O líder do
grupo paramilitar Wagner, Yevgeny Prigozhin, anunciou, a 23 de junho, uma
rebelião contra o Ministério da Defesa da Rússia, com o argumento de que, ao
invés do que sustenta o presidente russo, Vladimir Putin, “a guerra não era
necessária, para desmilitarizar ou desnazificar a Ucrânia”, e que o objetivo
não era proteger os Russófonos do Leste do país. Por consequência, acabara de
convocar os seus 25 mil mercenários para uma revolta e apelou aos Russos a que
se juntem a eles numa “marcha pela justiça”.
“Somos 25 mil e vamos descobrir os motivos do caos que está a acontecer no
nosso país – declarou Yevgeny Prigozhin – [e] aqueles que destruíram a vida de
dez milhares de soldados vão ser punidos.” O líder do grupo paramilitar
declarou que a força aérea russa recebeu ordens para atacar as colunas do grupo
Wagner que se deslocavam de território ucraniano para Rostov. O alegado
bombardeamento terá ocorrido na sequência de Prigozhin ter acusado os líderes
militares russos de terem enganado Vladimir Putin, para que este se decidisse
pela invasão da Ucrânia.
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O grupo Wagner é uma
organização paramilitar privada russa, fundada em 2014, com uma rede semioficial
de mercenários, com fortes ligações ao governo russo que atua em várias
regiões pelo mundo, principalmente no Leste da Ucrânia (Donbass), na Síria e
na África. Há, porém, alguns que o descrevem como um grupo de fachada
do Departamento Central de Inteligência (GRU) das Forças Armadas Russas,
utilizado como braço de apoio em conflitos onde a Rússia está empenhada, mas
não abertamente, e como forma de encobrir o número de baixas e de custos
financeiros da população russa, ou seja, para fazer a guerra por procuração.
O grupo, que
recebeu equipamento das Forças Armadas Russas e usa instalações das mesmas, tem
operado e sido financiado sob a batuta de Yevgeny Prigozhin, oligarca
russo e, até agora, confidente pessoal do presidente russo. Acusado de
cometer crimes de guerra, que incluem saques e estupros de civis, tortura
e execução sumária de supostos desertores – além de, frequentemente,
recrutar neonazis para as suas fileiras – vem recrutando, principalmente,
veteranos e ex-membros das Forças Armadas Russas, bem como estrangeiros, como
Sérvios, Ucranianos (sobretudo Russófonos do Donbass), Árabes e Líbios.
Antes
da invasão da Ucrânia pela Rússia, em 2022, o grupo tinha um efetivo
cerca de oito mil tropas. Porém, devido a falta de pessoal e de altas baixas,
durante a invasão, Wagner começou a recrutar presidiários em suas fileiras. De
acordo com John Kirby, oficial do Pentágono, em dezembro 2022 o grupo
operava com 50 mil mercenários na Ucrânia, sendo dez mil contratados e 40
mil ex-prisioneiros (a cada um destes fora prometida a abolição da pena e um financiamento
mensal de cem mil rublos. Porém, o grupo ganhou inegável notoriedade pelo
papel de protagonismo em ofensivas e conquistas no Leste ucraniano.
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Com a
crescente promoção do pensamento único em torno da “operação militar especial”
na Ucrânia e com o concomitante cerceamento da liberdade de opinião – agudizado
com o início de mais um julgamento de Alexei Navalny, o mais conhecido rosto da
oposição política russa –, terá chegado a vez da rebelião do grupo Wagner.
Efetivamente, Navalny cumpre pena de prisão, depois
de ter sido detido, ao regressar à Rússia, vindo da Alemanha, onde foi tratado
depois de envenenamento. E o julgamento, ora iniciado, poder redundar em 30
anos de prisão, a somar aos 11 pelos quais já está a cumprir pena.
Porém, há um
outro fator de discórdia: Prigozhin acusa o Exército russo de atacar
acampamentos dos seus mercenários, causando “um número muito grande de vítimas”,
o que é negado pelo Ministério da Defesa da Rússia.
Iniciada a rebelião, a procuradoria-geral da Rússia abriu um processo criminal
contra Prigozhin e está a investigá-lo por “incitamento a motim”. E os serviços
de segurança russos revelaram que ele pode enfrentar “prisão iminente”. Ao
mesmo tempo, Vladimir Putin, em discurso ao povo russo, fala de traição, que
não perdoará a quantos pegarem em armas, e promete impedir, a todo o transe, a guerra
civil.
Em resposta, o líder do grupo nega a acusação de “traição”, assegura que os
seus combatentes “não se renderão” e promete que, em breve, “teremos novo
presidente”.
Porém, vários políticos, nomeadamente, deputados e líderes regionais,
apoiaram a mensagem do presidente russo ao país. Entre eles, estão os líderes
das regiões ucranianas anexadas da Crimeia e de Donetsk, os presidentes da
câmara baixa e da câmara alta russas e o governador da região fronteiriça de
Kursk.
Por seu turno, o empresário exilado Mikhail Khodorkovsky, opositor de
Putin, declarou que é o momento de ajudar o grupo Wagner contra este regime
diabólico.
Entretanto, o grupo Wagner já controla as instalações militares e o
aeródromo de Rostov, cidade-chave para o ataque da Rússia à Ucrânia, e
assegurou que, apesar dos bombardeamentos russos, os aviões militares
envolvidos na invasão da Ucrânia estão “a partir normalmente” do aeródromo e a
realizar “tarefas de combate”.
Também foram tomadas as instalações militares em Voronej, como anunciou o
grupo na plataforma de mensagens Telegram,
vincando: “O exército passa para o lado do povo.”
