A 24 de novembro, soube-se que o Ministério da Ciência,
Tecnologia e Ensino Superior (MCTES) decidira cancelar os protocolos de
cooperação celebrados com as universidades norte-americanas Carnegie Mellon University (CMU), MIT e University of
Texas at Austin, lançados, há 17 anos, para a internacionalização da ciência e da
tecnologia, nomeadamente através da formação de doutorandos e da investigação.
Terminando a 31 de dezembro, não seriam renovados.
A decisão foi comunicada pela presidente da Fundação
para a Ciência e Tecnologia (FCT) aos diretores portugueses dos programas, que
prepararam, entretanto, posição conjunta de desacordo. “Estes protocolos
tiveram e têm grande impacto no nosso sistema científico e também nas empresas.
O seu fim representa uma perda substancial para o país”, critica o diretor do
programa MIT-Portugal, Pedro Arezes.
Em relatório enviado, neste ano, à ministra Elvira Fortunato, a FCT aponta o “contributo significativo” que
tais parcerias deram para “a transformação da economia nacional, estimulando a
investigação e desenvolvimento (I&D) e a atividade económica em setores
tecnológicos” de alto valor acrescentado. E sustenta que os
protocolos com as três instituições americanas estimularam “uma cultura de
empreendedorismo altamente qualificado nas universidades portuguesas” e
proporcionaram a criação de emprego qualificado, “atraindo para Portugal
recursos humanos de reconhecido mérito internacional”.
Foi no âmbito destes protocolos de cooperação,
nomeadamente a parceria com a norte-americana de Carnegie Mellon University, que surgiram empresas tecnológicas como a
Feedzai, que atingiu o estatuto de unicórnio, ou a Mambu, Unbabel ou Venian,
que empregam, em conjunto, cerca de cinco mil engenheiros em Portugal.
“Estamos envolvidos numa grande transformação do ecossistema
digital em Portugal, com grande impacto na economia nacional. Não se poderia
ter escolhido pior momento do que este, em que assistimos a uma revolução na
Inteligência Artificial [IA], para pôr fim à parceria com a melhor universidade
do mundo nesta área”, lamenta Nuno Nunes, diretor do programa Carnegie
Mellon-Portugal.
Tanto Nuno Nunes como Pedro
Arezes criticam que a decisão tomada sem ter sido realizada nenhuma avaliação
independente ao custo-benefício destas parcerias para Portugal e contestam os números avançados, em junho, pelo
Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP). Na altura, tanto o CRUP como o Conselho dos
Laboratórios Associados, presidido por Elvira Fortunato, entregaram ao MCTES um
parecer desfavorável à continuidade dos programas, alegando que estes custaram
a Portugal, desde 2006, cerca de 310 milhões de euros, um terço dos quais nos
últimos cinco anos. “Não existem recursos para
financiar a ciência em Portugal e gastamos milhões a financiar universidades
americanas, com um retorno duvidoso para o país”, disse o então presidente do
CRUP, António Sousa Pereira. Ora, o parecer do CRUP não foi apoiado por
todos os reitores e há outro, de um conjunto de personalidades independentes,
da academia, dos laboratórios e das empresas, que defende a continuidade dos
projetos. Só que a ministra escondeu-o do debate público.
“As Parcerias Internacionais (PI) constituem um elemento basilar da
estrutura do orçamento da FCT, e a parte do orçamento dedicado às PI deve
manter no mínimo o mesmo grau de materialidade que no passado (5% do orçamento
da FCT)”, conclui o estudo.
O diretor do programa MIT-Portugal sustenta: “Os
valores apresentados não estão corretos e não podem ser medidos assim, já que
uma grande parte do investimento feito reverte para Portugal e para as empresas
portuguesas.” E defende uma “avaliação rigorosa das parcerias”.
Também Manuel
Heitor, ex-ministro da Ciência e Ensino Superior, não poupa nas críticas à decisão da sucessora: “Estas parcerias
estratégicas foram absolutamente decisivas para atrair e formar uma nova
geração de cientistas e de empreendedores em Portugal. O seu impacto em
Portugal e no Mundo tem sido reconhecido ao melhor nível internacional e o seu
cancelamento precipitado e sem uma avaliação séria só pode mostrar a arrogância
de não querer perceber a história recente do sucesso da ciência e formação
superior em Portugal.”
