Apesar da dificuldade criada pelos enormes estragos
decorrentes da explosão da barragem de Nova
Khakovka, a prometida contraofensiva ucraniana
ganha velocidade e com boas perspetivas. A prioridade tática será dividir a
ocupação russa em dois flancos.
Segundo os analistas, a contraofensiva começou bem e está em bom ritmo. Os Ucranianos,
que mostram conhecer o terreno, ambicionam progredir até Mariupol e, mesmo, à
Crimeia, para o que tentam quebrar ao meio, em dois flancos, as defesas russas,
que tiveram, sensivelmente, meio ano para se entrincheirarem. Ao mesmo tempo
jogam com a informação.
Harry Halem, investigador principal do Instituto Yorktown norte-americano,
dedicado à Defesa, considera que a Ucrânia está a desenvolver a segunda fase da
operação da contraofensiva, que é de sondagem, tendo a primeira sido de modelamento.
No entanto, é cedo para falar em resultados significativos. Em todo o caso,
embora as autoridades russas assegurem que lograram repelir todos os ataques,
as forças de Kiev afirmam ter libertado sete localidades: Neskuchne,
Storozheve, Blahodatne e Makarivka, em Donetsk; e Novodarivka, Lobkovo e
Levadne, na linha de Zaporíjia. É a guerra da informação e da contrainformação!
Daniel Fried, antigo diretor do Conselho de Segurança Nacional
norte-americano, admite que pode ser “muito cedo” para julgar a contraofensiva,
mas que os Russos parecem apreensivos, enquanto os Ucranianos falam pouco. E Harry
Halem observa que o objetivo da Ucrânia, neste momento de sondagem, é manipular
um desdobramento das reservas russas e manter as suas reservas livres, “até que
o esforço principal se comece a desenhar no terreno”.
Segundo Kelly Grieco, investigadora de Defesa no Reimagining US Grand
Strategy Program, do think tank Stimson
Center, “as forças da Ucrânia estão a sondar a linha defensiva russa, tentando
identificar os pontos mais fracos”, sendo que “os Russos também revelam as suas
posições e táticas defensivas aos Ucranianos”. Com efeito, as linhas russas na
Ucrânia não foram elaboradas de forma contínua, são irregulares e até mal
geridas. Respondendo às ameaças com que se deparam, as autoridades russas comprometem
forças que não podem ser facilmente deslocadas, à medida que se altera o campo
de batalha e que há avanços em outros lugares.
Portanto, enquanto pode ocorrer a sobrecarga das tropas de Moscovo, as
forças de Kiev serão mais poupadas. Como aponta Harry Halem, “quanto mais as
forças ucranianas puderem avançar sem o apoio das suas unidades mais pesadas […],
mais a Ucrânia poderá forçar a Rússia a usar um setor valioso e reservas
estratégicas, antes que o esforço principal da contraofensiva comece”.
As localidades tomadas às tropas russas, situadas a cerca de 130 km de
Mariupol, cidade ocupada e destruída pelo Exército de Moscovo, em 2022, constituem
uma vitória mais psicológica do que estratégica. Na verdade, aquelas aldeias não
são estrategicamente importantes, mas os Ucranianos sentem-se confortados com estes
progressos. Por sua vez, os militares russos fortaleceram a defesa na região e
terão feito explodir duas barragens menores, em Donestk e em Zaporíjia, para retardar
a contraofensiva. Todavia, a Ucrânia, ao conseguir, de momento, estas pequenas
vitórias, revê-se neste avanço, que é o mais rápido em cerca de sete meses,
muito embora não se possa falar de avanço rápido contra as defesas russas.
Terminada esta fase de sondagem, em que nada está a ser feito ao acaso, a Ucrânia
poderá focar-se em ataques com maior potencial de êxito, por exemplo ligar
Bakhmut a Melitopol ou a Mariupol. Presentemente, a área mais promissora para a
Ucrânia é o Leste de Donetsk. E Mark Cancian, antigo conselheiro do Departamento
de Defesa norte-americano, pensa numa região em particular: “Os ataques em
Zaporíjia são expectáveis, porque asseguram a possibilidade de atravessar o Mar
Negro e dividir a ocupação russa em duas. […] Ataques em outras áreas como
Bakhmut são inesperados, por causa da aparente força russa na área.”
