De
acordo com um balanço atualizado fornecido pelo Banco de Portugal (BdP) ao
secretário de Estado da Administração Local e Ordenamento do Território, Carlos
Miguel, ainda há 1300 freguesias sem multibanco, ou seja, 42% estão fora desta
rede. Foi uma primeira reunião entre o regulador e supervisor da banca e o
governante, para debater a falta
de cobertura de multibanco, o que implica, para as pessoas, viagens incómodas e
custos acrescidos.
O mesmo
balanço refere que são 14 mil as caixas de multibanco localizadas no país, as
quais cobrem pouco mais de metade das 3.091 freguesias (a que acresce o
concelho de Vila do Corvo, na Região Autónoma dos Açores, que não tem uma única
freguesia).
Este
número total de freguesias é o que resulta da reforma administrativa de 2013,
que reduziu, em 27%, o número de freguesias de 4.259 para as atuais 3.091.
Face à
situação com que o país se depara, nesta matéria, Carlos Miguel, defendendo que
deve cada freguesia ter, pelo menos, uma caixa automática de multibanco, espera
que o desafio esteja concretizado, no máximo, até 2017.
É
objetivo que o BdP não excluiu e que só implica um esforço adicional que não
chega a 10% e que seria atingido em três ou quatro anos. Contudo, o critério da
banca para assegurar a cobertura de toda a população na prestação deste serviço
público é diferente do critério do secretário de Estado. A banca segue o
critério da distância entre a residência das pessoas ao multibanco, a qual
variará entre 10 a 20 quilómetros.
Carlos
Miguel refuta essa regra, aduzindo que não pode ser aplicada em linha reta, mas
segundo uma via de comunicação exequível, e que não pode ser igual em todo o
território, pois 20 quilómetros demoram mais a percorrer em serra do que em
planície ou em planalto. E o BdP prometeu ao Governo que o próximo estudo será
feito mediante o percurso por estrada.
Assim, o
secretário de Estado receberá o último estudo que irá cruzar com dados da
Direcção-Geral do Território. E, sobre os contactos a fazer, sustenta que “é
preciso dividir o mal pelas aldeias”, isto, é pelos diversos bancos, embora a
Caixa Geral de Depósitos (CGD) tenha maiores responsabilidades.
Aliado
ao objetivo da prestação deste serviço a todas as populações vem o de travar
“os abusos” e “a escalada” das rendas de centenas de euros que os bancos exigem
às juntas de freguesia, mesmo em centros urbanos.
O
secretário de Estado anota que as rendas, que vão até 600 euros, não se cingem
ao Interior e que os preços têm vindo a subir. Além disso, há freguesias de
zonas urbanas em que a banca exige o pagamento de renda, embora não se coloque ali
o problema da falta de procura. Por exemplo, Olivais, em Lisboa, paga 307 euros
ao Novo Banco, para ter das caixas de ATM (automated teller machine, vulgo multibanco), e Póvoa de Santo Adrião,
em Odivelas, paga ao Santander 246 euros, para o mesmo efeito.
Em
contrapartida, na reunião que o governante teve com o BdP, foi-lhe dito que
Portugal é dos poucos países europeus onde não se cobra taxa de levantamento.
Todavia, o BdP diz que não se justifica o abuso e o aproveitamento. Por isso, o
supervisor e o Governo vão analisar os custos para identificação das rendas
excessivas.
Depois,
com o novo diagnóstico a que procederá o BdP, será feita uma aproximação às
instituições bancárias que operam nos territórios com cobertura deficitária,
numa estratégia articulada com a Associação Nacional de Freguesias (ANAFRE), em
nome da coesão territorial.
