Enquanto a Ucrânia se debate com a guerra, que deixa o
país despedaçado (até uma barragem recém-destruída gerou o pânico na população),
e sem ultrapassar outras dificuldades que lhe dificultam a adesão à Organização
do Tratado do Atlântico Norte (NATO/OTAN), a Polónia está a perfilar-se como superpotência
na Europa Central. Com efeito, o desenvolvimento tecnológico, a capacidade de
atração de capital estrangeiro, os resultados na educação e a transição para
atividades de alto valor tornam a sua economia como uma das mais promissoras.
O primeiro ex-Estado soviético a abrir-se à democracia de mercado livre,
sendo um dos que mais se destacam no fornecimento de armas à Ucrânia, goza de grande
visibilidade e aspira a ser uma superpotência. No entanto, esta posição não
está livre de ambiguidades, como se verá.
De 1989 até à pandemia de covid-19, tinha o crescimento económico maior e mais
prolongado: foram cerca de 30 anos a crescer. Desde então, o aumento do produto
interno bruto (PIB) foi de 3,7%, por ano, que deu, no total, perto de 400%. E,
segundo o Eurostat, foi o país da União Europeia (UE) que mais cresceu em
cadeia (3,9%), no primeiro trimestre de 2023.
Liam Peach, economista de mercados emergentes na consultora Capital
Economics, em Londres, estima que o PIB per capita da
Polónia será, em 2030, de cerca de 88% do que o Reino Unido registará. O
trabalhista Keir Starmer, líder da oposição britânica previu que a economia do
Reino Unido pode ser ultrapassada pela economia polaca, até ao final da década.
E Daniel Fried, que se envolveu na aplicação de políticas norte-americanas na
Europa, após a queda da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) – foi
embaixador na Polónia, secretário de Estado Adjunto para a Europa, e ajudou a
elaborar a política de ampliação da NATO para a Europa Central –, vê a Polónia
a ganhar relevância, pelo grande e rápido crescimento económico, pela crescente
capacidade militar, pela localização estratégica no flanco oriental da UE,
durante a guerra atual, e pela posição como base logística de apoio a Kiev.
O setor industrial sofisticado, a prosperar e a diversificar-se, torna o
país cada vez mais integrado nas cadeias de abastecimento europeias. Foi palco
de grandes investimentos em novas áreas, como veículos elétricos e baterias de
lítio, o que impulsiona o setor manufatureiro na cadeia de valor.
Com a Alemanha, a Oeste, a Chéquia e a Eslováquia, a Sul, a Ucrânia e a
Bielorrússia, a Leste, e a Lituânia, a Norte, bem como graças ao aumento do
investimento nos setores industrial e logístico, a Polónia está, na ótica de Liam
Peach, “bem posicionada para aproveitar as interrupções causadas por fraturas
mundiais”. E o crescimento da sua produtividade ajuda a convergência com a UE.
Há mais de três décadas, o economista norte-americano Jeffrey Sachs (conselheiro
das Nações Unidas), perito em desenvolvimento sustentável, assessorou o movimento
polaco Solidariedade e o governo do primeiro-ministro Tadeusz Mazowiecki,
delineando o plano da transição polaca para uma economia de mercado. O
capitalismo expandiu-se na Polónia, as contas públicas estabilizaram e a dívida
pública reduziu-se grandemente. Todavia, a convergência não será tão grande que
leve a Polónia a superar, na próxima década, a economia britânica, como
salienta este economista norte-americano. No entanto, o dinamismo do seu
crescimento é apontado como um exemplo para os países da Europa Ocidental.
Como observa o jornal “The Telegraph”, a cidade de Breslávia, na Baixa
Silésia, atrai grandes empresas de tecnologia, pela proximidade aos mercados alemão
e checo, e alberga a maior base da empresa sul-coreana LG. E a Organização para
a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE)
sustenta que o país prospera e eleva os padrões de vida com a transição do seu
mercado para atividades mais lucrativas, batendo já a produção norte-americana
de baterias de lítio para carros elétricos. Na verdade, entre os 38 países da
OCDE, a Polónia distingue-se entre os seis mais bem-sucedidos no ensino (matemática,
ciência e leitura), indicador que pode, no futuro, ditar ainda melhores
resultados na economia.