Os passos dados até agora podem prenunciar um movimento mais estratégico
dos Ucranianos na direção de Mariupol, pois, atingirem Mariupol – na costa
norte do Mar de Azov –, poderão cortar a ponte terrestre criada pelos Russos,
que liga as áreas ocupadas do Donbas à Crimeia. A acontecer isso, constituirá
uma grande vitória ucraniana.
Quanto à estratégia das Forças Armadas Russas, do que se conhece,
conclui-se que se trata duma abordagem em camadas: implantar uma linha de
defesa escassamente liderada e gerida, para detetar um ataque, mas com a
consciência de que a linha será perfurada; atrás dessa linha estão densos
campos minados e extensas trincheiras; e, mais atrás, ficam os reforços, que
avançariam para atacar as tropas ucranianas enquanto, tentam cruzar a segunda
linha de defesa.
Qualquer vitória tem a sua relevância. E o facto de as forças russas terem
de ceder território, depois de mais de seis meses a preparar as defesas, é significativo,
com a contraofensiva a mostrar a enormidade da tarefa das forças russas, que é
defender as suas conquistas ilícitas.
As novidades transmitidas por Kiev são cautelosas, pois a dimensão das
batalhas só é conhecida em retrospetiva. Porém, os analistas dizem que a
operação ucraniana “está a ganhar velocidade”, pelo que “as perspetivas são
realmente boas”. A Ucrânia recorrerá a várias fintas e armadilhas, para amarrar
as forças russas a áreas de menor relevância, disfarçando as suas intenções. É
uma forma de maximizar a possibilidade de rutura e de levar ao colapso as
linhas de defesa russas.
Para John Spencer, conselheiro de Estudos de Guerra Urbana do think tank Madison Policy Forum, em Nova Iorque, sete
localidades reconquistadas em menos de uma semana são sinais auspiciosos, por
serem “ganhos territoriais importantes” e mostrarem que, “com o compromisso de
apenas uma pequena parte das forças alocadas para a contraofensiva, a Ucrânia
está a ganhar”. O ritmo é bom, porque a Ucrânia não quer ter grandes derrotas,
e aumentará, logo que Kiev decida lançar as principais forças da
contraofensiva. As forças ucranianas, além de estarem a mover-se rapidamente,
têm melhores equipamentos, sólido treino e mais motivação.
Apesar de o equilíbrio de forças pender ligeiramente para o lado dos
russos, o aumento das fileiras de soldados bem treinados, a grande motivação de
Kiev e a sua capacidade de concentrar forças, repentina e imprevisivelmente,
fornecem à Ucrânia perspetivas reais de uma vitória. Para Harry Halem, a
diferença reside na competência operacional, já que o equilíbrio de forças na
frente é relativamente uniforme.
Segundo a agência de notícias russa TASS,
Kiev terá perdido mais de 3700 combatentes, além dos prejuízos materiais, por
exemplo em tanques e em, pelo menos, 16 veículos blindados dos Estados Unidos
da América (EUA). As secretas britânicas dizem que as baixas têm sido muito
exageradas pela narrativa russa (a contrainformação funciona), embora a Ucrânia
se debata com falta de pessoal e de equipamentos (os fornecidos pelo Ocidente
estão abaixo do desejável).
A recusa de Yevgeny Viktorovich Prigozhin, oligarca russo e confidente de
Vladimir Putin, em assinar
contratos com o Ministério da Defesa russo marca o mais recente diferendo entre
o líder do Grupo Wagner e o Exército regular. Segundo Kelly Grieco, o principal
óbice do líder dos mercenários prende-se com a exigência de os grupos de
voluntários assinarem, diretamente, acordos com o Ministério. Prigozhin não
quer o seu grupo sob o controlo do Ministério da Defesa, e o decreto que sai 15
meses após o início da guerra parece uma jogada para colocar Prigozhin sob o
seu domínio. É, porém, improvável que o Grupo Wagner abandone a guerra, porque
a sua participação nela é o que lhe dá uma posição.
Embora o grupo de mercenários capte muita atenção mediática, é parte
pequena das forças russas. O Grupo Wagner tem entre 10 mil e 20 mil soldados, no
total de cerca de 300 mil das forças russas. E, devido a essa recusa, o
Ministério da Defesa russo, como anunciou, a 12 de junho, assinou contrato com
o grupo Akhmat (forças especiais chechenas).
