Carmo
Afonso, no artigo “Um relatório internacional veio lembrar-nos de que o Chega é racista”, publicado,
a 28 de junho, no jornal Público, alerta para o teor do novo
relatório, sobre Portugal, da Global Project Against Hate and Extremism
(GPAHE), organização não-governamental norte-americana, que identifica o Chega como
“um dos 13 grupos de ódio e de extrema-direita portugueses, a par de movimentos
e [de] organizações neonazis, como os Proud Boys ou os Hammerskins”. E observa
que o país vive “uma situação inaceitável”, pois “todos sabemos que o Chega é
racista e existe uma lei que determina a extinção dos partidos racistas”, mas o
partido continua na legalidade e é a terceira força política no Parlamento.
De acordo com o dito relatório, de 27 de junho, o partido “tem trabalhado
para envenenar o discurso nacional com retórica racista, anti-LGBTQ+,
anti-imigração e anticigana”.
Os Portugueses não precisavam de que uma organização estrangeira viesse a
terreiro afirmar a retórica racista, anticigana, antiginista e anti-imigratória
do Chega. Porém, o relatório em causa constitui um reforço da convicção da
generalidade dos cidadãos sobre o partido de André Ventura, reforço que “deve
ser pretexto para fazermos aqui um ponto de situação relativamente ao Chega”,
como escreve a ilustre jornalista do Público.
A
Constituição da República Portuguesa (CRP) estabelece, no artigo 46.º, n.º 4: “Não são consentidas associações
armadas, nem de tipo militar, militarizadas ou paramilitares,
nem organizações racistas ou que perfilhem a ideologia fascista.” E, em linha
com a Lei n.º 64/78, de 6 de outubro (que proíbe as organizações fascistas), a Lei
dos Partidos Políticos, aprovada pela Lei Orgânica n.º 2/2003, de 22 de agosto,
na redação dada pela Lei Orgânica n.º 1/2018, de 19 de abril, prevê, no artigo
18.º, n.º 1, alínea a), a extinção – por decreto do Tribunal Constitucional
(TC), a requerimento do Ministério Público (MP) – de partido qualificado “como
partido armado ou de tipo militar, militarizado ou paramilitar, ou como
organização racista ou que perfilha a ideologia fascista”. Por isso, a
jornalista lamenta: “Fala-se muito da Constituição e de fazer cumprir a Constituição, mas, para
aferir da legalidade do partido, basta-nos ir à lei ordinária”.
Já na última campanha para as eleições presidenciais, a candidata Ana Gomes
questionava a não ilegalização do Chega, face à sua caraterização racista e antidemocrática,
pelo menos, ao nível do discurso, o que mereceu o quase silêncio dos outros candidatos.
Como assinala Carmo Afonso, ao equacionar-se a ilegalização do Chega, é usual
a opinião contrária a essa medida judicial estribar-se no argumento da “assinalável representatividade do partido e dos
valores democráticos que, à partida, nos obrigam a tolerar valores diferentes e
até opostos aos nossos”. Todavia, para a jornalista, “não está em causa a
opinião de quem quer que seja relativamente à ilegalização do Chega ou sequer
uma avaliação das consequências sociais dessa ilegalização”, mas avaliar “se o
Chega propaga ou não uma mensagem racista”. E, a dar fé ao relatório da GPAHE, deve exigir-se à
Procuradoria-Geral da República (PGR) e ao TC a assunção das suas responsabilidades,
que são cumprir e aplicar a Constituição e a lei ordinária: um partido racista
tem de ser extinto.
O relatório só vem clarificar e reforçar as inúmeras vezes em que se tem
chamado racista ao partido de Ventura. Luís Montenegro, numa das vezes em
que aparentou traçar uma linha vermelha ao Chega, garantiu que nunca alinharia
“com políticas e políticos xenófobos, racistas”. Era uma referência indisfarçável
ao Chega, entendida por muitos como “a clarificação definitiva da posição do
PSD, em relação ao partido de extrema-direita”, o que não corresponde à verdade.
Por outro lado, aplicar a lei não é uma questão de ser a favor ou contra.
Como diz a jornalista, “o Estado democrático existe com base no cumprimento da
lei”.
O Chega é racista e há uma lei, consequente com a CRP, que determina a
extinção dos partidos racistas. Mas o Chega figura no boletim de voto, como se
a lei fosse omissa.
