O Presidente
da República (PR) esteve no Peso da Régua, cidade no distrito de Vila Real, a 9
e a 10 de junho, a presidir às comemorações do Dia de Portugal, de Camões e das
Comunidades Portuguesas, onde elogiou e reforçou a autoestima do país e, em particular,
do interior.
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Porém, em dias anteriores, esteve na República
da África do Sul, a celebrar, por
antecipação, a efeméride, em contacto direto com as comunidades portuguesas ali
residentes – no dia 5, na cidade do Cabo, e no dia 7, nas cidades de
Joanesburgo e de Pretória.
Nesta
deslocação, adiada de 2020, devido à covid-9, o PR fez-se acompanhar pelo
primeiro-ministro (PM) António Costa, em Joanesburgo e em Pretória, por membros
do governo e por um grupo de deputados à Assembleia da República, além do presidente
do Governo Regional da Madeira, do presidente da Câmara Municipal do Peso da
Régua e dos presidentes da Comunidade Intermunicipal do Douro e da Comissão
Organizadora do Dia de Portugal 2023.
O programa
incluiu uma visita às Forças Nacionais Destacadas (FND) na missão “Mar Aberto”,
na Cidade do Cabo, constituídas pelo navio de patrulha oceânico NRP Setúbal e
pelo submarino NRP Arpão. Acompanharam esta componente do programa a Ministra
da Defesa Nacional, o chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas e o chefe
do Estado-Maior da Armada.
Em
Joanesburgo, o chefe de Estado visitou a Universidade de Witwatersrand, avistou-se
com os estudantes de Língua Portuguesa, no âmbito do Departamento de Português
do Camões I.P. e fez uma visita simbólica ao Museu do Apartheid. Em Pretória, foi
recebido com honras militares no palácio presidencial “Union Buildings” e teve
um encontro com o seu homólogo sul-africano, o presidente Matamela Cyril Ramaphosa, a que se seguiu uma
conferência de imprensa conjunta e um almoço em honra da delegação portuguesa.
Ainda neste âmbito, prestou uma homenagem solene no santuário do Freedom Park.
O encontro
entre os chefes de Estado pretendeu reforçar os laços bilaterais entre Portugal
e a África do Sul, nas mais diversas dimensões, tendo constituído uma
oportunidade para abordar temas relevantes no plano multilateral. E o
presidente sul-africano aceitou o convite, que o PR português lhe fez, para
visitar Portugal, por ocasião das comemorações do cinquentenário do 25 de
Abril.
No Peso da Régua, o dia 9 foi, sobretudo, para as selfies, mas também se
realizou um cocktail e um concerto e uma sessão de fogo-de-artifício, em que o
PM, não podendo comparecer, devido a uma reunião com embaixadores, se fez
representar pelo ministro dos Negócios Estrangeiros.
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No discurso do 10 de Junho, o chefe de Estado deixou mensagens que os
comentadores tinham de ler como recado à maioria parlamentar absoluta que apoia
o atual governo, apesar de o supremo orador ter advertido que não ia falar da espuma dos dias, mas que o discurso que assinala o Dia
de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas seria dedicado “aos
interiores, às vezes, esquecidos”, do país.
O PR referiu as capacidades do Douro, “profundo, majestoso e monumental”,
para fazer “um retrato do Portugal que queremos”, num momento em que a tensão
política está no auge, mas em que, no costumeiro dizer presidencial, o governo
tem oportunidade única para relançar o país, com o muito dinheiro europeu e com
um arranjo parlamentar que permite estabilidade.
O discurso gravitou em torno do pedido de ambição nacional, que tem faltado. “Não podemos desistir nunca de criar mais
riqueza, mais igualdade, mais coesão, distribuindo essa riqueza com mais
justiça”, disse Marcelo
Rebelo de Sousa, vincando que Portugal continua a ser um país com
“mais pobreza do que riqueza, mais desigualdade do que igualdade, mais razões
para partir, às vezes, do que para ficar”.