A Rússia sofreu grandes perdas com os seus ataques malsucedidos, na
primavera, o que a contraofensiva ucraniana em curso expõe, quando Moscovo está
a braços com escassez crescente de mão-de-obra. A “Bloomberg” informou,
em março, que o Kremlin tencionava recrutar 400 mil soldados, este ano, mas
Dimitri Medvedev, ex-presidente e atual vice-presidente do Conselho de
Segurança da Rússia, admitiu, em maio, que ingressaram nas Forças Armadas só
117 mil homens. A este ritmo, Moscovo só obterá, neste ano, cerca de metade dos
recrutas que procura.
As secretas da Estónia preveem que Moscovo inicie nova mobilização em
breve, e a edição mais recente da revista do Ministério da Defesa russo incluía
um artigo de Yevhen Burdinsky, chefe do Departamento de Mobilização do
Estado-Maior da Rússia, com pormenores do processo de mobilização, nomeadamente
os seus grandes desafios, e com referência ao facto de o Ministério da Defesa ter
planeado, com o Ministério do Interior, ampla campanha de recrutamento para
2023. Em todo o caso, o Kremlin parece temer que a mobilização desencadeie uma
reação política interna, pelo que, em vez de outra mobilização, lançou uma
extensa campanha publicitária para recrutas militares, campanha que não terá
sido muito bem-sucedida.
Se a guerra não terminar em breve, será necessária outra ronda de
mobilização militar, mas os efeitos políticos serão potencialmente desastrosos.
Uma derrota poderia acelerar a nova vaga de mobilização, mas Moscovo fará tudo para
o evitar. De facto, como assegura John Spencer, a Rússia tem os militares com
que pode lutar, não havendo um passo mágico que dê para aumentar as suas Forças
Armadas na Ucrânia. Ao invés, para Harry Halem, uma derrota significativa das
tropas de Moscovo, durante a contraofensiva, motivaria nova mobilização.
Por outro lado, quanto mais bem-sucedida for a iniciativa ucraniana, mais aumentarão
os riscos de escalada, sobretudo se acontecer e tiver êxito a aguardada
incursão até à Crimeia. Essa escalada, com a destruição da barragem de Nova
Khakovka, torna-se difícil, mas a Ucrânia está disposta a correr o risco, até
porque não tem escolha, se quer libertar os territórios ocupados pelos russos.
E, para o efeito, a contraofensiva que, se iniciou antes dos fins de maio,
conta com 48 mil soldados na linha da frente, ou seja, cerca de 12 unidades de
combate, das quais nove foram treinadas pelos EUA ou pelos aliados da Organização
do Tratado do Atlântico Norte (NATO).
***
Entretanto, o presidente russo, a
13 de junho, disse acreditar que, apenas durante a contraofensiva, a Ucrânia
perdeu entre 25 e 30% dos veículos militares fornecidos a Kiev pelos países
ocidentais e que as baixas ucranianas foram 10 vezes superiores às russas.
Considerou que a Rússia tem de combater agentes inimigos e melhorar as suas
defesas contra ataques, dentro do próprio território, mas defendeu não haver
necessidade de seguir o exemplo da Ucrânia e declarar um regime especial ou lei
marcial no país. E, sobre as necessidades de recrutamento de militares, ponderou:
“Algumas figuras públicas dizem que precisamos de um milhão ou dois milhões.
Depende do que queremos.” Porém,
ameaçou que, se a Ucrânia continuar com os ataques
na fronteira, a Rússia criará o que chamou de “zona sanitária” no território do
país vizinho, “a uma distância tal que será impossível atingir o nosso
território”. Isso acontecerá sobretudo na região de Belgorod, em que a
fronteira entre os dois países é de 5400 Km.
Também anunciou, num encontro televisivo
com correspondentes de guerra russos, que a Rússia está a considerar abandonar
o acordo sobre a exportação de cereais ucranianos, porque não foram respeitadas
as cláusulas sobre a exportação de fertilizantes russos, pois Kiev utiliza os
corredores marítimos previstos no acordo para atacar a frota russa com drones.
Por sua vez, o presidente bielorrusso
ameaçou usar armas nucleares se o seu território for atacado.
Enfim, uma guerra que está para lavar e durar!
2023.06.13 – Louro de Carvalho
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