O VII Dia
Mundial dos Pobres, assinalado a 19 de setembro, ficou servido pela liturgia do
33.º domingo do Tempo Comum no Ano, que recorda aos cristãos a responsabilidade
de serem, no tempo histórico em que vivemos, testemunhas conscientes, ativas e
comprometidas com o plano de salvação de Deus para os homens, sem exceção. É
com tal responsabilidade e em tal compromisso que devem preparar e aguardar –
em esperança ativa – a última vinda de Jesus.
O Evangelho (Mt 25,14-30) é um excerto do discurso
escatológico, com o tema da segunda vinda de Jesus e a definir a atitude com
que os discípulos a devem esperar e preparar. A catequese mateana tenta responder
às necessidades da sua comunidade cristã do final do século I, com os cristãos esquecidos
do entusiasmo inicial e cansados de esperar a segunda vinda de Cristo.
A parábola
em causa fala de um senhor que, antes de partir em viagem distribuiu talentos pelos
servos. Um talento era uma quantia considerável, pois correspondia a cerca de
36 quilos de prata e ao salário de cerca de três mil dias de trabalho de um
operário não qualificado.
Um senhor
partiu em viagem e deixou a “sua” fortuna nas mãos dos servos, não para que
dela se apoderassem, mas para que a administrassem da melhor maneira que soubessem.
Deixou cinco talentos a um, dois a outro e um a outro. Tendo regressado, chamou
os servos e pediu-lhes contas da sua gestão. Os dois primeiros tinham duplicado
o que receberam, lançando mão da habilidade e do esforço e correndo o risco de eventual
perda ou degradação. Ao invés, o terceiro, modelado pela preguiça e
condicionado pelo medo, que paralisa, tinha escondido cuidadosamente o talento
que lhe fora confiado, pois conhecia a exigência do senhor, que recolhe onde não
semeia. Não errou por ignorância, mas por incompetência. Os dois primeiros
servos foram louvados pelo senhor, ao passo que o terceiro foi duramente
criticado e condenado, por ser mau e preguiçoso.
A parábola,
tal como saiu da boca de Jesus, era uma parábola do Reino. O amo exigente seria
Deus, que reclama para Si a lealdade a toda a prova, não aceitando meias tintas
e situações de acomodação, de medo e de preguiça. Os servos a quem Ele confia
os valores do Reino devem acolher os seus dons e pô-los a render ao serviço do
Senhor e, por Ele, ao serviço de todos.
Nós não
somos proprietários absolutos dos dons de Deus, incluindo os bens materiais, mas
rendeiros e administradores. Por isso, não podemos fazer do que chamamos nosso
tudo aquilo que quisermos. Nunca podemos esquecer o destino universal dos bens,
nem a função social da propriedade. Com efeito, o que nos sobra é dos pobres,
bem como o que lhes falta. E não haveria pobres, se, em vez da avareza e da febre
do lucro, nos habituássemos à compartilha.
Assim, o
Reino, que é dos pobres, será a realidade onde estamos completamente
comprometidos ou, então, não estamos lá. Não nos é lícito olhar para trás ou
entrar em calculismos.
Entretanto,
Mateus pegou na parábola e situou-a no contexto da vinda do Senhor Jesus, no
final dos tempos. Ele, que subiu ao Céu, depois de nos confiar a totalidade do
dom de Deus, para que o ponhamos a render ao serviço do mesmo Deus e dos
irmãos, voltará para, com todo o poder que Lhe foi dado no Céu e na Terra (cf Mt 28,18), julgar os homens conforme o
comportamento que tiverem assumido durante a sua permanência em teletrabalho.
A vinda do
Senhor é uma certeza, mas o momento é incerto. Por isso, há que estar preparados.
Na versão mateana
da parábola, o senhor é Jesus que, antes de deixar este Mundo, entregou bens
consideráveis aos seus servos (os discípulos, que já não são servos, mas amigos
e irmãos). Os bens são os dons que Deus, através de Jesus, ofereceu aos homens
– a Palavra de Deus, os valores do Evangelho, o amor que se faz serviço aos
irmãos e que se dá até à morte, a partilha e o serviço, a misericórdia e a
fraternidade, os carismas e ministérios que ajudam a construir a comunidade do
Reino, a que se juntam – não tenhamos medo de o proclamar – os bens materiais.
