Passado quase um ano após o acordo de descentralização entre o governo e a Associação
Nacional de Municípios Portugueses (ANMP), os municípios não receberam as
verbas referentes às atualizações dos preços das refeições nas cantinas escolares, do aumento dos transportes escolares de educação inclusiva ou dos seguros de acidentes de trabalho e da medicina do trabalho que adiantaram, para pôr a máquina
a funcionar – e a que o “Estado se comprometeu publicamente a pagar.
É a denúncia de Fernando Paulo, vereador da Educação e Coesão Social da Câmara Municipal
do Porto (CMP).
O vereador da CMP, liderada por Rui Moreira, sustenta
que, “se o governo não transferir as atualizações para os municípios, alguns
poderão entrar em colapso”, pois, no âmbito da contratação, anteciparam verbas,
o que levou alguns municípios a “constrangimentos financeiros graves”.
A situação vem desde o início do ano letivo, prestes a terminar. Desde
setembro têm vindo a receber as verbas de acordo com o definido
inicialmente e não com as atualizações introduzidas no acordo assinado pelo primeiro-ministro António Costa e pela ANMP.
Tais atualizações resultaram das reivindicações de vários presidentes de
câmara (a própria CMP chegou a desvincular-se da ANMP) que obtiveram algumas
vitórias, como a do aumento de 2,50 para 2,75 euros da
comparticipação estatal das refeições escolares.
Por isso, Fernando
Paulo espera que os municípios sejam ressarcidos dos montantes que pagaram
desde setembro. Com efeito, estava prevista uma verba de 500 mil euros, para a
CMP, e o custo efetivo no ano letivo é de 900 mil de euros.
No total, só a CMP reclama mais de dois milhões de
euros de dívida, sendo que, no final de um ano de gestão, o bolo duplicará.
Explica Fernando Paulo que a transferência anual de 20
milhões de euros para o município do Porto não é suficiente, porque
“o custo efetivo rondará os 24 milhões de euros, tendo em
conta que a eletricidade aumentou 30% e o valor dos transportes para a educação especial duplicou”.
Além disso, o preço das refeições que o Ministério da Educação (ME) pagava, há
dois ou três anos, a 1,46 euros está agora 2,90 euros; e
o Estado prometeu pagar 2,75 euros.
Há, ainda, os custos com os seguros de acidentes de
trabalho, com a medicina do trabalho e com a ADSE dos trabalhadores transferidos
da Administração Central para as autarquias, mas que seriam assegurados pelo
Estado. Todavia não tem sido assim: os municípios continuam sem receber o valor
para a medicina de trabalho e para os seguros.
O vereador da CMP aponta o dedo ao governo pela ausência de informação
sobre o financiamento a 100% da requalificação de 450 escolas do
país. No protocolo entre a ANMP e o governo, este responsabiliza-se pelo
financiamento a 100% da recuperação das escolas e os municípios não
receberam instruções sobre como proceder. Aliás, até agora, os municípios não receberam qualquer indicação se
devem fazer projetos, se são pagos pelo governo e se este assumirá diretamente
a candidatura. Por isso, o vereador traz o assunto para a agenda
pública, para que o processo seja clarificado, mormente havendo escolas
a precisar de intervenção urgente.
***
Porém, a
7 de junho, a ministra da
Coesão Territorial afirmou que o governo tem urgência em
estabilizar os valores transferidos no âmbito da descentralização de
competências, assegurando que as dificuldades do processo não se
devem à falta de dinheiro.
Para Ana
Abrunhosa, o que tem dificultado o processo de descentralização em algumas
áreas, como a saúde, é o facto de os municípios quererem acautelar diversas
situações nos autos de transferência. “O que
queremos é estabilizar estes valores, que possamos chegar à conclusão quanto é
que estas transferências representam de valor e quanto é que isto representa de
percentagem dos impostos para que passe a ser incluído nas transferências
regulares do Orçamento de Estado e deixemos, de uma vez por todas,
de ter um Fundo de Financiamento para a Descentralização (FFD)”, disse,
vincando que ainda não será possível deixar de ter este fundo no Orçamento do
Estado (OE) para 2024.
