Refere o jornal Público, de 25
de junho, que a fiscalização, no âmbito da chamada “lei das beatas”, (Lei n.º 88/2019, de 3 de setembro,
complementada pelo Decreto-Lei n.º 9/2021, de 29 de janeiro) levou à instauração de 613
processos, dos quais 162 chegaram ao fim, alegando as autoridades que a
fiscalização das infrações a esta lei é muito complicada, já que, para autuar,
o agente tem de presenciar o arremesso das beatas. Ora, se o consumo de tabaco é
prejudicial à saúde pessoal do fumador e à saúde pública, o arremesso de beata (resto
de cigarro) comporta um dano ambiental, por esta não ser biodegradável e pelo
facto de o tabaco (de que é resto) ser portador de inúmeros produtos maléficos para
o seres vivos e para o ecossistema.
Por outro lado, entrou na Assembleia da República (AR) uma proposta de
lei do Governo, para alteração da Lei n.º 63/2017, de 3 de agosto, que, no
escopo de conseguir uma geração de não fumadores, equipara o tabaco aquecido ao tabaco convencional, no
atinente a odores, a sabores e a advertências de saúde, nos termos de uma
diretiva europeia; alarga a
proibição de fumar ao ar livre, dentro do perímetro de locais de acesso ao
público ou de uso coletivo; impossibilita
a criação de novos espaços para fumadores nos recintos onde já é proibido fumar; estende a proibição da venda de
tabaco à generalidade dos locais onde é proibido fumar (o que originou críticas
e piadas), redefinindo os espaços onde é permitido instalar máquinas de venda
automática.
A indústria e
o comércio tabaqueiros alertam para o risco aumentado da entrada do tabaco no mercado
subterrâneo, mercê das restrições dos números de posto de venda. Porém, os
promotores da luta antitabaco entendem que o Governo devia ir mais longe, pois,
embora o consumo de tabaco
tenha vindo a diminuir nos últimos cinco anos, quase 17% dos
portugueses com mais de 15 anos ainda são fumadores. Cerca
de dois terços das causas de morte nos fumadores são atribuíveis ao tabaco e,
em média, o fumador vive menos 10 anos do que o não fumador. E, em 2019, terão
ocorrido, em Portugal, cerca de 13.500 óbitos devido ao tabaco.
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Será, então, desejável, por motivos de saúde e de preocupação ambiental,
promover o abandono do tabaco. Deixar de
fumar pode ser desafiante e difícil, devido à dependência física e psicológica
induzida pela nicotina. Mas o esforço vale a pena. Di-lo quem o experienciou.
Cerca de 80% dos fumadores gostariam de acabar com o vício do tabaco. No
entanto, apenas 25% aguentam mais do que uma semana.
O fumo do
tabaco é composto de compostos químicos nocivos que provocam inúmeros
malefícios para a sua saúde e para a de quem o rodeia. A nicotina, a causa do
vício, não é o componente mais nocivo do cigarro. De facto, o tabaco contém
mais de 7000 substâncias químicas, muitas das quais são tóxicas, irritantes ou
cancerígenas. E o tabagismo acelera o processo de envelhecimento, além de
causar outros efeitos nocivos no organismo, principalmente nos pulmões e nas suas
células, na pele, nos dentes e no cabelo.
Quando o
fumo do tabaco é inalado, o alcatrão pode formar uma camada pegajosa no
interior dos pulmões, que os danifica, podendo levar a cancro do pulmão, a enfisema,
ou a outros problemas pulmonares. Os cigarros e outros produtos com tabaco
podem produzir quantidades diferentes de alcatrão, dependendo do fabrico. O
fumador fica exposto a compostos químicos, como o benzeno e o formaldeído, que
têm estado ligados ao aumento no risco de vários tipos de cancro, tais como a
leucemia e o cancro dos seios perinasais, da cavidade nasal e da nasofaringe.
Quanto à
pele, o tabaco provoca alterações na quantidade e qualidade do colagénio e da
elastina.
Afeta a circulação,
porque o oxigénio não é bombeado através dos vasos sanguíneos tão facilmente
como num não fumador, o que resulta em pele sem vida e baça.
Em relação aos
dentes, é de referir que o alcatrão é uma substância pegajosa de cor castanha
que mancha os dentes dos fumadores. Além disso, as glândulas salivares dos
fumadores sofrem mais facilmente inflamações, o que reduz a produção de saliva.