***
O problema não é novo. Já em 1 de junho de
2022, Tiago Soares, jornalista do Expresso,
dava conta da situação, apontando que havia várias freguesias do país –
sobretudo no Interior – sem uma caixa multibanco e que a falta de dinheiro
físico prejudicava a economia local e a vida das populações, tendencialmente
envelhecidas e menos capazes de utilizar os meios de pagamento digitais. Os
autarcas diziam que era difícil chegar a acordo com os bancos nacionais para a
instalação destes equipamentos, pelo que a ANFRE iniciou contactos com a
empresa norte-americana ATM Euronet, a fim de estabelecer um protocolo que
garantisse terminais em todas as freguesias que os não os têm.
“É um problema que a ANAFRE ainda não
conseguiu resolver”, dizia Jorge Veloso, presidente da ANAFRE e da associação e
da União das Freguesias de São Martinho do Bispo e de Ribeira de Frades, em
Coimbra, referindo que a junta que lidera tem um multibanco instalado pela CGD),
mas que o acordo com o banco público é antigo. A ANAFRE não sabia, ao certo, o
número de freguesias sem acesso ao serviço multibanco, mas Jorge Veloso avisava:
“Estamos a falar de centenas de freguesias. Há 3091 no total, e uma boa
percentagem não tem.”
O problema não era novo, já na altura. E o
BdP alertava: “Sem a existência de qualquer intervenção, as forças de mercado,
agindo legitimamente em função do seu próprio interesse, conduzirão à supressão
de um serviço essencial, tendo por consequência a limitação do conjunto de
instrumentos de pagamento ao dispor dos agentes económicos.”
O número de caixas multibanco em
território nacional esteve dez anos a diminuir, mas no final de 2020, registou-se
um aumento: 12.054 equipamentos, mais 409 em relação a 2019, segundo dados do
BdP. Não obstante, a entidade alertava: “Com o objetivo de minimizar o impacto
da inexistência de redes de acesso físico ao sistema bancário em determinadas
geografias, deve ser estruturada uma resposta que permita a manutenção de uma
infraestrutura adequada para facilitar a recirculação de notas e [de] moedas.”
Contas feitas, 77,79% da população
portuguesa dispunha de, pelo menos, um terminal a menos de um quilómetro de
distância da freguesia de residência; e 97,77%, a menos de cinco quilómetros.
No entanto, o BdP reconhecia limitações nos critérios que levaram a estes
números – como, por exemplo, o facto de as distâncias terem sido medidas em
linha reta.
No congresso da ANAFRE, de março de 2022,
foi aprovada uma moção que pedia esforços para instalar terminais ATM em todas
as freguesias do país, através da CGD, lembrando “a sua função de banco estatal
e [o] desempenho de serviço público a milhares de pessoas”. “Esta medida é de extrema
importância tanto para a qualidade de vida das populações, bem como para a sua
imperiosa segurança”, continua o texto, pois, “neste momento, existem
populações que fazem dezenas de quilómetros sem transportes públicos e, muitas
vezes, sem meios próprios para aceder a um banco ou mesmo a um terminal de
multibanco”.
Os serviços no Interior são “cada vez mais
diminutos” e este é particularmente “essencial”, sublinhava Nélio
Painha, presidente da Junta de Freguesia de Santo Amaro, em Sousel, no distrito
de Portalegre. “As
pessoas levantam quantias significativas ou não depositam a reforma que vão
buscar aos CTT. Guardam o dinheiro em casa, e isso é perigoso”, sinalizava.
Por exemplo, a freguesia da Beirã era a
única no concelho de Marvão que não tinha um multibanco. “Temos muito turismo
rural e não haver uma caixa afeta a economia da freguesia. Faz muita falta. As
pessoas mais velhas não podem ir, todos os dias, ao balcão da CGD em Marvão”,
lamentava o presidente da junta, Adelino Miguéns, que tentava resolver o
problema, sabendo que “terá de ser a junta de freguesia a suportar os custos”
de manutenção do equipamento.