Na verdade, depois de sondagem que dá conta da
profunda insatisfação que perpassa o país – pela falta de qualidade do serviço
público, pela falta de confiança dos cidadãos em muitas das instituições, pela
não chegada das vantagens do propalado crescimento económico às carteiras dos
cidadãos, pela magreza dos salários e pela excessiva carga fiscal – o
Presidente validou e reforçou o descontentamento: “Sejamos honestos para
connosco mesmos: assim tem sido, e
continua a ser, século após século.”
Fê-lo sem surpresa, para quem esteve atento, pois já
tinha dito aos jornalistas que se apercebera de que os Portugueses não querem
eleições, neste momento, mas querem a remodelação do governo e que ele não
mudou de opinião. Mais uma vez o PR está refém das sondagens e tentado a fazer
a avaliação da atividade do governo, substituindo-se ao juízo dos eleitores e
britando a regra dos prazos, sem que as instituições estejam a funcionar de
modo irregular, embora com problemas como cogumelos, que uma dissolução
parlamentar não iria resolver. Quando muito, outros rostos comporiam o cenário
parlamentar e governativo
Em todo o caso, o chefe de Estado procedeu a uma breve
revisitação histórica do país e evocou o Estado Novo, a que chamou “aquelas
eras, que não distam assim tanto de nós, em que as finanças estavam certas, mas
a liberdade, a saúde, a educação, a segurança social, ou não existiam ou eram
para um punhado de privilegiados”. E transpôs essa evocação para a atualidade: “Tudo isto foi e, às vezes, ainda é verdade.”
O aviso ficou: ter “contas certas” não é tudo, ou não é nada, se não for
sentido na vida do dia a dia.
Todavia, é de questionar o Presidente da República se
pretende que o governo se desalinhe das normas da União Europeia (UE) ou ignore
as leis do mercado, aspetos em que tanto insistia o seu antecessor, ou pensa
deixar tais quesitos para um futuro governo, mais alinhado com o neoliberalismo
europeu, que pretende menos Estado, mas melhor Estado, o que injete dinheiro
público, não sobre os problemas do povo, mas sobre as grandes empresas.
“De que nos serve termos
influência mundial, se, entre portas, sempre tivemos e temos problemas por
resolver?” Esta interrogação formulada por um partido de esquerda soaria a
demagogia e, num partido de direita, seria a crítica aos atuais “agentes do
governo” no exterior. Porém, na voz presidencial, marca a hora de fazer “um futuro diferente e muito melhor do que o
presente”.
Concordo que o PR tenha puxado pela autoestima
nacional, com referência à Língua Portuguesa, “a quinta mais falada no Mundo, a
segunda mais falada no hemisfério sul”, às Forças Armadas – “destacadas em
missões de paz” pelo Mundo, “sendo as mais pedidas e louvadas de todas” – e com
referência ao “eleito e reeleito por aclamação de quase 200 estados”
secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres. Todavia, essas prestações
na cena internacional nem são incompatíveis com a necessidade de relançar o
país, nem devem ser vedadas, por haver deficiências e problemas no país. Louvemos
os nacionais que trabalham no exterior e os que pontificam nos areópagos
internacionais, mas perguntemo-nos por que motivo deixaram alguns de servir o
país, cá dentro.
Não obstante, é de relevar o apelo do Douro que
Marcelo deixou ao país e aos poderes: “pegarmos no impossível, tentarmos uma
vez, cem vezes, mil vezes, falharmos
mais do que acertarmos, termos tantas, mas tantas, tentações de
desistirmos, mas não desistirmos, começarmos
de novo.”
E como o cenário era o Douro vinhateiro, não faltou a
metáfora apropriada: é preciso “darmos novo viço ao que disso precisar –
plantar, semear, podar, cortar
ramos mortos que atingem a árvore toda”. Porém, o Douro é muito mais do
que isso. O Douro arroteou terrenos, fez socalcos, comercializou o produto de
que fez o seu ex-libris e meteu o comboio por sítios onde não cabia o diabo. No
entanto, a grande empreendedora do Douro Antónia Adelaide Ferreira (a
Ferreirinha) conseguiu riqueza, tratou bem os trabalhadores, socorreu os mais necessitados
e resistiu à grande crise do Douro – a filoxera, que destruiu muitas vinhas (ficaram
conhecidas como os mortórios as vinhas abandonadas, agora plantadas de
oliveiras, de amendoeiras e de pessegueiros) – com os resistentes pés de
videira, americanos, os cavalos, para enxertar as castas autóctones. Alargou a
zona do vinho do Douro e, para não dispensar trabalhadores mandou murar a
quinta do Vesúvio.