Os
discípulos de Jesus são os depositários desses bens, não os donos. Porém, como depositários
destes bens, não podem escondê-los, enterrá-los, mas pô-los a render para Deus
e para a comunidade, sem medo paralisador e sem comodismo infrutífero.
Na
perspetiva da parábola, os bens que Jesus deixou aos discípulos têm de dar
frutos. Exemplos modelares da concretização deste desiderato são os dois servos
que mexeram com os bens, mostrando interesse, preocupando-se em não deixar
parados os dons do senhor e fizeram investimentos, sem se acomodarem e sem se
deixarem condicionar pela preguiça, pela rotina ou pelo medo. Ao mesmo tempo,
condena-se o servo que entregou intactos os bens que recebeu. Porque teve medo,
não correu riscos e caiu na apatia, deixando correr o marfim. Porém, não só não
tirou desses bens qualquer fruto, como impediu que os bens do senhor fossem
criadores de vida nova. Servo que assim proceda desperdiça os dons de Deus e
priva os irmãos, a Igreja e o Mundo dos frutos a que têm direito.
Com a
parábola, Mateus exorta a comunidade a estar alerta e vigilante, sem se deixar
vencer pelo comodismo e pela rotina. Esquecer os compromissos assumidos com
Jesus e com o Reino, alijar a responsabilidade, engavetar os dons de Deus,
aceitar que o Mundo se construa segundo valores que não são os de Jesus,
instalar-se na passividade e no comodismo, é trilhar o caminho da infidelidade a
Deus, aos irmãos, à Igreja e ao Mundo.
O discípulo
de Jesus deve esperar o Senhor de mãos erguidas e de olhos no Céu, mas não pode
viver alheado dos problemas do Mundo e preocupado em não se contaminar com as
coisas do Mundo. Espera o Senhor, envolvido e empenhado no Mundo, ocupado em
distribuir a todos os homens seus irmãos os bens de Deus e em construir o
Reino.
***
Na primeira
leitura (Pr 31,10-13.19-20.30-31),
surgem, pela figura da mulher virtuosa, alguns valores que asseguram a felicidade,
o êxito, a realização. O sábio propõe, sobretudo, os valores do trabalho, do compromisso,
da generosidade, do temor de Deus. Não são apenas valores da mulher virtuosa,
mas valores de que deve revestir-se o discípulo que deseja viver na fidelidade
ao desígnio de Deus e corresponder à missão que Deus lhe confiou.
O Livro dos Provérbios apresenta coleções
de ditos, sentenças, máximas e provérbios (“mashal”) onde se cristaliza o
resultado da reflexão e da experiência (sabedoria) de várias gerações de sábios
antigos (israelitas e não israelitas), com o objetivo de definir uma espécie de
ordem da sociedade que, apreendida e aceite pelo indivíduo, o levará à plena integração
no meio em que se está insere. Assim, poderá viver sem trauma nem sobressalto
que lhe destruam a harmonia interior e o incapacitem de dar o seu contributo à
comunidade. Ficará de posse da chave para viver em harmonia consigo e com os
outros, e assegurará vida feliz, tranquila e próspera.
O livro
intitula-se como Provérbios de Salomão
(Pr 1,1), o rei sábio, conhecido
pelos dotes de governação, pelos dons literários, pelas sentenças sábias, que
se tornou um padrão da tradição sapiencial. Contudo, a leitura atenta do livro
revela que estamos ante coleções de proveniência diversa, compostas em épocas
diversas. Alguns materiais serão do século X a.C. (época de Salomão, o que não
implica que venham do próprio Salomão); outros são mais recentes.
O trecho em
apreço aparece no final do livro. É literariamente um “poema alfabético” (a
primeira letra de cada verso segue a ordem das letras do alfabeto hebraico: a
primeira palavra do primeiro verso começa com a letra “Alef”, a primeira
palavra do segundo verso começa com a letra “Bet” e assim sucessivamente). O
tema é a mulher virtuosa. O livro terá servido de manual da formação de jovens que
frequentavam as escolas de sabedoria. E este poema, situado no final do livro, seria
a instrução final: antes de abandonar a escola e depois de haver assimilado os
ensinamentos dos sábios, o aluno era instruído acerca da eleição da esposa.
