O
Professor Doutor Fernando Araújo, diretor executivo do Serviço Nacional de
Saúde (SNS), em recente entrevista ao Expresso, considera muito
importante a legislação sobre as Unidades de
Saúde Familiar do modelo B (USF-B), o que permite a remuneração de acordo com o
cumprimento de objetivos, pelo que entende que, passados estes anos, vale a
pena revisitá-la. Todavia, o seu obstinado empenho foca-se na desburocratização
dos cuidados de saúde primários (CSP), para o que está a avançar com um conjunto
de medidas tidas por necessárias à melhoria da resposta na assistência em saúde.
Fernando
Araújo é o primeiro líder da direção executiva do SNS, I. P., prevista no
estatuto do SNS, aprovado no início de agosto de 2022, e cujo objetivo é o
reforço do papel de coordenação operacional das respostas assistenciais.
Já depois de
pedir a demissão do cargo de ministra da Saúde, Marta Temido explicou, em
conferência de imprensa, a 8 de setembro, no final do Conselho de Ministros,
onde foi aprovada a sua orgânica, que a direção executiva do SNS visa responder
à necessidade de uma melhor coordenação operacional das respostas assistenciais,
que se detetou no combate à pandemia. E disse que a nomeação do líder da
direção executiva, que será composta também pelo conselho de gestão, pelo conselho
estratégico, pela assembleia de gestores e pelo fiscal único, deveria ser feita
por resolução de Conselho do Ministros.
Este médico
especialista exerceu medicina no Centro Hospitalar Universitário São João (CHUSJ),
no Porto, até chegar ao cargo de presidente daquele centro hospitalar, onde se
notabilizou como diretor do serviço de imuno-hemoterapia e do Centro de
Medicina Laboratorial (de 2012 a 2015), mas sem esconder o gosto pela área da
gestão. E assumiu o cargo de diretor executivo do SNS, pelo
período de três anos, num governo com maioria absoluta do Partido Socialista (PS)
e quando o executivo de António Costa vivia um ambiente de atrito diário com os
profissionais de saúde e com entidades ligadas ao setor, nomeadamente devido a
encerramentos de serviços de urgência, nomeadamente blocos de partos, ou à falta
de profissionais para assegurar escalas.
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Em relação às USF, é de recordar que foi o Decreto-Lei n.º 298/2007, de 22 de agosto, que estabeleceu
o regime jurídico da sua organização e funcionamento, definindo-as como as
unidades elementares de prestação de cuidados de saúde, individuais e
familiares, que assentam em equipas multiprofissionais, constituídas por
médicos, por enfermeiros e por pessoal administrativo, e que podem ser
organizadas em três modelos de desenvolvimento, A, B e C, diferenciados entre
si pelo grau de autonomia organizacional, pelo modelo retributivo e de
incentivos aos profissionais, pelo modelo de financiamento e pelo respetivo
estatuto jurídico.
Decorridos nove anos da vigência desse decreto-lei, introduziram-se,
com o Decreto-Lei n.º 73/2017, de 21 de junho, alterações que têm em vista
clarificar o regime de extinção das USF, sempre que esteja em causa o
incumprimento sucessivo e reiterado da carta de compromisso, o que representa
uma importante inovação, na medida em que permite às entidades competentes um
controlo mais claro e eficaz do processo, com relevante impacto na qualidade
dos serviços prestados. Por outro lado, procedeu-se à alteração das condições e
dos critérios de atribuição e da forma de pagamento dos incentivos financeiros
aos enfermeiros e aos assistentes técnicos.
Além disso, os preditos decretos-leis estabeleceram que
a lista de critérios e a metodologia de classificação das USF em três modelos
de desenvolvimento são aprovados por despacho do membro do governo responsável
pela área da saúde, mediante prévia participação das organizações profissionais.