Assim, em junho, acertados os reforços, far-se-á um balanço. E o
governo, com os municípios, verificará aqueles cujas transferências são
insuficientes e estabelecerá que, de futuro, as verbas a transferir não
dependam de decisão duma direção-geral ou dum ministério.
A ministra frisou que o modelo acordado ainda é que os municípios reportem
“se há ou não necessidade de reforço de verbas em determinada área”, segundo a
validação dos pedidos de reforço de verbas pelas comissões de acompanhamento da
descentralização em cada município.
Estão em análise pedidos de sete municípios, para reforço de verbas, em
relação aos FFD de 2022 e 2023, além de um pedido de Aveiro, onde se concluiu “não
existir défice”. Os sete municípios apresentaram processos
incompletos, pelo que o governo pediu informação adicional para “uma análise
mais cuidada do pedido de reforço”. Alguns municípios apresentaram dúvidas
sobre as verbas transferidas e necessidades, que serão colmatadas com o
reforço de 27 milhões na área da educação, contemplado em despacho já está
assinado.
Ana Abrunhosa dizia que o ministério recebera dúvidas de 154 municípios,
131 delas no âmbito da educação, 19 no âmbito da ação social, duas na área da
saúde e outras duas de outras áreas.
As questões sobre a educação devem-se ao facto de esta ser uma área
“onde a inflação mais se sente”, nomeadamente nos custos de transporte e das refeições
escolares, tendo sido pedido aos municípios informações para reforço do
preço das refeições.
Na saúde, a adesão ronda os 55% dos municípios, estando prevista, para
breve, a assinatura de mais um conjunto de autos de transferência. É a área
onde os custos de manutenção dos edifícios são os mais elevados por metro
quadrado. Portanto, o problema é aferir se o centro de saúde
precisa de obras e o ministério comprometer-se com elas, no auto de
transferência.
Já quanto à ação social, a governante destacou um
reforço de 35 milhões de euros em relação à verba inicialmente prevista, tendo
sido já transferido “o valor entre janeiro e o mês atual para corrigir o valor
da ação social”. A ação
social decorre com tranquilidade, obviamente implicando, em alguns municípios,
contratações, competência que é exigente para os municípios, mas que é a
competência mais natural para os municípios, até porque, muitas das vezes, já as
exerciam.
Ana Abrunhosa salientou que a descentralização “está totalmente concluída”,
em 14 das 22 áreas do processo de transferência para os municípios. O FFD
representava 843 milhões de euros, no OE de 2022, e mais de 1.200 milhões de
euros, no OE de 2023.
***
A 18 de julho de 2022, o Conselho Geral da ANMP, liderado pelo autarca de
Lisboa, Carlos Moedas, aprovou, com o voto contra do Partido
Comunista Português (PCP), o acordo, a assinar com o
primeiro-ministro, da transferência de competências
da Administração Central para as autarquias. Uma das
grandes novidades desta última versão é o financiamento a 100%,
pelo governo, das obras de construção, recuperação/reabilitação, num conjunto
de centros de saúde, recorrendo a verbas do Programa de Recuperação
e Resiliência (PRR) e do Portugal 2030, à semelhança do que os municípios conquistaram para 451 escolas do país.
As novas alterações ao documento já tinham reunido consenso,
na reunião do Conselho Diretivo liderado pela presidente da ANMP, Luísa
Salgueiro, igualmente com voto contra do PCP.
Em relação à anterior versão, o acordo final acrescenta que, na conservação
e manutenção dos edifícios e residências escolares, os valores serão atualizados automaticamente, no
início de cada ano, pela aplicação dos índices oficiais de inflação verificados
no ano civil anterior.
E, a 19 de julho do mesmo ano, após o Conselho de Ministros extraordinário, a
ministra da Coesão Territorial, anunciou a aprovação do acordo
entre o governo e a ANMP para a descentralização de competências, a “maior
reforma administrativa dos últimos 50 anos”. Entre as grandes novidades
está o aumento de 20 mil euros para 31 mil para obras de
manutenção por escola que, em 2023, dispara para 37 mil euros,
assim como 128 milhões de euros do PRR para a construção e “requalificação profunda” de centros de saúde.