E não vale argumentar que o legislador exagerou ao nivelar racismo e
fascismo. As consequências do incentivo ao racismo por parte de um dirigente
político, enquanto nega que ele existe, são evidentes: os racistas julgam-se legitimados
e impunes; o ódio cresce e habitua; as minorias sentem-se desprotegidas; e está
a desenvolver-se uma sociedade polarizada, com uns a pugnar por este ideário e
outros a quer erradicá-lo.
E, enquanto o relatório da GPAHE avisa que “a segurança comum e das democracias está em risco”, diz Carmo Afonso, os
dois maiores partidos portugueses protegem o Chega: ao Partido Socialista (PS) convém
como arma de arremesso contra a direita moderada; e o Partido Social Democrata
(PSD) “corre tristemente atrás do prejuízo”. Além disso, bate-se nas teclas de
que o Chega capitaliza o descontentamento da sociedade perante os políticos e
de que o combate se faz com a discussão de ideias e com a apresentação de propostas.
Teremos essas posturas face ao crime público e ao crime organizado?
Discurso, mais nada?!
***
A GPAHE considera
o Chega, fundado em 2019, como o principal partido político de extrema-direita
em Portugal e o terceiro partido mais representado no nosso Parlamento.
Desde a queda do Estado
Novo, em 1974, não houve presença significativa, nas legislaturas nacionais, de
um partido de extrema-direita até ao advento do Chega, cuja ascensão espoletou
um aumento significativo do discurso de ódio e da mobilização de rua da
extrema-direita, sob a batuta do líder “carismático e populista André Ventura”,
em torno do qual o partido está altamente centralizado, a ponto de o TC lhe ter
rejeitado, por várias vezes, os estatutos, por concentrar o poder, de forma
excessiva, no líder.
O Chega, cujo boletim
oficial é a Folha Nacional, é anti-imigração
e antimuçulmano. Ventura diz crer que “o crescimento da imigração ilegal
destrói a Europa”. De facto, após o ataque terrorista islâmico extremista de
Nice, em julho de 2016, Ventura propôs a redução drástica da presença
islâmica na União Europeia (UE). Embora a liderança não tenha mencionado a
teoria da conspiração da “Grande Substituição” da supremacia branca, Ventura já
perorou sobre uma “substituição demográfica”, supostamente a surgir na
Europa, que argumenta como aquela teoria da conspiração. E há manifesto ódio
especial ao povo cigano da parte de Ventura e de outros membros do
partido, alegando que os ciganos são “um sério problema de segurança
pública”, “vivem quase exclusivamente de subsídios estatais” e estão “acima da
lei”.
Em 2017, Ventura culpou
uma família cigana por alegados ataques no Hospital de Beja e foi forçado a
pagar multa de cerca de 3000 euros, pois o tribunal entendeu que ele “tinha o
propósito de ofender para humilhar as pessoas de etnia cigana, aumentando a
estigmatização e o preconceito contra a comunidade.” Na primeira onda da
pandemia, defendeu um “plano de confinamento específico para a
comunidade cigana”. E, em 2022, acusou os ciganos de serem “criminosos” e
de “abusarem de benefícios sociais”.
A Comissão para a
Igualdade e Contra a Discriminação Racial (CICDR), por várias vezes, multou Ventura, por
comentários discriminatórios sobre a população cigana.
Na convenção do Chega,
em setembro de 2020, Rui Roque, ex-líder do Partido Nacional Renovador (PNR) e
da Associação Portugueses Primeiro, sugeriu políticas antimulher, com uma moção
para remover os ovários de mulheres que abortem. Propuseram
penas de prisão de dois a cinco anos para pessoas que filmem a polícia,
sobretudo em casos relacionados com “grupos minoritários étnicos ou raciais.
O Chega fala de conspiração
para proibir o partido – uma possibilidade, pois tem havido pedidos de banição
por ser organização racista que incorpora a ideologia fascista. Os partidários já
usaram faixas com “All Lives Matter”, jogo de palavras racista com “Black Lives
Matter”, chamaram à questão do racismo “uma distração” e usaram símbolos
de mãos semelhantes à saudação nazi. Ao longo dos anos, albergaram-se nas suas
fileiras muitos supremacistas brancos, identitários e neonazis. E, na pandemia,
membros e apoiantes espalharam desinformação dos Médicos pela Verdade,
grupo antivacinas e negacionista da covid.