Assim sendo, o cigarro torna a boca mais seca e o ambiente oral mais propício
para o desenvolvimento de cáries.
Alguns dos efeitos
associados ao tabaco nos dentes e nos tecidos de apoio são: a halitose, a doença
periodontal, a perda de dentes e várias manchas.
No atinente
ao cabelo, os compostos químicos do tabaco impactam negativamente a circulação
sanguínea, que, se insuficiente, ao nível do escalpe, pode levar à perda de
cabelo.
A médio
prazo, a cessação tabágica diminui o risco de inúmeras doenças, de que se
destacam: o cancro de pulmão (e outras formas de cancro), a doença pulmonar
obstrutiva crónica (DPOC), a doença coronária e a doença cerebrovascular e o envelhecimento
da pele.
Além
disso, melhora a saúde geral e diminui o risco de morte prematura. E
os benefícios começam assim que se apagar o último cigarro. Por exemplo: após
oito horas, os níveis de monóxido de carbono (CO) no sangue reduzem; em 72
horas, a capacidade pulmonar e a respiração melhoram; um ano depois, o risco de
doença cardiovascular desce para metade; após cinco a 15 anos de abstinência, o
risco de acidente vascular cerebral (AVC), de neoplasias e de DPOC é igual à do
não fumador; após 15 anos, o risco de doença cardiovascular é igual ao do não
fumador (quando comparada a idade e o sexo); e, progressivamente, deixa de
haver tosse e expetoração pela manhã, melhoram o paladar e o olfato, bem como a
pele e o hálito. Desaparece o cheiro na roupa. E, de uma forma geral, sente-se mais energia e melhor bem-estar.
A nicotina
provoca dependência física e psicológica, podendo a sua ausência provocar uma série
de sintomas difíceis, como dificuldade de concentração, insónias, ansiedade, irritabilidade
e aumento de apetite. Os sintomas mais intensos da cessação tabágica podem durar
entre dias a semanas, mas o desejo de fumar um cigarro pode durar mais tempo.
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Antes
iniciar um processo de cessação tabágica, interessa avaliar dois parâmetros: o grau
de dependência da nicotina e o grau de motivação. Através do teste de
Fagerström (psicólogo e especialista antitabagismo) é possível classificar a dependência em três graus:
ligeiro, moderado ou grave. É avaliado o hábito tabágico (hora de fumo do
primeiro cigarro, número de cigarros,
quais os mais difíceis de deixar de fumar e se a pessoa fuma, inclusive, quando
doente. Para avaliar a motivação – um dos itens mais importantes para deixar de
fumar –, deve questionar-se quando se pretende deixar de fumar a médio prazo e
se já se já fez alguma tentativa.
Há opções
terapêuticas que ajudam a lidar com os sintomas de privação de nicotina, que
devem ser utilizadas com acompanhamento médico e personalizado às necessidades
de cada um. É o caso dos substitutos de nicotina, que podem ser tomados via
oral (pastilhas, comprimidos, gomas, películas orodispersíveis e spray bucal)
ou transdérmica (adesivos), com diferentes dosagens adaptadas aos sintomas de
privação e utilizadas de forma personalizada, fornecendo a nicotina obtida ao
fumar um cigarro; e o da terapêutica
farmacológica, prescrita por médico, para de oito a 12 semanas, que
diminui os sintomas de privação e a vontade de fumar.
Deixar de
fumar sem ajuda personalizada é difícil. A taxa de sucesso é reduzida (cerca de
3%), já que os sintomas de privação podem ser intensos. Por isso, é
aconselhável o acompanhamento em consulta especializada. Contudo, quem
desejar fazê-lo sozinho pode deixar de fumar de um dia para o outro,
estabelecendo o momento para deixar o vício, ou escolher parar gradualmente,
reduzindo progressivamente o número de cigarros diários. Não há soluções mágicas
para deixar de fumar natural ou rapidamente. É necessária a perseverança e a
consciência de que não é fácil. A Direção-Geral da Saúde (DGS) dá algumas
recomendações oportunas.
É conveniente fazer uma preparação, listando os motivos para deixar de
fumar (economia, saúde, trabalho, etc.),
analisando o seu perfil de fumador (quantos cigarros por dia, há quantos anos e
quais dão mais prazer e quais os mais difíceis de retirar), fixando uma data e
partilhando a decisão, bem como começar a reduzir o número de cigarros. E, no dia aprazado, é conveniente retirar todos
os objetos relacionados com o hábito, em casa, no trabalho e no automóvel.