Entre as grandes novidades, ao nível de cedências da
parte do governo às reivindicações dos autarcas, está o valor para manutenção das escolas, em 2023, que
a ministra considerou tratar-se de pequenas obras e de pequenos arranjos e que,
no OE de 2022, em média por escola e por ano, passou para 31 mil
euros, o que representa um aumento de 55%, sendo o valor médio, para 2023, de 37 mil euros por escola. Quanto
a “obras de maior monta, de reconstrução e requalificação das escolas”, ficou
decidido, com a ANMP, uma lista de cerca de 450 escolas para intervenção
prioritária. E o governo aumentou a comparticipação na refeição escolar.
Também a Administração Central assumiu as despesas com seguros
de acidentes de trabalho, medicina do trabalho e ADSE de todos os trabalhadores
transferidos da Administração Central para as autarquias. E os
municípios poderão participar na definição dos horários dos centros de
saúde, de acordo com o previsto no novo estatuto do Serviço Nacional de
Saúde (SNS).
Também ficou acordado o levantamento das
necessidades de intervenção nos centros de saúde, estando já o governo a
cumprir parte deste acordo, com o Ministério da Saúde a abrir concurso, através
do PRR, para a construção de novos centros de saúde e para a
requalificação de outros – um montante de 128 milhões de euros.
***
Entretanto, foi publicado o Decreto Regulamentar n.º 1/2023,
de 29 de maio, que regulamenta o FFD, nos termos do n.º 4 do artigo 66.º da
Lei n.º Lei
24-D/2022, de 30 de dezembro, que aprovou o OE de 2022. O diploma em causa entrou
em vigor a 30 de maio, mas com efeitos a partir de 1 de janeiro passado. São 1,2 mil milhões de euros.
As verbas
para o financiamento dos municípios e das entidades intermunicipais,
previstas no OE, são transferidas em duodécimos, até ao dia 20 de cada mês,
pela Direção-Geral das Autarquias Locais (DGAL), para os municípios e para entidades intermunicipais.
As
transferências financeiras, as receitas arrecadadas e os encargos diretamente
relacionados com a descentralização de competências são reportados pelos
municípios, mensalmente, através da plataforma eletrónica DGAL. Semestralmente,
a DGAL disponibiliza, no portal autárquico, a informação reportada pelos
municípios. Os municípios podem
fundamentadamente solicitar à DGAL a reafetação de verbas, alteração orçamental
que será autorizada pelos membros do governo responsáveis pelas áreas
governativas das finanças e da coesão territorial.
A DGAL verifica a adequação das verbas e a eventual necessidade de reforço
ou devolução de verbas por município. A reafetação e o reforço de verbas entre
municípios são efetuados por despacho dos membros do governo responsáveis pelas
áreas das finanças, das competências descentralizadas e da coesão territorial,
verificada a necessidade e por proposta da DGAL.
É criada uma comissão de acompanhamento do FFD, que funciona durante o ano
de 2023 e analisa as transferências efetuadas para os municípios e os encargos
reportados. Esta comissão integra três representantes da ANMP e um
representante do DGAL, que coordena, da Direção-Geral do Orçamento, do
Instituto da Segurança Social e do Instituto de Gestão Financeira da Segurança
Social. Cada entidade designa um representante e um suplente para integrar a
comissão no prazo de 15 dias após a entrada em vigor deste decreto
regulamentar.
***
A ser verdade, o vereador da CMP lançou um
alarme precipitado. Ou escondeu a verdade, ou quis mostrar que tinha voz. É
óbvio que o governo é lento e todos os processos são morosos e quem recebe
ajudas tem de antecipar despesas. É porque não se arrisca mais que o país é
pobre. E a preocupação dos municípios é mandar e ter dinheiro.
2023.06.14 – Louro de Carvalho
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