Sobre esta matéria, o BdP sinalizava a
importância de introduzir “iniciativas de literacia financeira para promover o
acesso a outros meios de pagamento e a canais bancários alternativos” junto da
população não digital. Com efeito, só 8,1% dos cidadãos com 70 ou mais anos diziam
utilizar canais de pagamento digitais. Esta percentagem era de 27,6% entre os 55 e os 69 anos, bem
abaixo da média nacional de 46%. Por exemplo, o recurso a apps de
entidades bancárias e ao homebanking
é maior junto de pessoas com mais habilitações literárias e mais rendimentos. Questionados
sobre o porquê de não utilizarem as soluções digitais, 32,1% dizem que “têm
dificuldade em lidar com a tecnologia” e 16% “não confiam que seja seguro”.
Por isso, Mariano Dias considerava que “o
Estado central devia apoiar” as freguesias com acesso limitado ao dinheiro.
Poderia fazê-lo através da CGD, que tem tantos lucros. Se o fizesse, satisfaria
as necessidades das pessoas e acabaria por ter algum retorno.
Entretanto, a CGD garantia que “existem
várias localizações onde foram recentemente instalados novas caixas automáticas
através de acordos locais”. E acrescentando que tem cerca de 2500 máquinas a
funcionar em todo o país, lembrava que Portugal é dos países europeus com maior
número de multibancos por metro quadrado.
Sobre os critérios para instalar ou não o
multibanco, a CGD assestava a mira na questão da rentabilidade: “A avaliação de
eventuais novos equipamentos é efetuada de forma regular, tendo por base
transações potenciais a nível local, de forma a cobrir os custos inerentes à
operação.”
O Ministério das Finanças, apoiado num
relatório do BdP referente a 2020, observava: “Ainda que identificando riscos a
prazo, o estudo conclui que Portugal tem uma elevada cobertura do território
nacional em termos de distribuição de numerário, notando que, em média, uma
freguesia sem caixa automática ou balcão dista três quilómetros da caixa
automática.” Por outro lado, o executivo estava “disponível para trabalhar com
todos os atores envolvidos”, mas não especificava de que forma esse trabalho
poderia ser feito.
Face às dificuldades em suprimir as falhas
existentes, a ANAFRE virava-se para uma alternativa estrangeira: estabelecer um
protocolo com a empresa ATM Euronet, que tem algumas condições, ao nível do
acesso e da segurança, e até pagava às juntas para instalar os equipamentos. E fez
uma “primeira abordagem” ao fornecedor norte-americano – que esteve presente em
vários pontos do país, sobretudo em Lisboa e Porto – esperando resposta para
reunir com a empresa e contando “acelerar o projeto” a breve prazo. Porém, tal
diligência parece não ter dado o resultado pretendido e a situação é a descrita
acima, com referência ao corrente ano.
***
Como ficou dito, o problema não é novo.
Porém, agudizou-se com a dita restruturação a que procedeu a generalidade dos
bancos, através do encerramento de balcões, da dispensa de trabalhadores (causa-me
engulhos o termo colaborador, em vez de trabalhador), da criação e/ou aumento de
custos das operações bancárias ao balcão (taxa por levantamento, por transferência
e, até por depósitos), da eliminação da caderneta, do encarecimento do cheques
(praticamente não se usam), das limitações ao acesso ao extrato (e à consulta)
e do incentivo ao uso do cartão.
Já antes da reforma administrativa de
2013, se sentia a necessidade de aproximar a banca das populações e havia
localidades a grande distância da sede da respetiva freguesia, o que se agravou
com a redução do número de freguesias. Por isso, todo o esforço nesse sentido será
sempre insuficiente.
A CGD tem responsabilidades acrescidas
neste âmbito, por ser banco público, em que o erário tem injetado dos dinheiros
necessários para evitar o seu colapso, e porque tem muitos clientes de magros recursos,
com imensa fragilidade e clara iliteracia. E, como banco público, não pode
argumentar com a rentabilidade, para descurar um serviço à população. Por sua
vez, o BdP não pode argumentar que, em Portugal, não se paga taxa por levantamentos
no multibanco, pois também os Portugueses vivem com mais dificuldades do que outros
países e a banca paga uma ninharia em juros pelos depósitos a prazo.
2023.06.21 – Louro de Carvalho
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