O Comunicado do Conselho de Ministros de 15 de junho
de 2023 refere que o Conselho aprovou, naquele dia, a proposta de lei, a submeter à
Assembleia da República (AR), que adapta os estatutos de 12 ordens
profissionais ao previsto no regime jurídico de criação, organização e
funcionamento das associações públicas profissionais.
No
quadro da reforma das ordens profissionais, o diploma adapta os estatutos da
Ordem dos Médicos Dentistas, da Ordem dos Médicos, da Ordem dos Engenheiros, da
Ordem dos Notários, da Ordem dos Enfermeiros, da Ordem dos Economistas, da Ordem
dos Arquitetos, da Ordem dos Engenheiros Técnicos, da Ordem dos Farmacêuticos, da
Ordem dos Advogados, da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas e da Ordem dos
Solicitadores e dos Agentes de Execução.
O
objetivo é, segundo o governo, eliminar restrições de acesso às profissões e
melhorar as condições de concorrência, processo iniciado com a entrada em vigor
da Lei n.º 12/2023, de 28 de março, tendo sido auscultadas, para o efeito, todas
as entidades relevantes para o processo.
Por
outro lado, o Conselho de Ministros apreciou, em leitura final, a proposta, já aprovada
em maio, relativa às restantes oito ordens profissionais (Ordem dos Médicos Veterinários, Ordem dos Biólogos,
Ordem dos Contabilistas Certificados, Ordem dos Psicólogos Portugueses, Ordem
dos Nutricionistas, Ordem dos Despachantes Oficiais, Ordem dos Assistentes
Sociais e Ordem dos Fisioterapeutas), tendo determinado a agregação,
numa única Proposta de Lei, das alterações aos estatutos das 20 ordens
profissionais existentes.
Esta
medida do governo vem na sequência da vigência da Lei n.º 12/2023, de 28 de
março, que introduz alterações significativas à Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro, estabelece o regime jurídico
de criação, organização e funcionamento das associações públicas profissionais.
Já essa alteração legislativa
mereceu grande contestação das ordens profissionais e o próprio Presidente da
República (PR) suscitou a fiscalização preventiva da constitucionalidade do decreto
da AR, apresentando alguns argumentos (e podendo ter apresentado outros, mas
sem o fazer) que o Tribunal Constitucional (TC) não acolheu. Já tive ocasião de
o referir e de o especificar.
É, pois, natural que a lei que
adapta os estatutos de cada ordem profissional à nova lei-quadro seja passível
de contestação de igual volume, cabendo à AR dar ou não seguimento à proposta
do governo ou acolher, no todo ou em parte, a contestação. Porém, se acolher as
vozes da contestação, a não ser em pormenores pouco relevantes, incorre em situação
de incongruência com a lei que, em tempo, aprovou, ficando diminuída a autoridade
do Estado.
Ao longo das
últimas semanas, vozes representativas das associações públicas profissionais
criticaram o que têm por ingerência e ataque violento do governo às ordens
profissionais.
Ana Rita
Cavaco, bastonária da Ordem dos Enfermeiros, levantando dúvidas ao que diz ser “uma
espécie de PIDE” dentro destas associações, diz que está
em causa, sobretudo “uma questão muito ideológica” do governo, que “não gosta
das ordens profissionais”. Entendendo que “nenhum governo gosta”, sustenta que “este,
em particular, mostra muito mais tiques ditatoriais, que se notam mais, depois
da maioria absoluta”.
Diz a
bastonária que as alterações surgem na sequência de um alerta da Comissão
Europeia relativamente ao Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). A coberto
desse alerta, o governo introduziu uma série de alterações que lhe permitem controlar
as ordens, nomeadamente o órgão de supervisão, que será uma espécie de PIDE.
Segundo Rita
Cavaco, se esse órgão ficar com as competências que estão a definir nos estatutos,
terá mais poderes do que o conselho diretivo. São pessoas externas, que têm de
ser pagas com o dinheiro dos profissionais e que não percebem nada, do ponto de
vista técnico, científico e deontológico, das regras que se aplicam à
profissão, mas que estarão ali “a fazer de polícias políticos”. No caso da Ordem dos Enfermeiros, a convicção foi de que “as negociações
com o governo não iam dar em nada” ou podiam correr muito bem, mas, como o Partido
Socialista (PS) tem maioria absoluta, sempre aprovaria o que entendesse.
