Entre 2030 e 2050, a mudança do clima provocará 250 mil mortes por ano no Mundo
e, em Portugal, as temperaturas extremas são o que trará mais perigosidade às
pessoas. Desde a poluição atmosférica ao aquecimento global, as alterações
climáticas impactam a saúde física e a saúde mental, com serviços e
profissionais não preparados para tratar as doenças do clima.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), 25% óbitos está conexo com fatores ambientais. Doenças
cardiovasculares (1ºC
a mais aumenta o risco de acidente cardiovascular em 2%), respiratórias e alérgicas, zoonoses, cólera,
desnutrição e doenças do foro mental, nomeadamente a ecoansiedade, não escapam
ao impacto das alterações climáticas.
Assim, a pensar no modo como as mudanças do clima afetam a saúde, a Escola
Nacional de Saúde Pública (ENSP) da Universidade NOVA de Lisboa lançou o curso “Alterações
Climáticas e Saúde Pública”, o primeiro em Portugal e que se perspetiva, na
ótica da coordenadora, Susana Viegas, professora do Departamento de Saúde
Ocupacional e Ambiental, “na necessidade de informar como é que as alterações
climáticas alteram as condições ambientais, como é que essas alterações podem
implicar efeitos para a saúde da população e que tipo de efeitos”. Todos os
impactos da mudança do clima na saúde implicarão uma resposta adequada dos
serviços de saúde e é preciso que os profissionais se adaptem. E, atualmente, os serviços e os profissionais de saúde
não estão preparados para identificar e tratar as doenças do clima, de
acordo com as necessidades.
As alterações climáticas podem agravar determinadas doenças e condições de
saúde, sobretudo em pessoas com comorbilidades, favorecer o aparecimento de
infeções e de patologias, atualmente pouco comuns, e causar mortes prematuras.
A OMS estima que, entre 2030 e 2050, a
mudança do clima provocará 250 mil mortes por ano, a nível mundial,
devido, em grande parte, à desnutrição, à malária, à diarreia e ao stresse
térmico.
A poluição atmosférica é um dos exemplos flagrantes. Só em 2020, provocou
cerca de 238 mil mortes prematuras na União Europeia (UE), segundo a Agência
Europeia do Ambiente (AEA). E uma estatística recente revela que, todos os
anos, a poluição atmosférica causa a morte prematura de, pelo menos, 1200
crianças e adolescentes.
A poluição do ar aumenta as doenças cardiovasculares e respiratórias, como
a asma; e o aumento dos alérgenos no ar, potenciado pelo aumento das
temperaturas, faz aumentar as doenças alérgicas. Luís Campos, médico internista
e presidente do Conselho Português para a Saúde e Ambiente (CPSA), afirma que, da
poluição atmosférica ao aquecimento global, “as
alterações climáticas têm vários efeitos que se repercutem na saúde das pessoas”.
Em Portugal, as temperaturas extremas são o que trará
mais perigosidade às pessoas, com impacto, sobretudo, nas doenças cardiovasculares
e cerebrovasculares, diz o especialista, para quem “Portugal é dos países da
Europa com maior probabilidade de registar ondas de calor e incêndios
florestais”, sendo uma zona onde as alterações climáticas se sentirão mais rapidamente.
O país é assolado por ondas de calor, no verão, que provocam excesso de mortalidade,
afetando a população mais vulnerável. Em 2022, entre 7 e 18 de julho,
registaram-se mais de mil mortes atribuídas pela Direção-Geral da Saúde (DGS) às
temperaturas extremas. O futuro não é otimista: no pior dos cenários, pode registar mais de 85 mil mortes pelo
calor, no final do século, como prevê um estudo publicado no “The Lancet
Planetary Health”, em julho de 2021.
O calor extremo afetará a qualidade do ar. “Há níveis de ozono mais
elevados quando há temperaturas altas”, afirma Susana Paixão, professora de
Saúde Ambiental na Escola Superior de Tecnologia da Saúde de Coimbra (ESTeSC).
