitas aos Balcãs Ocidentais devem cumprir-se; a vontade de aderir à UE
persiste, mas pode não perdurar.
Anthony Gardner, antigo embaixador americano na UE, deixou claro: “Para os
EUA, e esta é uma opinião partilhada por ambos os lados do Congresso, a nossa
relação girará em torno do seguinte: a UE está connosco para enfrentar os
desafios colocados pela China.”
Pedro Miguel da Costa e Silva, embaixador brasileiro na UE, sublinhou:
“Aspiramos ter a UE como um parceiro de valores, um colaborador qualificado na
construção de consensos.”
Aart de Geus, antigo ministro dos Assuntos Sociais dos Países Baixos e
secretário adjunto da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), apresentou a segunda
sessão. “O sentimento em alguns países europeus pode não favorecer a
migração, mas é um desafio que deve ser gerido de forma justa”, insistiu.
Trisha Shetty, presidente do Comité Diretor do Fórum da Paz de Paris, disse
que a Europa é a maior democracia do Mundo e que democracia é reconhecer a
autonomia e a soberania de todos. Por isso, a UE deve ver os Indianos não
só como clientes, mas como cidadãos detentores de direitos. “As trocas com
a Índia devem prosseguir, mas num quadro de fair
play democrático.”
Rukia Bakari, Oficial Sénior de Programa do Instituto Gorée, recordou que a
UE é tida como antiquada e paternalista. É hora de mudar de abordagem e de
atitude, rumo à igualdade.”
Na sessão de encerramento por empresas, Jean-François
van Boxmeer, presidente do Conselho de Administração da Vodafone e presidente
da Mesa Redonda Europeia dos Industriais (ERT), referiu, no âmbito da dinâmica industrial, que, em 2000, a
China representava 5% da produção industrial mundial, enquanto os EUA e a UE se
mantinham estáveis em torno de 20% e 21%, respetivamente. Em 2023,
assistimos a uma transformação profunda: a quota da Europa diminuiu para 14,5%,
a dos EUA para 16,5%, enquanto a China avançou.
Em termos de lacunas críticas, apontou que não há um mercado único para
energia ou capital, quando “a dinâmica em evolução exige uma resposta
estratégica e colaborativa”.
Quanto à ação, disse que a Europa, conhecida pela sua sociedade de
bem-estar, precisa de base industrial sólida para financiar as suas aspirações,
pelo que urgem esforços concertados para revitalizar e reforçar as nossas
capacidades industriais”.
Olhando para 2040, vozes de diversas perspetivas ofereceram insights sobre o cenário em evolução que
moldará o futuro da UE.
Para Nadia Crisan, diretora executiva do Instituto Liechtenstein da Universidade
de Princeton, os acontecimentos que se desenrolarão nos EUA em 2024 influenciarão
os próximos quatro anos e deixarão duradoura marca no cenário global. “O
poder dos nossos valores partilhados torna-se o nosso farol em tempos de
mudança”, acentuou.
Jan Krzysztof Bielecki, economista, antigo primeiro-ministro da Polónia,
alertou: “Os riscos na Ucrânia são elevados. Se a Europa não conseguir
prevalecer, as ambições da Rússia poderão alargar-se ainda mais, representando
uma ameaça aos próprios valores que prezamos. O resultado na Ucrânia é
fundamental para a preservação dos nossos princípios partilhados.”
Stjepan Oreskovic, coproprietário do Grupo M+, preconizou: “Devemos
envolver-nos uns com os outros, promovendo o diálogo não apenas sobre questões atuais,
mas também sobre tecnologias emergentes que moldarão o nosso futuro coletivo.”
Oliver Röpke, presidente do Comité Económico e Social Europeu,
perguntou: “Ainda partilhamos o mesmo conceito de democracia na UE? A
inclusão é fundamental; não podemos comprometer os direitos
fundamentais. Vamos participar em debates sobre a construção de uma união
social e encontrar um terreno comum para garantir uma base democrática
resiliente e inclusiva.”