“Paroquial e mesquinho” – “a mais triste herança de uma ministra que nunca o
chegou a ser, num governo que não merecia chegar ao fim de vida, contrariando
tudo o que defendeu nos últimos anos” – disse o ex-ministro da Economia Pedro Siza
Vieira, voz recente e dura a juntar-se à contestação da decisão
ministerial, apoiada no argumento dos
custos. “Não consigo conformar-me com esta decisão. Este programa expôs cientistas portugueses às melhores práticas
mundiais; criou dinâmicas de aplicação de conhecimento a produtos orientados
para o mercado; e educou gerações de cientistas e engenheiros na noção de
empreendedorismo ligado à ciência”, escreveu o antigo governante, numa publicação
na rede social Linkedln.
“O mais triste nesta notícia é o argumento de que,
havendo pouco dinheiro para a ciência, não faz sentido financiar universidades
americanas. Este argumento é paroquial e
mesquinho e próprio de quem não percebe que a transformação da economia
portuguesa vem da valorização pelas empresas do investimento na educação e da
ciência. Foi o trabalho nas universidades americanas que permitiu a
portugueses adquirir os hábitos e o espírito que criaram algumas das mais
valiosas empresas portuguesas”, atirou o ex-governante: “Depois da
desvalorização do ecossistema tecnológico e do apagamento da ciência no
discurso político, esta notícia é a mais triste herança de uma ministra que
nunca o chegou a ser, num governo que não merecia chegar ao fim de vida contrariando
tudo o que defendeu nos últimos anos e enterrando o legado de Mariano Gago.”
“Que dizem o Ministro da Economia e o Primeiro-Ministro? Não
conseguem reverter esta decisão, que contraria tudo o que sempre defenderam?”,
questionou.
“Vale muito mais um investimento numa parceria com a CMU ou UT Austin
(University of Texas Austin) do que vale uma Web Summit. Mas, como somos um país
sem profundidade, o que é importante são as políticas que dão para a fotografia
hoje e não políticas de longo prazo”, disse sarcasticamente.
O cancelamento das parcerias com universidades
norte-americanas pelo MCTES é uma “decisão grave e injustificada”, que revela o “desnorte” do PS, declarou
Pedro Duarte, coordenador do Conselho Estratégico Nacional (CEN) do Partido
Social Democrata (PSD).
“O PSD considera esta decisão grave e injustificada. São parcerias que se têm revelado muitíssimo relevantes e com um
impacto muito positivo para a economia nacional, para o ecossistema de inovação
no país, para as empresas e para a própria academia e ciência nacionais.
É, portanto, surpreendente a todos os títulos”, referiu, acrescentando: É
injustificada esta posição, nem colhe o argumento da ministra do Ensino
Superior que é para permitir que o próximo governo tome a decisão, que, estando
o governo em gestão, não foi agora renovada estas parcerias.”
A decorrer desde 2006, as parcerias têm sido renovadas de cinco em cinco
anos, inclusive “por um governo na altura sob a tutela da troika, portanto com enormíssimas dificuldades
financeiras”, lembrou, insistindo: “Nem nesse momento de profunda gravidade, de
quase bancarrota nacional, se deixou de investir numa parceria que tem um
impacto gigantesco do ponto de vista do futuro do país no médio longo prazo,
naquilo que é a capacidade empreendedora, a capacidade inovadora e, portanto,
também na competitividade das empresas portuguesas.”
Entretanto, a 26 de novembro, em declarações à TSF, a ministra remeteu, por uma questão de “ética”, a decisão para
a renovação para o próximo governo. Frisou que “não terminou nenhum tipo de
parceria”. O que aconteceu é que os contratos terminavam no final de dezembro.
Foi até enviada “uma carta com os termos de um novo contrato a ser renegociado”.