Nestes termos, na sequência do Despacho n.º 24101/2007,
de 22 de outubro, cujo anexo especifica a lista de critérios e a metodologia que permitem
classificar as USF em três modelos de desenvolvimento – A, B e C –, ficou
determinado pelo Despacho n.º 141/2023,
de 4 de janeiro, que, até 30 de junho de 2023,
transitam para o modelo B as 28 unidades cujo processo específico de avaliação
se encontra completo e que cumprem os requisitos estabelecidos naquele despacho,
tal como se procede à revisão do modelo de pagamento pelo desempenho para as
USF de modelo B, em função dos ganhos contínuos de eficiência na gestão dos
recursos públicos, promovendo a otimização da utilização dos meios disponíveis,
com vista à melhoria da prestação de serviço aos utentes. E o Despacho
n.º 1738/2023, de 3 de fevereiro, aprova a transição para o modelo B de mais 23
unidades de saúde familiar, com efeitos a 1 de fevereiro de 2023, observando as
disposições legais em vigor, em matéria de despesa e de assunção de
compromissos.
Não se sabe quais os moldes em que prosseguirá
a revisitação à legislação sobre as USF que Fernando Araújo prevê.
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Já, quanto às medidas de desburocratização preconizadas pelo diretor
executivo do SNS, o elenco gizado para este ano é ambicioso, mas necessário.
A primeira de todas as medidas em causa era a autodeclaração de doença para
três dias, que já foi implementada. Com efeito a situação anterior, a de todas
as declarações de baixa médica ter de ser declarada pelo médico das USF “representava
quase 700 mil consultas por ano”.
Uma segunda medida tornará possível adquirir baixas nos serviços de
urgência, algo que estava vedado por lei. Presentemente, está em circuito
legislativo um diploma que visa permitir que os hospitais emitam baixas médicas,
de modo a evitar que, por exemplo, uma pessoa parta uma perna, vá para casa, e
tenha de ir ao médico de família para lhe ser passar a baixa. Além disso, será
possível obter baixas médicas no setor privado, o que também estava vedado. Os
doentes iam ao médico privado e, depois, deslocavam-se ao médico de família,
para a emissão da baixa.
Refere o diretor-executivo do SNS que se trata de lista que tinha há 15
anos, quando integrava a Administração Regional de Saúde do Norte (ARS-N). “Hoje
mantém-se igual. As pessoas falavam, mas depois nada acontecia”, reconhece.
Uma outra medida é alargar, para três meses, algumas baixas médicas, para
doenças como cancros, quando se prevê que o paciente não estará apto a
trabalhar passado um mês. O objetivo é que os doentes não tenham de ir, todos
os meses, ao médico de família renovar a baixa. Ao mesmo tempo está em marcha a
decisão de agilizar a passagem de certificados médicos para obtenção de cartas
de condução.
No mês de julho iniciar-se-ão dois projetos-piloto em duas Unidades Locais
de Saúde (ULS), a de Matosinhos e a do Alto Minho. Em vez de o doente ir ao
médico de família, haverá, nas ULS, espaço para esse fim. O doente agenda, faz
o exame oftalmológico e leva consigo o certificado.
Promete, ainda, duas medidas diretamente relacionadas com as farmácias.
Neste sentido, contra “a mania de infernizar com papéis”, quer abolir o uso
do papel para as receitas médicas, o que é possível, porque “a rede de
farmácias tem uma enorme capilaridade no país”. Assim, uma das medidas, a
lançar em agosto ou e setembro, diz respeito à medicação crónica e consiste no seguinte:
“se o médico de família assinalar uma determinada medicação como crónica, para
uma doença como a diabetes ou a hipertensão, por exemplo”, o doente não precisará
de ir, todos os meses ou a cada três meses, ao médico buscar receitas, pois a
farmácia, que terá acesso ao histórico de saúde do doente, “pode dar-lhe o
número de caixas adequadas para aquele mês, perto de casa” e até na mesma rua.