Na ótica dos
sábios de Israel, a mulher virtuosa é, antes de mais, a que gere bem a casa e
não deixa que nada falte. Ao verificar a boa ordem em que tudo avança, por ação
da esposa, o coração do marido descansa e confia. Depois, é a mulher diligente,
que trabalha a lã e o linho, para que os familiares tenham agasalhos
suficientes, e que se encarrega de todos os trabalhos domésticos. É, ainda, a
mulher de coração generoso, que tem piedade do infeliz e que partilha
generosamente o fruto do seu trabalho com o pobre que pede auxílio. É a mulher
que não se preocupa com a aparência, mas vive no temor do Senhor, isto é,
respeita os mandamentos, obedece a Javé, aceita com humildade e confiança a sua
vontade, os seus planos e os seus projetos.
Este retrato
da mulher está muito longe da noiva/esposa do Cântico dos Cânticos, que oferece ao amado a presença, o corpo e o
amor. O ideal de mulher aqui delineado é o da mãe de família que dirige com
eficiência, com dedicação e com empenho a sua casa e que é corresponsável com o
marido na administração da casa, dos bens e da propriedade.
Em Dia
Mundial dos Pobres, os crentes devem mergulhar nesta perícopa veterotestamentária
em que, a par de outras componentes, emergem a generosidade do coração e a
piedade pessoal, que geram a compaixão pelos infelizes e que levam a mulher,
porque mais atenta e mais sensível, a partilhar o fruto do seu trabalho com os
pobres.
***
Na segunda
leitura (1Ts 5,1-6), Paulo esclarece
que o importante não é saber quando virá o Senhor pela segunda vez, mas estar
atento e vigilante, vivendo de acordo com os ensinamentos de Jesus, testemunhando
o seu projeto, empenhando-se na construção ativa do Reino, ultrapassando um dos
problemas sérios para os Tessalonicenses: compreender os acontecimentos ligados
à parusia.
Acreditava-se
que o “dia do Senhor” – o do regresso de Jesus, no final dos tempos ou da intervenção
definitiva de Deus na História a derrotar os maus e a conduzir os bons à vida
plena – surgiria num espaço de tempo curto e que os membros da comunidade ainda
assistiriam ao triunfo final de Jesus. Porém, os dias passavam e,
provavelmente, faleceram membros da comunidade. Por isso, os Tessalonicenses
perguntavam qual será a sorte dos cristãos que morreram antes da segunda vinda
de Cristo e como poderão sair ao encontro de Cristo vitorioso e entrar com Ele
no Reino de Deus, se já estão mortos.
O apóstolo,
depois de ter respondido sumariamente a tais questões, aprofunda a sua reflexão
sobre o “dia em que o Senhor virá” e sobre a forma como os cristãos o devem
preparar.
Sobre a eventual
data do “dia do Senhor”, Paulo mostra-se convicto de que esse acontecimento se
dará proximamente, mas a data exata é desconhecida e imprevista. Por isso, os crentes
devem estar atentos para não serem surpreendidos. Para descrever a “surpresa de
Deus”, Paulo utiliza duas imagens significativas: Deus surpreende-nos como o
ladrão que chega de noite, quando ninguém está à espera; e Deus é como as dores
de parto que surgem de repente. Portanto, a vida cristã deve estar marcada pela
atitude de preparação e de vigilância.
Além da
data, o importante é que os cristãos vivam de forma coerente com a opção que
fizeram no Batismo. Os crentes têm de viver de maneira diferente dos não
crentes, pois os horizontes de uns e de outros são diferentes. Os não crentes,
vivendo mergulhados na noite e nas trevas, estão adormecidos, atordoam-se com a
bebida; vivendo no presente, andam despreocupados em relação ao futuro, de
olhos postos no horizonte terreno. Já os crentes são filhos da luz e do dia,
estão vigilantes, mantêm-se sóbrios; vivem de olhos postos no futuro, à espera
que chegue a vida verdadeira, plena, definitiva que Deus lhes oferece.
Na verdade,
a vida dos crentes é bela e significativa, porque está cheia de esperança. No
entanto, é preciso dar corpo à esperança, esperando, fiéis e vigilantes a
chegada do Senhor. Entretanto, têm de se munir da solicitude para que ninguém
fique para trás. O “dia em que o Senhor virá” envolve a presença e a participação
dos pobres, porque inaugura o Reino definitivo da comunhão.
2023.11.20 – Louro de Carvalho
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