As concentrações de ozono troposférico têm implicações na saúde respiratória,
sobretudo em pessoas com patologias pré-existentes, como a asma e outras
doenças respiratórias.
As temperaturas mais altas estão conexas com a seca e com os incêndios
florestais, que “resultam num maior número de emissões atmosféricas e poluição
do ar”, nota Susana Viegas. Já a seca reduz a disponibilidade de água para
consumo humano e a água disponível apresenta maior concentração de poluição.
A mudança do clima tem outros efeitos, embora menos diretos, na saúde das
pessoas. É expectável que as infeções e doenças transmitidas ao homem através
dos animais, as zoonoses, sejam mais frequentes no futuro. É o caso da malária,
do dengue, da doença de Lyme, do vírus do Nilo Ocidental, da febre-amarela ou do
chikungunya. “Há uma série de doenças que vão começar
a aparecer”, diz Susana Paixão, ex-presidente da Federação Internacional
de Saúde Ambiental.
“Sempre vivemos com vírus e bactérias, só que, antes estavam relativamente
longe de nós”. Agora, com o aumento da temperatura, com a desflorestação e com a
invasão de habitats, há maior aproximação entre os animais e os seres humanos.
Isso faz leva a que as zoonoses, muitas vezes, origem de pandemias,
como a do SARS CoV-2, sejam prevalecentes.
Graças ao aumento da temperatura, as bactérias, que produzem toxinas de
origem natural, como as cianotoxinas, ganham condições para proliferarem,
contaminando a água usada para consumo humano. Os fungos produzem microtoxinas
que contaminam alimentos, incluindo cereais. A ingestão de água e de alimentos
contaminados causa patologias como a cólera. E a escassez de água e a
insegurança alimentar podem levar à desnutrição.
Além da saúde física, as
mudanças climáticas afetam a saúde mental. “Solastalgia é um neologismo
que descreve uma forma de sofrimento mental ou existencial originado pelas
mudanças ambientais”, esclarece a referida professora de Saúde Ambiental no
ESTeSC. Trata-se da ecoansiedade, problema que afeta cada vez mais jovens: em
Portugal, quase 1% dos alunos do Ensino Superior fica ansioso com o clima.
Perante estes desafios, é fundamental formar e capacitar os profissionais
de saúde para as doenças do clima. O curso da ENSP, que deverá ser ministrado
anualmente, “centrou-se na necessidade de adaptação aos efeitos que resultam da
alteração das condições ambientais”, diz a coordenadora, que sustenta que “falta formação aos profissionais de
saúde em Saúde Ambiental”.
Luís Campos concorda que há muito por fazer, tendo sido fundado, com essa
consciência, em outubro de 2022, o CPSA, que já conta com mais de 50
organizações ligadas à saúde. “Ainda existe
pouca consciencialização por parte dos profissionais para os problemas que
decorrem das alterações e da degradação ambiental. É preciso introduzir
estes temas nas reuniões científicas, nos congressos, na formação pré-graduada
e pós-graduada”, defende.
Os profissionais de saúde têm de se adaptar aos cenários futuros, para tratarem
melhor os pacientes e para se prepararem para novas doenças que não estão
habituados a tratar, como as zoonoses. A Universidade de Harvard, nos Estados
Unidos da América (EUA), introduziu a cadeira “One Health” no currículo
pré-graduado, algo que não existe em Portugal.
“É extremamente importante alinhar a educação com as necessidades da
população e os requisitos dos próprios serviços de saúde, [bem como] reforçar
um contínuo desenvolvimento dos profissionais que já estão a trabalhar”,
salienta Susana Paixão, para quem seria importante criar uma disciplina
generalista que consciencializasse os alunos de que a emergência climática é uma questão de
saúde pública.