Em princípio, a receita valerá pelo período de um ano, mas o médico pode
suspendê-la em qualquer altura. Isso “permitirá reduzir o número de idas ao
médico de família”, bem como o número de consultas ocupadas para tal fim.
A última medida, que Fernando Araújo, também considera inovadora, a
implementar já no próximo inverno, é as farmácias poderem vacinar as pessoas
com mais de 65 anos com a vacina da gripe e da covid, em conjunto com os
centros de saúde. Ou seja, o SNS terá as farmácias como pontos de vacinação, a
par das USF. Utentes com idades a partir daquela idade não precisarão de
receita médica, nem de ir ao médico de família; apenas apresentarão o cartão de
cidadão.
Ao óbice de que isso implica formação adequada, o
entrevistado respondeu que muitas farmácias já o fizeram com a vacina da gripe. Todavia, há uma formação ministrada pela Ordem
dos Farmacêuticos. Além disso, a farmácia “terá acesso ao histórico de vacinas
do utente”.
Questionado sobre quais destas medidas serão
implementadas neste ano, Fernando Araújo informou que, de início, estava prevista
a implementação destas medidas nos
três primeiros anos de direção executiva, mas que o objetivo mudou e, com
alguma ambição, quer tê-las todas no terreno, neste ano.
É certo que todas estas medidas são de complexa implementação, até por
dependerem de outros ministérios. Porém, há uma pequena janela de oportunidade.
Como o SNS está a passar por alguma vulnerabilidade (Só alguma?), é preciso
libertá-lo do que não é necessário. Por isso, é importante tentar acelerar a implementação
destas medidas, fazendo de 2023 “o ano da mudança”.
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Estas
medidas, antes de mais, significam um grande alívio ao funcionamento do SNS.
Por outro lado, mostram que os serviços de saúde podem funcionar em rede,
suscitando a cooperação mais sistemática de entidades privadas. E, ainda,
acabam com o fundamentalismo da exigência caprichosa de médicos que, para
passarem baixa médica ou para passarem receita a doentes crónicos exigiam a sua
presença – o que já tinha sido britado com programas de telemedicina e com as
consultas por telefone e por videoconferência ocorridas a partir da situação de
pandemia.
A crítica
vai para o facto de tudo isto não poder ter sido feito com as estruturas
anteriores de gestão da Saúde. Foi preciso criar uma direção executiva do SNS,
I. P., com estatuto e organização empresariais, quando já havia a Direção-Geral
da Saúde (DGS), que se mantém, e a Administração
Central do Sistema de Saúde, I.P. (ACSS), que também se mantém.
Em todo o caso, é de questionar se a presença mais assídua do
doente não seria vantajosa. É que o contacto com as USF nem sempre é fácil para
pessoas vulneráveis.
A verdadeira solução passa pelo aumento da quantidade de profissionais
no SNS, por melhor remuneração, por um horizonte de carreira atrativa, por
melhores condições de trabalho e por uma intervenção do Estado que trave a menorização
do SNS face aos prestadores privados.
Não se entende como se quer aliviar a urgência hospitalar, através
do recurso aos centros de Saúde e/ou às USF (O ministro da Saúde terá sugerido
que o doente, antes de ir à urgência deveria telefonar!), se é difícil obter
uma consulta não programada nos CSP. Como é que estes podem sinalizar uma ida à
urgência, se é difícil contactá-los ou obter neles uma consulta?
Por fim, havia de se evitar que, para obter uma consulta, em
Centro de Saúde ou em USF, tenha que se fazer madrugada e esperar pela vez de marcação
(limitada) fora das instalações (Não estou a inventar). O interior continua a
ser o parente pobre em tudo!
Tantas vezes não se morre da doença, mas da tentativa do seu
tratamento. Porém, às vezes, o pessoal do SNS parece que faz milagres.
2023.06.11 –
Louro de Carvalho
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