A cidade e a região de Moscovo, bem como a região de Voronej, introduziram
o regime de operações antiterroristas, “prevenir eventuais atentados”. Os
museus encerraram e foi declarado o dia 26 como dia sem trabalho.
As autoridades russas exortaram os combatentes do grupo Wagner a que detivessem
o líder e asseguraram que garantirão a segurança de todos os membros que se
dissociem do que julgam ser uma “aventura criminosa” de Prigozhin.
Ao mesmo tempo, a Rússia bloqueou mais de 300 quilómetros da estrada
entre Rostov e Moscovo, através da cidade de Voronej, para impedir que os
membros do grupo Wagner cheguem à capital russa. Contudo, os rebeldes estão
cada vez mais próximos da cidade do Kremlin. Dificilmente, o clima de tensão
não descambará em guerra civil, a menos que o poder russo se distraia da
Ucrânia e concentre na jugulação da revolta – situação a que o dito Ocidente está
a assistir com muito ceticismo e até passividade.
Os Estados Unidos da América (EUA), a Comissão Europeia, o Conselho Europeu
e a Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO) garantem estar a
acompanhar de perto a rebelião, mas os EUA falam em revolta de um “líder
implacável e sedento de poder” na Rússia.
O Presidente ucraniano reagiu à tomada da cidade de Rostov e
considerou-a um exemplo da autodestruição da Rússia, na sequência de ter
decidido invadir a Ucrânia. E disse que o país recorre a propaganda “para
mascarar a fraqueza e a estupidez do seu governo”.
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Face aos recentes
desenvolvimentos, os ministros dos Negócios Estrangeiros do G7 (Alemanha,
Canadá, EUA, França, Itália, Japão e Reino Unido) reuniram-se, a 24 de junho,
para “trocar pontos de vista sobre a situação na Rússia”, devido à rebelião do
grupo mercenário Wagner contra o alto comando militar russo, anunciou o chefe
da diplomacia da União Europeia (UE).
“Tive uma
conversa telefónica com os ministros dos Negócios Estrangeiros do G7, para
trocar pontos de vista sobre a situação na Rússia”, declarou o Alto
Representante para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, Josep
Borrell, na sua conta do Twitter.
Sobre as
conversações com os diplomatas do G7, Borrell indicou estar a desenvolver um
trabalho de coordenação na UE, para lidar com a situação e informou que ativou
o “centro de resposta a crises” da UE, antes da realização do Conselho de
Negócios Estrangeiros, a 26 de junho.
O líder da
diplomacia europeia concluiu a sua mensagem com a confirmação de que o apoio da
UE à Ucrânia “permanece inabalável”.
Em
Washington, o porta-voz do Departamento de Estado, Matthew Miller, afirmou que os
EUA permanecerão “em estreita coordenação” com seus aliados sobre a situação na
Rússia, após a interação ao nível do G7. “Os Estados Unidos permanecerão em
estreita coordenação com seus aliados e parceiros à medida que a situação
evolui”, o que “não muda em nada” o apoio à Ucrânia, frisou Miller.
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Em suma, o
chefe do grupo Wagner reivindicou a ocupação de Rostov, cidade-chave no sul da
Rússia para guerra na Ucrânia, e apelou a uma rebelião contra o comando militar
russo, que acusou de atacar os seus combatentes. O presidente da Rússia
qualificou a ação do grupo paramilitar de rebelião, afirmando tratar-se de uma “ameaça
mortal” ao Estado russo e uma traição, garantindo que não vai deixar acontecer
uma “guerra civil”.
As acusações
de Prigozhin expõem profundas tensões dentro das forças de Moscovo, em relação à
ofensiva na Ucrânia, e desmistificam o propósito que justificou a invasão
russa, sustentando que não era necessária a desmilitarização e desnazificação
da Ucrânia e que o objetivo não era proteger os Russófonos do Leste da Ucrânia.
As tensões
atingiram o rubro na Rússia. Recep Erdogan, presidente da Turquia, manifestou,
por telefone, apoio a Putin, mas sem declarações públicas. E o presidente
russo, em pânico, mudou-se para S. Petersburgo, numa aeronave, o Tupolev Tu-214PU. Seria, pois, natural que os países do dito Ocidente aproveitassem
a ocasião para acionarem as vias da diplomacia, com todos os seus recursos e argumentos,
em prol de negociações que desembocassem num urgente acordo de paz. É uma oportunidade
desperdiçada, que dá a entender que nenhum dos grandes países ou organizações internacionais
quer verdadeiramente deixar a guerra. Era preciso começar a falar de paz, mas,
agora, é a ocasião propícia. Uma rebelião – não devia ser necessária – poderia
estar a conseguir o que, até agora, a diplomacia e as sanções não conseguiram.
Só espero
que a presidente do Parlamento Europeu, a Senhora Roberta Metsola, não me mande, desavergonhadamente, a mim – que não
sou deputado do Partido Comunista Português, nem de outro partido com assento parlamentar
– dizer estas coisas no Parlamento ucraniano.
A Rússia fez
mal em invadir Ucrânia, em 2022, como fez mal, em 2014, ao anexar a Crimeia (então
não se reagiu como agora). Porém, o Ocidente não pode esquecer que ultrapassou
as malhas da ambição, ao estender para Leste a sua influência defensiva,
securitária e económica, bem como, agora, em se empenhar a falar mais de paz do
que de guerra. Atrás das sanções, fez seguir armas e combatentes. Enfim!
2023.06.24 –
Louro de Carvalho
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