O comunicado
de 15 de junho frisa que o diploma visa “eliminar restrições de acesso às
profissões e melhorar as condições de concorrência, processo iniciado com a
entrada em vigor da lei”, publicada em março, que altera o regime jurídico de
criação, organização e funcionamento das associações públicas profissionais e o
regime jurídico da constituição e funcionamento das sociedades de profissionais
que estejam sujeitas a associações públicas profissionais. E salienta- que
foram auscultadas “todas as entidades relevantes para o processo”. Porém, as
ordens não se reveem na lei e esquecem que as audições não são vinculativas
Para lá da
Ordem dos Enfermeiros, também as dos Médicos, dos Contabilistas Certificados e dos
Advogados contestaram as alterações aos estatutos propostas pelo governo.
Os novos
estatutos foram aprovados um dia depois de ser conhecida a demissão do
coordenador da Comissão para a Reforma da Saúde Pública, Mário Jorge Neves, em
desacordo quanto aos novos estatutos da Ordem dos Médicos. Na carta de demissão,
enviada a 13 de junho, à secretária de Estado da Promoção da Saúde, o médico demissionário
considerou que os novos estatutos propostos pelo governo são uma “violenta e
escandalosa tentativa de liquidação de elementares competências legais da Ordem
dos Médicos e de ingerência política e governativa na autonomia e independência
técnico-científica da profissão médica”.
Para o
Ministério da Saúde, a proposta legislativa não altera o modelo de formação
médica, não modifica o papel central do Serviço Nacional de Saúde (SNS), nem a
especificidade da intervenção dos médicos e da sua ordem profissional. Já o
bastonário da Ordem dos Médicos (OM), Carlos Cortes, disse, anteriormente, que
a Ordem “precisa de ser uma instituição autónoma e independente do poder
político”, para cumprir, na plenitude, a sua missão de “garantir a segurança
dos utentes e oferecer os melhores cuidados de saúde”.
Uma das
vozes que mais se fez ouvir, antes da aprovação do diploma, foi a de Fernanda
de Almeida Pinheiro, bastonária da Ordem dos Advogados (OA), aduzindo que as
alterações propostas pelo governo não salvaguardam o sigilo profissional, o
regime de conflito de interesses e outros princípios éticos e deontológicos: “O
governo ultrapassou a linha vermelha.”
A 15 de
junho, a OA criticou a iniciativa de alterar o regime das associações públicas
profissionais, considerando-a um “gravíssimo golpe aos direitos, liberdades e
garantias” de cidadãos e empresas e de empresas e “um inqualificável ataque às
ordens profissionais”.
A OA diz que
o diploma “respaldou as subsequentes propostas de alteração aos Estatutos das
várias associações públicas profissionais, incluindo, naturalmente, o Estatuto
da Ordem dos Advogados (EOA)”, tendo sido acompanhada de proposta de alteração
à Lei dos Atos Próprios dos Advogados e dos Solicitadores ou Lei dos Atos
Próprios. E considera que a proposta do governo “parte de falsas premissas,
assentes em factos falsos ou incorretos e numa enorme mistificação, em torno de
uma suposta necessidade de maior concorrência no que à advocacia diz respeito,
olvidando o rácio de advogados per capita
no nosso país”.
Para a OA, o
diploma “abre a porta à prestação de serviços por profissionais não
qualificados e à inerente perda de qualidade desses serviços”; “não garante, de
forma alguma, o cumprimento do sigilo profissional e o regime relativo ao
conflito de interesses, nem outros princípios ético-deontológicos adstritos à
profissão”; “privatiza a Justiça”, ao permitir a negociação e cobrança de
créditos por empresas constituídas para o efeito; “promove a concorrência
desleal”; permite o controlo externo da OA por órgãos compostos por não
associados, desconhecedores da prática da advocacia; e “encerra um ataque
grosseiro” à liberdade e independência da advocacia e da OA.