Haverá
momentos em que o desejo de fumar será enorme, mas durarão só alguns minutos e
serão cada vez menos frequentes. Por isso, há que aprender técnicas de
relaxamento e de controlo da respiração; manipular objetos parecidos (como uma
caneta); mastigar uma pastilha; ou comer uma peça de fruta. Se a ideia de fumar
surgir, há que direcionar o pensamento para os benefícios de deixar o hábito.
Pode ser boa altura para rever a lista das motivações.
É conveniente praticar, regularmente, exercício físico, para evitar o
aumento de peso, decorrente da cessação tabágica, e a ansiedade, bem como fazer
uma alimentação saudável e reduzir o café e as bebidas alcoólicas (hábitos associados
ao tabaco), ingerindo fruta e
legumes e evitando os açúcares e as gorduras. Há que evitar as tentações, não se aproximando de fumadores e deixando
atividades que levem ao ato de fumar, pois fumar um cigarro contribui
para a recaída.
Por fim, é
de fazer uma poupança, pondo um frasco transparente num local visível e
depositar o dinheiro que se costumava gastar diária ou semanalmente em tabaco. Ver
a poupança constitui prémio para o esforço e pode ocasionar a viagem que sempre
de quis fazer.
Se voltar a fumar, é de te em conta que as recaídas fazem parte do processo de mudança, pelo que, se tal acontecer,
é de voltar a tentar e pedir ajuda a um profissional especializado.
Além dos fármacos,
há tratamentos alternativos, como a hipnose
ou a acupuntura, que não são ainda reconhecidos pela comunidade médica,
por não haver estudos com evidência científica que comprove a sua eficácia.
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Nunca é
tarde demais para deixar de fumar. Ao conseguir, pode-se usufruir dos benefícios da
libertação do tabaco. Quando se utiliza um medicamento de terapia de
substituição da nicotina (TSN), evita-se a exposição à acetona, solvente
inflamável utilizado no removedor de verniz de unhas; ao arsénico, veneno para
formigas; ao benzeno, muito utilizado na indústria química e que se encontra
nas emissões de veículos e em vapores da gasolina; ao formaldeído (tipo de álcool
tóxico), utilizado para destruir germes e para
preservar tecidos e amostras de laboratório, bem como no fabrico de materiais
de construção, tais como madeira, colas, tecidos, tintas, fertilizantes, pesticidas
e outras substâncias); e ao alcatrão, que resulta sobretudo da má secagem da
folha.
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E
a contraindicação do fumo aplica-se ao tabaco tradicional e ao aquecido
(eletrónico).
Há
três mitos em prol do cigarro eletrónico que urge desfazer: “como o fumo não vem da combustão não afeta a
boca”; “as gengivas ficam mais saudáveis do que com o outro tabaco”; e “há menos
mortes associadas ao tabaco aquecido”.
É verdade que não há combustão no
tabaco aquecido. Porém, também este é portador de substâncias
nefastas que alteram o pH da boca
e, por consequência, a atividade das bactérias que aí habitam. Além disso,
conduz à diminuição da saliva disponível. Assim, o fumador fica mais
desprotegido contra cáries dentárias e contra outros problemas.
Havia
a esperança de encontrar um novo tratamento revolucionário contra a gengivite e
contra a periodontite. Todavia, a ciência mostra o contrário. A
nicotina e outras substâncias que há no tabaco aquecido são
uma das principais causas das doenças das gengivas, só que as esconde:
o fumo do tabaco, aquecido ou outro, provoca alterações na parte vascular das
gengivas, o que faz com que ocorra menos sangramento, um dos principais sinais
da periodontite.
E,
como comercialização massiva dos cigarros eletrónicos é recente, não há lastro suficiente para se
comparar a taxa de mortalidade associada ao tabaco aquecido à do cigarro
tradicional.
O que a ciência mostra é que o cigarro eletrónico tem impacto negativo no
sistema respiratório. Foram encontradas altas
concentrações de substâncias como material particulado (poluente), alcatrão,
acetaldeído, acrilamida e metabolito da acroleína (cancerígenos). E o
formaldeído encontra-se em maiores quantidades em tabaco aquecido do que no convencional.
É, pois, urgente
deixar de fumar. Eu deixei, sem esforço, há 23 anos.
2023.06.25 –
Louro de Carvalho
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