Porém, como não há bela sem senão, um dos fatores que ameaçam a ascensão do
país é o declínio da população, um facto desde 2011, tendo chegado, em 2022, ao
nível mais baixo desde 1987. O Eurostat revelava, em dezembro de 2022, que a
Polónia era o Estado-membro da UE que recebera mais refugiados ucranianos (mais
de 54 mil), embora muitos tenham regressado ao país de origem. E Varsóvia conta
com as migrações para a mão-de-obra, cuja escassez é crónica.
Outro problema que o país enfrenta é a inflação, que resulta, entre outros
fatores, da guerra na Ucrânia, ali tão perto, que está a ser um empecilho para
o seu crescimento, que parece desacelerar nos restantes meses deste ano,
tendência que aumentará em 2024.
O potencial da Polónia pode ficar comprometido pela polarização política interna,
pela erosão do Estado de Direito e das normas democráticas e pelo hábito de
alguns governantes de provocarem atritos com a Alemanha e com a UE, o que não
se entende, face ao perigo da proximidade com a Rússia, cuja política é hostil
aos países vizinhos integrados na NATO.
O abandono ou a atenuação das normas democráticas, a manterem-se, serão
desvantajosos para os negócios. Embora o desenvolvimento económico e a atração
de investimentos estrangeiros pareçam sólidos, os conflitos por resolver com a
UE, relativamente ao sistema judiciário, e a polarização política prejudicam a
reputação do país como lugar para o investimento.
A Comissão Europeia preocupa-se com a falta de independência do poder
judicial. O governo desmantelou a câmara disciplinar para juízes, em 2022, e substituiu-a
por nova câmara, mas a Comissão não está convicta de que isso resolva os
problemas, pelo que retirou o financiamento da UE. E a erosão dos princípios
democráticos e do Estado de Direito só não teve, até ao presente, impacto sobre
o investimento estrangeiro e não prejudicou a atratividade da Polónia como
destino de investimento, porque a adesão à UE fornece uma rede de segurança
para eventual erosão dos padrões democráticos.
Porém, a 4 de junho, cerca de 500 mil pessoas protestaram, nas ruas de
Varsóvia, contra o governo, contestando o aumento do custo de vida e a mentira
e clamando pela defesa da democracia, de eleições livres e da UE. O partido Lei
e Justiça (PiS, direita no poder) e o seu líder, Jaroslaw Kaczynski, mantêm-se
à frente nas sondagens para as legislativas de novembro.
O comprometimento das nomeações de juízes da oposição, de julgamentos
livres e justos e da liberdade de imprensa levou a presidente da Comissão
Europeia a avisar que Varsóvia só receberá as verbas do plano de recuperação e
resiliência (PRR), 35 mil milhões de euros, quando respeitar “compromissos
claros” do Estado de Direito.
Com a ameaça russa à porta e com o enclave de Kalininegrado a
suscitar tensões diplomáticas, a Polónia reagiu com rapidez à guerra na
Ucrânia, duplicando o efetivo das Forças Armadas, para 300 mil soldados, e
aumentando as despesas com Defesa, para 4% do PIB. Estará entre os maiores
exércitos da NATO, pois os Estados Unidos da América (EUA) pretendem construir
o poderio militar da Polónia como baluarte na orla oriental da aliança.
Todavia é improvável que a Polónia se torne grande potência da NATO, porque
a sua economia é pequena, embora venha a figurar perto do topo da lista de
Estados que dedicam uma maior fatia do seu orçamento às Forças Armadas e à
Defesa.
O governo do PiS é um dos maiores fornecedores militares da Ucrânia e
mantém forte sentimento antirrusso. A segurança nacional tornou-se a grande
prioridade da Polónia. Em proporção, gasta mais do que a maioria dos países da
NATO, respondendo por 2,4% do PIB, em 2022. Foi a maior parcela, desde 1993. A
meta, no início do ano, de aumentar os gastos militares para 4% do PIB, era demasiado
ambiciosa. Contudo, é provável que os gastos militares ultrapassem 3% do PIB e
permaneçam nesse nível até ao final da década.