O argumento não colhe. “Desde há cinco anos que se
sabia que era este o momento da renovação e, como é evidente, uma parceria
desta natureza, com esta relevância, não se deixa para o último mês para ser
negociado. Aquilo que, de facto, aconteceu é que houve uma decisão
de não renovação por parte deste governo socialista, sem se perceber porquê.
Contraria, aliás, o que foi deliberado no passado por muitos dirigentes e
governantes socialistas”, atacou Pedro Duarte, desafiando os candidatos à
liderança do Partido Socialista (PS) a tomarem posição.
Da sua parte, diz que, se o PSD for governo, quererá retificar
a situação, mas adverte que, neste tipo
parcerias tem de haver vontade dos dois lados.
***
A suposta decisão de encerrar estas parcerias está a ser alvo de críticas
severas, que vão de ex-ministros dos governos do PS a empreendedores.
Empresas como a Feedzai, um exemplo de sucesso no panorama tecnológico
português, atribuem a sua existência e crescimento a estas colaborações
internacionais. Encerrar estas parcerias numa altura de “orçamentos
expansionistas” não é apenas uma decisão financeira, mas uma escolha que
reflete uma visão limitada sobre o que Portugal pode e deve ser no cenário
internacional. É essencial não apenas manter, mas fortalecer e expandir estas
parcerias. Estamos perante uma oportunidade de reafirmar o nosso compromisso
com a inovação, a ciência e a tecnologia, no âmbito de um legado de Mariano
Gago, do PS, expandido pelo governo PSD/CDS e amplificado por Manuel Heitor, do
PS.
Elvira Fortunato cancelou os contratos da FCT com as referidas três
escolas americanas, mas, depois das críticas públicas de que foi alvo – de personalidades
como Nuno Sebastião, Pedro Siza Vieira e Carlos Oliveira e as iniciativas privadas
de empresários e académicos –, recuou e remeteu a decisão para o próximo governo.
Em declarações citadas pela TSF, considerou
que a decisão caberá ao próximo governo por uma questão “ética”. “O Ministério não terminou nenhum tipo de parceria com nenhuma
universidade americana. Aquilo que aconteceu é que o contrato que existia
terminava agora no final de dezembro”, disse, admitindo que foi enviada
“uma carta com os termos de um novo contrato a ser renegociado”, mas sem
divulgar os seus termos.
A ministra ignorou o parecer encomendado pelo Conselho Nacional da Ciência,
Tecnologia e Inovação (CNTI) a um grupo de personalidades como Maria Manuel
Mota, Isabel Furtado e João Barros, que defendia a continuidade destas
parcerias internacionais (PI). Foi entregue ao Conselho e à ministra em junho,
mas a governante deu instruções para o esconderem do escrutínio público.
E o grupo concluiu que as PI constituem um elemento basilar da estrutura do
orçamento da FCT, deve manter, no mínimo, o mesmo grau de materialidade que no
passado (5%); devem ser de número limitado a três ou quatro, da mesma ordem de
grandeza de valor ou do valor que garanta que as instituições parceiras
atribuam prioridade a Portugal e às suas obrigações nas PI; devem privilegiar
as áreas que constituem apostas certas (nomeadamente a digitalização, a manufatura
e a inteligência artificial), as áreas novas que equipem o país para os novos desafios
(nomeadamente o mar, as alterações climáticas, a degradação continuada dos
recursos naturais e a perda de biodiversidade) e as áreas alinhadas com a União
Europeia (UE) onde Portugal pode contribuir e desenvolver vantagens
comparativas para o futuro.
***
Concordando, neste aspeto, com Pedro Duarte, no atinente à relevância das
PI e à necessidade de se equacionar a renovação dos contratos meses antes do termo,
sou de opinião de que o governo, ainda na plenitude de funções, não pode ancorar-se
na ética, para transferir a responsabilidade para o vencedor das próximas eleições.
Nesse caso, não deveria ter decretado tantas medidas, como o fez. Ética também
é cumprir o dever de tomar as decisões pertinentes para o bem do país. Mesmo um
governo de gestão deve tomar as decisões necessárias aos negócios do Estado. E
não fica bem ao PS dar o dito por não dito nesta área.
2023.11.27 – Louro de Carvalho
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