De
acordo com a Quercus – Associação Nacional de Conservação da Natureza, apenas
21 dos 308 municípios do país (cerca de 7%) e 51 juntas de freguesia deixaram
de usar glifosato ou substâncias semelhantes, em áreas urbanas.
Desde novembro de 2015 que o uso
profissional de produtos fitofarmacêuticos está sujeito a formação específica
para os aplicadores, incluindo os funcionários das câmaras municipais.
Segundo os relatórios anuais da Direção-Geral de Alimentação
e Veterinária (DGAV) citados pelo Jornal
de Notícias (JN), a 14 de junho, as vendas do glifosato, herbicida
potencialmente cancerígeno, têm aumentado desde 2018, tendo sido, em 2021,
comercializadas 1829 toneladas de glifosato (mais 527 toneladas do que em 2017),
o que corresponde a 77,8% das vendas de herbicidas em Portugal, sendo este o de
maior venda (e em crescendo), no país.
Esta substância, perigosa para a saúde pública, é utilizada
na agricultura e na horticultura, para combater ervas daninhas e outras plantas
infestantes. Para já, só 21 câmaras municipais mantêm o compromisso de não
utilizar o glifosato, nem qualquer outro herbicida, em áreas urbanas.
Uma das razões do aumento das vendas, no país, a partir de
2017, tem a ver com os grandes incêndios florestais de 2017 e com a falta de
meios de limpeza, que se tornou necessária.
Embora o governo tenha manifestado preocupação com os efeitos
do uso deste herbicida, a ponto de, em 2017, ter proibido o seu uso em espaços
públicos (ver Decreto-lei n.º
35/2017, de 24 de março, que transcreve a Diretiva n.º 2009/128/CE), a
Quercus vem recebendo queixas de incumprimento da legislação, com risco de
exposição das populações a produtos tóxicos.
A 26 Janeiro 2017, o Diário de Notícias (DN) dava conta da aprovação, pelo Conselho de Ministros, da proibição do uso de
fitofármacos em espaços públicos, como pesticidas e herbicidas. Era o glifosato,
herbicida potencialmente cancerígeno, que estava na origem da aprovação, por
ser muito utilizado na destruição de ervas daninhas.
O DN
referia que o glifosato, produto muito barato que substitui o controlo
mecânico, biológico, biotécnico ou cultural no controlo de pragas e plantas
invasoras, vinha sendo objeto de análise na Comissão Europeia, tendo em vista a
renovação, ou não, da sua utilização por mais nove anos. Isto depois de a
Agência Internacional para a Investigação sobre o Cancro da Organização Mundial
da Saúde (OMS) ter declarado, em março de 2015, este produto químico como
potencialmente cancerígeno para o ser humano.
Pelo referido decreto-lei, passaram a
ser proibidos os fitofármacos em jardins, parques de campismo, hospitais e
centros de saúde, lares de idosos e escolas, ficando de fora as escolas de
formação em ciências agrárias.
As novas regras não se aplicavam às
situações em que houvesse necessidade de fazer face a uma praga. No entanto,
exige-se a autorização pela DGAV, organismo que regulamenta a aplicação de
produtos fitofármacos, mas com a recomendação de ser dada “prioridade à
utilização de produtos cuja utilização é permitida em modo biológico e de
produtos fitofarmacêuticos de baixo risco, quando disponíveis, ou quando não
exista alternativa”.
Outra das medidas adotadas foi a obrigatoriedade
de avisos que indicassem as entidades responsáveis, os tratamentos, a data de
início e a partir da qual pode ser restabelecido o acesso às áreas tratadas,
sem restrições.
O decreto-lei determina, ainda, que
seja dada preferência a produtos fitofarmacêuticos que não contenham
substâncias ativas incluídas na lista de substâncias perigosas prioritárias.
As penalizações por violação do
disposto legalmente podem ir de 250 a 3740 euros, no caso de pessoas singulares,
ou de 500 a 22 000 euros, no caso de pessoas coletivas.
***
Sobretudo após a referida declaração da OMS sobre a
periculosidade deste herbicida, tem sido recorrente o debate. Em maio de 2016, foi
dirigida à Assembleia da República (AR), ao
Presidente da República e ao Ministério do Ambiente, uma petição com vista
à “proibição total de venda, distribuição ou uso do herbicida glifosato”, em
Portugal, por ser considerado um “carcinogénico provável para o ser humano”
pela OMS, significando que “há provas científicas convincentes de que a
substância provoca cancro em animais de laboratório e provas limitadas de que
também o faz no ser humano”.