A bastonária
da Ordem dos Contabilistas Certificados (OCC), Paula Franco, acusou o governo
de querer acabar com a profissão, ao propor que qualquer cidadão possa submeter
declarações fiscais, estando, por isso, a preparar formas de luta. “[...] O governo quer destruir uma profissão
que ajudou o país e as empresas a ultrapassar todas as dificuldades e desafios”,
afirmou a bastonária em comunicado enviado aos membros da ordem.
Segundo a
OCC, está em causa a proposta de alteração do estatuto da profissão, que
elimina as suas competências exclusivas. A ser aprovada, a proposta permite que
qualquer pessoa possa submeter as declarações fiscais, deixando de ser
necessária a assinatura de um contabilista certificado nas demonstrações financeiras
e declarações fiscais “que possuam ou que devam possuir contabilidade
organizada”.
Paula Franco
avisou, antecipadamente que, sem os contabilistas certificados, haverá mais
fraude e evasão fiscal, pedindo à classe que se una para demonstrar a sua força
e valor e para exigir respeito. Referiu
que, no processo de revisão do estatuto, discutiu e acordou com a Secretaria de
Estado dos Assuntos Fiscais, que tem a tutela do setor, uma proposta que reforçava
o interesse público da profissão e os direitos dos contabilistas certificados.
Porém, a proposta do governo não reflete a discussão com a Ordem e, “de forma
desleal e desonesta”, acaba com as competências exclusivas destes profissionais.
Ora, a OCC não aceita a extinção da profissão e os danos que o governo quer
infligir ao país. Assim, em resposta à comunicação, informaria o governo da não
aceitação desta proposta de lei. Prometia isso antes de 15 de junho.
Paula Franco avisou também que, se o governo aprovasse, em Conselho de
Ministros, a proposta em cima da mesa, convocaria todos os contabilistas
certificados para as “iniciativas e formas de luta necessárias à defesa da profissão
e do interesse público”, de modo que a mesma não receba ‘luz verde’ da AR. “O momento é
o mais grave e difícil da história das nossas vidas profissionais. É hora de
mostrar a nossa força e poder”, considerou.
***
Belas formas de mostrar a vertente corporativista das ordens, não se contentando
com os atos estritamente exclusivos da profissão e não se sujeitando à concorrência
em atos comuns a outras profissões! Por outro lado, as ordens pretendem coartar
a atividade dos cidadãos.
Ora, segundo o Portal do Governo, os principais objetivos da reforma das
ordens profissionais são: menos
restrições no acesso
às profissões, eliminando esperas e custos desnecessários e desadequados,
sobretudo para os jovens que pretendem aceder às profissões; mais igualdade, garantindo maior justiça
e combatendo a discriminação socioeconómica no acesso das novas gerações às
profissões reguladas por ordens profissionais; menos precariedade, evitando que o estágio das ordens repita a
formação das universidades, com prejuízos para os jovens profissionais, com
adiamento injustificado da sua entrada no mercado de trabalho e com o aumento
significativo dos custos da sua formação; mais
transparência, pelo reforço do trabalho de interesse público das ordens
profissionais e de garantia da qualidade dos serviços prestados, através da
criação do provedor de beneficiários dos serviços; mais independência, pelo aumento da isenção e da autonomia da função
regulatória das ordens profissionais, através da integração de personalidades
de reconhecido mérito e de fora da profissão, sobretudo quando os seus órgãos
exercem funções disciplinares ou avaliam os jovens profissionais no acesso à
profissão; e o cumprimento das
recomendações nacionais e internacionais.
***
É importante
que o Estado exerça um poder moderador contra alguns tiques corporativistas de
entidades cuja existência quase não se justifica, principalmente quando os
profissionais, maioritariamente, fazem trabalho dependente de uma determinada entidade
e da sua organização e da sua hierarquia. Aí, era preferível um sindicato para
defesa dos interesses de classe.
2023.06.18 – Louro de Carvalho
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