Os membros da Chega
republicaram a carta de queixa que os crentes portugueses do QAnon
enviaram à PGR sobre ficheiros de computador que a polícia apreendeu ao hacker
Rui Pinto, alegando que continham informações sobre círculos de pedofilia entre
a elite política em Espanha e em Portugal. E o partido acredita que há uma
conspiração “cultural marxista”, para mudar a sociedade e destruir a civilização
europeia, impondo a cultura pró-LGBTQ+ na sociedade portuguesa – ideia avançada
pelos supremacistas brancos americanos.
Também os
partidários do Chega se afirmam contra a “ideologia de género”,
chamando-lhe um eufemismo para os direitos LGBTQ+. E Ventura, mostrando
desrespeito por muitos portugueses, afirmou que não seria presidente de todos portugueses,
mas só dos
“bons portugueses”, uma referência aos que não vivem de subsídios do Estado.
O Chega Juventude,
liderado pela deputada Rita Matias, da fação Identitária do partido, é o ramo
oficial da juventude do Chega. Embora as crenças do ramo de juventude não
difiram do partido, tem membros mais radicais: alguns apoiaram a supremacia
branca, a misoginia, elogiaram o salazarismo e defenderam o fascismo. Por
exemplo, num tweet, que o Twitter removeu, Francisco Araújo, líder
do capítulo do Porto, publicou a imagem de um soldado português a ser
controlado por um soldado soviético e a de um banqueiro a apunhalar outro
soldado pelas costas.
Referindo-se ao términus
do regime de Salazar, Araújo escreveu: “Já se passaram 48 anos desde que: 1) a
Maçonaria recuperou a carta-branca 2) estamos sob a ocupação de interesses
globalistas estrangeiros 3) fomos traídos por soldados com interesses
financeiros 4) escolhemos o suicídio demográfico e a subjugação económica”,
sendo esta última uma referência à teoria da conspiração da “Grande
Substituição” da supremacia branca. E, em janeiro de 2023, fez um discurso à
liderança nacional no 5.º Congresso, em Santarém, que contou com membros
da alta liderança dos partidos de extrema-direita europeus, como o
eslovaco Boris Kollar (SME Rodina), o belga Tom van Grieken (Vlaams Belang), o
holandês Geert Wilders (Partido pela Liberdade) e o francês Jordan Bardella
(Rassemblement National).
Outros membros têm
clara simpatia pelo fascismo e por sistemas de crenças antidemocráticos. João
Antunes, do ramo de Coimbra, tirou fotografias frente a murais onde se lê: “És
um fascista e nem sabias disso.” No seu fundo do Twitter, posou, através de Photoshop, numa imagem ao lado
de Nick Fuentes, supremacista branco americano e negacionista do
Holocausto. E aprendeu com os amigos americanos, fazendo tweets sobre “o estado absoluto dos cuck-servatives norte-americanos”
(termo usado contra os conservadores que baniram Nick Fuentes da Conservative
Political Action Conference (CPAC) 2023.
No aniversário de
Salazar, vários membros publicaram tweets, em tom positivo, a lembrar o ditador. Os membros
do Chega Juventude servem como ligações a outros partidos políticos de
extrema-direita. Por exemplo, João Antunes, do ramo de Coimbra, foi fotografado com
José Pinto Coelho, presidente do partido Ergue-Te.
***
Enfim, o relatório faz
a radiografia desta e de outras organizações racistas, xenófobas e fascistas em
ascensão. Por isso, a sociedade tem de se defender, com o discurso, e o Estado,
com a Justiça.
Perfilham
a ideologia fascista as organizações que, nos estatutos, nos manifestos e
comunicados, nas declarações dos dirigentes ou responsáveis ou na sua atuação,
mostrem adotar, defender, pretender difundir (ou difundir efetivamente)
valores, princípios, expoentes, instituições e métodos caraterísticos dos
regimes fascistas que a História regista, como o belicismo, a violência como
forma de luta política, o colonialismo, o racismo, o corporativismo ou a
exaltação das personalidades representativas desses regimes.
2023.06.29 – Louro de Carvalho
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