***
Os Balcãs têm o processo de
adesão à UE atrasado, porque não fizeram o trabalho de casa e a UE tem sido
negligente ou indecisa. A sérvia Maja
Piscevic, membro sénior do grupo de reflexão Atlantic Council, defende que, com
a invasão russa da Ucrânia, o alargamento passou a ser “um imperativo para a
UE, porque a segurança se tornou um novo paradigma”. Em entrevista ao Expresso, por ocasião do arranque do primeiro Conclave da organização EuropaNova,
apontou como o maior entrave à adesão do seu país de origem ao bloco
comunitário “a falta de vontade política para aplicar o Estado de Direito e a
democracia”. Belgrado tem dado sinais contraditórios a Bruxelas, quando
continua em cima da mesa a adesão da Sérvia à UE.
Os movimentos de afastamento e de reaproximação da
Rússia não ajudam a Sérvia, “nem ajudam a UE a considerá-la um membro credível”.
Neste caso, “há muito trabalho a fazer, o que inclui, ou deveria incluir, a
resolução da questão com o Kosovo”, destaca Piscevic.
Nos Balcãs Ocidentais, estão na fase de negociação quatro
países – Macedónia do Norte, Montenegro, Sérvia e Albânia –, enquanto a Bósnia-Herzegovina
é candidata desde 2022 e o potencial candidato Kosovo não é reconhecido por
cinco Estados-membros da UE (incluindo Espanha), nem pela Sérvia.
Se a Sérvia aderisse à UE em 2030, quando é suposto a
UE estar pronta para o alargamento, isso significaria começar ontem com as
reformas, com os cortes drásticos que têm de ocorrer e com as medidas contra a
corrupção e o crime organizado, além de questões bilaterais que têm de ser
resolvidas. Mas a Sérvia não tem estado alinhada com a política externa da UE. Há,
pois, muito trabalho a fazer pelos países dos Balcãs Ocidentais, se quiserem
aderir até 2030.
Belgrado ainda não decidiu se pode acreditar na UE e no seu compromisso com
o alargamento, na sua promessa de se preparar para ele. Ora, estas coisas já
deviam ter sido feitas há muito tempo – se não a 25 de fevereiro (após a
invasão russa da Ucrânia), então logo a seguir.
Segundo Volodymyr Zelensky,
a Rússia tudo fará para “garantir que um país dos Balcãs lute contra outro”. Porém,
Maja Piscevic não hipervaloriza esse
aviso, pois a discussão vem da há muito. É do interesse da Rússia manter este
tipo de situações. Por isso, a adesão deve ser resolvida, não só devido à
influência russa, mas também a uma séria crise de segurança na Europa. Os
Balcãs fazem parte da Europa, não da UE, mas fazem parte da Europa.
O exemplo da Croácia, membro da UE há 10 anos, não colhe, pois já passaram 20 desde a Cimeira de Salónica (que definiu a política
de alargamento), com promessas não cumpridas. A culpa é dos dois lados: dos
Balcãs e, em concreto, da Sérvia, que não fizeram o trabalho de casa, mas a UE tem
sido negligente ou indecisa. A Sérvia e outros países da região enfrentam
problemas graves, sobretudo nos domínios do Estado de Direito e dos princípios
da democracia, que são as fundações da UE. No entanto, quando lemos o relatório
anual, a linguagem mais forte fica-se pela referência a progressos limitados, eufemismo
da situação no terreno, que não ajuda.
***
A UE sabe que há problemas e tensões nos Balcãs,
incluindo o problema do Kosovo, cuja independência não é aceite por todos. Bem
pode a presidente da Comissão Europeia pregar a bondade da adesão da Ucrânia ou
dos Balcãs à UE, que a adesão não acontecerá enquanto a guerra não chegar ao
fim. O contrário é que seria de estranhar. Também os Balcãs não serão
integrados na UE, enquanto não resolverem os problemas de vizinhanças e não
forem todos considerados Estados soberanos. Assim, a UE faz o jogo do “empata”.
Quanto à democracia e aos direitos humanos, espera-se que as coisas evoluam
pela positiva. Mas isso é um risco. Há vários países da UE em que a democracia
regrediu e outros em que a UE impôs a troca da democracia pelos fundos europeus
(a Grécia, por exemplo). Triste sina, a de uma Europa que se diz fundada na
democracia!
2023.11.28 – Louro de Carvalho
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