A 23 de novembro de 2021, a AR
aprovou, na votação na especialidade do Orçamento do Estado para 2021 (OE2021),
de que resultou a Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro,
a proposta do partido Pessoas-Animais-Natureza (PAN) que proíbe a
comercialização, para usos não profissionais, de herbicidas que contenham
glifosato.
A medida
teve os votos contra do Partido Comunista Português (PCP) e do Partido Social Democrata
(PSD), a abstenção do Chega e da Iniciativa Liberal (IL) e os votos favoráveis,
além do PAN, do Bloco de Esquerda (BE) e do Partido Socialista (PS).
O glifosato,
envolvido em polémica nos últimos anos, é um herbicida muito utilizado na
agricultura mundial e surge em várias marcas, que são vendidas sem restrições
em qualquer supermercado ou outro tipo de comércio. No entanto, segundo vários
estudos, causa cancro em animais de laboratório e poderá ser o causador de um
tipo de cancro no ser humano. Em 2015, a OMS já tinha declarado o glifosato
como “carcinogéneo provável para o ser humano”, como lembra o PAN.
Já setembro
de 2020, investigadores do Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e
Ambiental (CIIMAR) e da Universidade Católica Portuguesa (UCP) diziam ter
detetado níveis significativos de exposição ao glifosato a partir de amostras
de urina de 79 participantes num estudo. E lembravam que, em 2016, já tinham
sido publicadas pela Plataforma Transgénicos Fora as primeiras análises feitas
em Portugal e que os valores nos seres humanos eram muito altos.
De resto o
glifosato, lembrava também o PAN, já foi detetado em análises de rotina a
alimentos, ao ar, à água da chuva e dos rios, à urina, ao sangue e até ao leite
materno.
O partido
salienta que o herbicida pode ser comprado em qualquer estabelecimento comercial
da especialidade, não havendo qualquer controlo por parte das autoridades sobre
as quantidades aplicadas ou sobre o método de utilização, o que pode “pôr em
causa a segurança alimentar” e do utilizador e contaminar o ar e água. Por
isso, fica limitado o acesso de utilizadores não profissionais e especializados
a herbicidas à base de glifosato, proibindo a sua venda para usos não
profissionais.
No entanto, a
Comissão Europeia, uma vez que o processo de avaliação se atrasou e não foi concluído
a tempo do termo da licença, que devia ser a 31 de dezembro de 2022, decidiu
pela prorrogação do prazo até 15 de dezembro de 2023, devendo decidir, até ao
fim do ano, se vai
prolongar a licença deste herbicida nos 27 Estados-membros.
A
28 de julho de 2021, deu entrada na AR, uma petição que pretendia “banir a comercialização do glifosato em Portugal”,
mas, após discussão na Comissão de Agricultura e Pescas, foi arquivada, a 27
de julho de 2022.
Mantém-se
um sistema híbrido: proibição circunscrita a espaços públicos e a não profissionais;
e permissão na agricultura e silvicultura. E continuam os danos colaterais para
águas, solos, algumas espécies vegetais e animais. Ecossistema e saúde ficam em
risco.
***
O
tema é polémico. O Grupo de Avaliação do Glifosato, constituído pela França,
Hungria, Países Baixos e Suécia, pela Agência Europeia dos produtos Químicos
(ECHA) e pela Autoridade Europeia para a Segurança Alimentar (EFSA), concluiu
pela segurança do produto. E, em Portugal, a Confederação de Agricultores de
Portugal (CAP) entende que, sem mais avaliações científicas, “não existe justificação
plausível” para a substância ativa ser retirada da Europa.
Luís
Mira, secretário-geral da CAP, sustenta que, se a licença não for renovada,
deve ser posta, rapidamente, à disposição dos agricultores uma série de “ferramentas”,
para conseguirem produzir mais alimentos, de forma cada vez mais sustentável. Alerta
que a proibição criará desigualdade entre os produtores. E refere que o
glifosato é largamente utilizado por outros países concorrentes dos países
europeus.
Enfim,
resta saber se a saúde pessoal, a saúde pública e a sanidade dos ecossistemas terão
de ceder ao lóbi agroindustrial. Há, efetivamente, muito trabalho que as
máquinas fazem, o que dispensa o trabalho de pessoas. Porém, é de questionar se
o uso dos produtos químicos (nomeadamente os que são portadores de danos colaterais)
pode substituir, com vantagem, o envolvimento das pessoas e o uso de ferramentas
que não lesem a saúde e o meio ambiente.
2023.06.15
– Louro de Carvalho
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