***
A 15 de novembro de 2022, o ministro da Saúde,
Manuel Pizarro – à margem das comemorações do Dia do Instituto Nacional de
Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA), que incluíram a conferência “Alterações
climáticas – Impacto na Saúde” pelo médico infeciologista Kamal Mansinho – questionado
se as alterações climáticas já se estão a fazer sentir na saúde dos
portugueses, afirmou que sim e defendeu que “não se pode perder tempo” no
combate ao fenómeno: “Eu
não quero antecipar o estudo que está a ser feito, designadamente sobre as
diferenças de mortalidade dos últimos anos, mas parece óbvio, numa avaliação
preliminar, que para além do impacto terrível da pandemia – e esse impacto da
pandemia não está desligado das mudanças climáticas – há também, nas causas de
doença e de morte dos portugueses, um profundo efeito dos fenómenos climáticos
extremos”, disse o governante.
Já não
é apenas o frio no inverno, como era tradicional, mas também o calor extremo no
verão, que nos últimos anos, designadamente em 2022, terá tido um impacto muito
negativo.
O
ministro observou que também o sistema de saúde contribui para as mudanças
climáticas: “Temos muitas instituições de saúde que são produtoras de energia e
são fomentadoras de aquecimento.” Por isso, o sistema de saúde tem que adotar
as regras da economia circular e melhorar a eficiência energética. Por exemplo,
é preciso avaliar, caso a caso, se os dispositivos de uso único, que são hoje
às centenas de milhar, não podem, com segurança e qualidade, dar origem à sua
recuperação e reutilização. Com efeito, como diz o ministro, a lógica do uso
único “é predadora dos recursos ambientais”, tendo impacto na preservação
ambiental que é essencial para a vida coletiva e para a saúde das populações.
***
“É vasta a evidência, proveniente de estudos epidemiológicos, que nos dá
pistas sobre o impacto das temperaturas elevadas na saúde, comprovada pelo aumento
do número de óbitos nos períodos de calor extremo”, frisa Ana Rita Torres,
investigadora do Departamento de Epidemiologia do INSA. Os períodos de calor
extremo ocorridos em 1981, 2003 e 2013 revelaram respetivamente 1906, 1953 e
1684 óbitos em excesso em Portugal. E “por cada acréscimo de um grau centígrado
(1°C) na temperatura média, é estimado um aumento de 2,17% no excesso de
mortalidade”, no final do século, aponta a investigadora, baseada em dados de
um estudo internacional em que participou o INSA. O estudo cruzou os cenários
de subidas das temperaturas médias globais (entre 2°C e mais de 4°C) e o
aumento da mortalidade associada a temperaturas extremas, projetado para
2090-2099, por comparação com as registadas no período de 2010-2019.
Poderão registar-se cerca de 2170 mortes a mais por ano, devido ao excesso
de calor, se as temperaturas subirem 2°C até final do século (já subiram 1,2°C
desde a era pré-industrial) e tendo em conta a média de 100 mil óbitos anuais
no período 2010-2019. Se chegar aos 3°C, duplica.
Ana Rita Torres lembra que “o risco pode ser minimizado através da
intervenção a vários níveis, nomeadamente o social e comportamental”. Seguindo
as recomendações da OMS, Portugal tem ativo o sistema ÍCARO, coordenado pelo
INSA, em parceria com o IPMA, que mede o efeito do calor na saúde e permite
ativar os sistemas de vigilância e alertas junto da população. Segundo a
técnica, “este sistema já permitiu prevenir cerca de 35% das mortes que se
verificariam em períodos de calor extremo na ausência de planos de
contingência”.
Por fim,
é de referir que, pela primeira vez, em Portugal, os médicos cardiologistas debateram
e chamar a atenção da classe e do público em geral para o risco acrescido do
aquecimento global e da poluição na saúde humana. Este é o foco do “Fórum SPC
2023: Alterações climáticas, poluição e doença cardiovascular”, organizado pela Sociedade Portuguesa de Cardiologia (SPC) e realizado
no passado dia 10 de fevereiro, no Centro Cultural de Belém, em Lisboa. Com
efeito, a poluição atmosférica é a quarta causa de mortalidade no mundo e
os problemas ambientais são responsáveis por cerca de um quarto das mortes a
nível global.
2023.06.01 – Louro de Carvalho
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