Para Daniel Fried, a Polónia tem potencial para se assumir como potência
militar na NATO, se o crescimento das forças polacas se sustentar, contra as
pressões orçamentais. Há capacidade intelectual, dentro e fora do governo, para
ajudar a liderar a política da UE, em relação à Rússia, à Ucrânia, à Moldávia e
à Geórgia. A experiência polaca sobre esses países é profunda.
As relações com Moscovo podem fazer mossa na economia polaca, à medida que
o país enriquece. O colapso das relações económicas entre a UE e a Rússia
prejudicará a Polónia e a UE, salvo se for superado pelo renascimento da
diplomacia, da paz, das negociações, das relações económicas e políticas. Esse
tipo de fim negociado para a guerra não é popular na UE, mas é inteligente sob
todos os pontos de vista: militar, securitário, político e económico.
***
Entretanto, os poderes polacos vêm tomando
medidas que beliscam a relação com a Rússia.
Segundo lei recentemente aprovada, a comissão de
inquérito à influência
russa na Polónia, escolhida pela câmara baixa do parlamento,
pode proibir os visados de ocuparem cargos públicos. Os críticos consideram que
se trata de um golpe constitucional, por violar o princípio da separação dos
poderes (político e judicial), pois o organismo assume os poderes de
procurador e de tribunal, e por se destinar a
impedir que opositores da atual maioria conservadora, como o antigo primeiro-ministro
Donald Tusk, assumam cargos de responsabilidade, caso vençam as eleições.
O governo não prevê recurso destas decisões, exceto em caso
de irregularidades formais.
Alem
disso, como refere a lei, citada pela agência France-Presse (AFP), um
visado pode ser proibido de ocupar cargos públicos relacionados com o acesso às
finanças públicas e com informações classificadas, durante 10 anos, para “evitar
que volte a agir sob influência russa em detrimento dos interesses da República
da Polónia”.
No
início do mês de maio, o texto fora rejeitado pela câmara alta, controlada pela
oposição, tendo a maioria nacionalista conseguido, depois, aprová-lo, em
segunda votação, na câmara baixa, com 234 votos a favor e 219 contra.
Já antes, a procuradoria de Varsóvia abriu uma investigação ao líder do
maior partido da oposição, Donald Tusk, por alegado abuso de poder enquanto
primeiro-ministro, entre 2007 e 2014, a pedido do empresário polaco Marek
Falenta, que alega que Tusk lhe investigara o negócio e o obrigara a parar de
importar carvão da Rússia.
O empresário foi sentenciado a dois anos de prisão por organizar a gravação
secreta de conversas privadas de líderes políticos e empresariais, em 2013 e em
2014.
As escutas telefónicas e a publicação das conversas privadas criaram um
escândalo em 2014 que prejudicou a posição da Plataforma Cívica, partido
pró-europeu de Tusk, e ajudou o PiS a conquistar o poder, no ano seguinte. À
época, a Polónia importava grandes quantidades de carvão à Rússia, algo que
Tusk tentava reprimir, procurando reforçar os laços com a UE. E, depois de o
PiS ter assumido o poder, aumentaram as importações de carvão russo, embora se
tenham bloqueado, neste ano, em retaliação pela invasão da Rússia à Ucrânia.
Por
fim, é de referir que a Polónia vai
mudar o nome da cidade russa de Kaliningrado, nos documentos oficiais, para
Krolewiec, como era conhecida quando governada pelo Reino da Polónia, nos
séculos XV e XVI, o que a Rússia considera um ato de loucura.
***
Em suma, a Polónia, que não tem condições económicas
para o efeito, será uma grande potência da NATO, se interessar aos EUA e à NATO
ter um baluarte junto da Rússia. E as condições políticas vigentes são
propícias para esse desiderato. Resta saber se o crescimento da Roménia (maior
do que o de Portugal) também se porá ao serviço do “império”. Por isso, sempre
duvidei do propalado crescimento dos países de Leste, mas só pelas condições
laborais e pela má distribuição (capitalista) da riqueza. Agora, parece-me que o
mal é pluriforme!
2023.06.08 – Louro de Carvalho
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