E, além da poda, cortam-se os ramos secos (por
inúteis), os doentes (por contaminarem), mas os ramos mortos caem por si. O
problema é quando o mal está na raiz!
O PR falou do festejo no Peso da Régua – cidade que “nunca
foi capital de distrito nem de diocese” (apesar de o ter merecido há muito
tempo, é um das novas cidades, recordo, e está só 12km de uma cidade episcopal,
Lamego) – como forma de celebrar, “ao mesmo tempo, em 19 municípios do Centro e
do Norte”, que têm o Douro em comum, “num ano em que são todos eles, e não um,
como é habitual, cidade europeia do vinho.” Escusava, porém, de pluralizar, de
modo popularucho, os nomes de cidades. Bastaria dizer, por exemplo: que o Peso
da Régua e os pesos dos nossos interiores sejam tão importantes como os das
outras cidades, as do litoral.
Porém, correspondeu ao que o enólogo João Nicolau de
Almeida, escolhido para presidir às comemorações, tinha dito, ou seja, que o
Douro enfrenta o desafio da “forte desertificação do interior”, que gera “falta
de mão-de-obra e escassez de massa crítica”, pelo que fez o o pedido de
“urgente adaptação das leis à atualidade”. E Marcelo pediu universalidade, solidariedade e união para “ultrapassar egoísmos”, e que, olhando
para dentro, o país possa projetar-se lá fora, cumprindo “o nosso desígnio nacional”.
Depois, lembrou: “Nós nascemos diferentes, uma pátria improvável, feita a pulso, contra o
vento, muito cedo universal, chamada ou condenada a ser mais importante lá fora
do que cá dentro.”
E porfiou; “Não queremos nunca cometer o erro de
trocar a nossa vocação, que nos fez maiores e diferentes, pela ilusão de que
sermos felizes é deixarmos de ser o que nos marcou há séculos.”
Porém, advertiu: “Que isso não seja álibi para não
sermos mais fortes e mais justos cá dentro. […] Só se não quisermos, é que o nosso Portugal não será eterno.”
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A seguir aos discursos, seguiu-se o imponente desfile
militar (tropas apeadas e autotransportadas, viaturas e meios aéreos), o almoço
e um concerto em que o PR condecorou três bandas militares.
O ministro das Infraestruturas, João Galamba, que
tinha sido vaiado à chegada, manifestou-se “confiante” no seu trabalho, ao ser
questionado pelos jornalistas sobre a razão da sua presença nas comemorações.
Referiu o seu papel na eletrificação da Linha do Douro, entre Marco de
Canaveses e o Peso da Régua, e na projeção da eletrificação até ao Pocinho.
E interpelado sobre se não devia facilitar a vida ao
PM, respondeu, demitindo-se: “Facilitar a vida ao primeiro-ministro é fazer o
meu trabalho, que é o que tenciono fazer.”
Por outro lado, com exceção dos professores, que levaram
à Régua uma delegação liderada por Francisco Gonçalves, secretário-geral
adjunto da FENPROF, e que
assobiaram e exigiam “respeito”, António Costa, que, no dia 10, participou nas
cerimónias, foi bem recebido, mas, como é habitual, não nos mesmos níveis de
entusiasmo dispensados a Marcelo Rebelo de Sousa.
Quanto aos protestos dos professores, considerou-os
injustos, mas lícitos em democracia.
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Enfim, num dia de festa nacional, em que se lançam
bases de reflexão sobre o presente e sobre o futuro de um país periférico e
assimétrico, a questão lançada pelos formadores da opinião pública é se Galamba
sai ou não do elenco governamental. Que pobreza! Eu também queria que o
ministro fosse outro, mas isso não é o mais importante. Não diz a verdade toda.
Qual é o político que tem uma relação serena e total com a verdade?
2023.06.10
– Louro de Carvalho
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