A maior parte dos rios desemboca no mar ou no
oceano. Porém, o estudo da hidrografia da Terra mostra que nem todos os rios seguem para o
mar. Alguns abastecem lagos, lençóis freáticos e outros rios e, por isso, não
chegam ao mar. Em contrapartida, a maioria dos rios do planeta tem como destino
o mar e o oceano.
O mar
é uma longa extensão de água salgada conectada, ou não, com um oceano. Em
termos técnicos, dizemos que o mar é como um grande lago salino que pode não ter saída
natural. Há diversos mares famosos e conhecidos, como o Mar Negro, o Mar
Cáspio, o Mar Morto e o Mar de Aral. E há mares que ligam com o oceano, como,
por exemplo, o Mar dos Sargaços, o Mar do Norte (estes são parte de oceano), o
Mar Mediterrâneo (com vários mares interiores, como o Mar Adriático, o Mar Egeu
ou o Mar Jónico). A
água do mar é formada, principalmente, pelos cursos de água dos rios, os quais,
tal como o mar, contam com rochas de vários períodos geológicos.
O mar
recebe cursos de água da maioria dos rios que nele desemboca e essa água, no
mar ou no rio, nas imediações da foz, fica com todo o sal em extensão.
Curiosamente,
há um rio, na Terra, que é endorreico, ou seja, não corre nem para o mar, nem
para outro rio, nem para lagos e, muito menos, para lençóis freáticos. O rio Cubango ou Okavango é o único do planeta que desagua num deserto, o Deserto da
Namíbia.
***
O
Delta do Okavango, situado na África
Austral, é o maior delta interior do planeta, formado onde o
rio encontra uma placa tectónica, no deserto do Calaári, no
território da Botsuana. Toda a água que atinge o delta é evaporada e
transpira, não chegando a mar ou a oceano. Em cada ano, aproximadamente 11
quilómetros cúbicos de água passam na região. Parte do rio chega ao lago Ngami.
É a Reserva de Moremi, um parque nacional situado na parte oriental do Delta,
que ajudou o Delta do Cubango a afirmar-se como uma das Sete Maravilhas de
África.
O Delta do Okavango
foi incluído na lista de património mundial da
UNESCO por “ser um dos poucos
deltas interiores do mundo, com um sistema aquático quase intacto”,
constituindo “um excecional exemplo de interação entre processos climáticos,
hidrológicos e biológicos”.
Outrora, a
área integrava o lago Macadicadi, que secou, por completo, durante o Período
Oloceno. Além deste delta interno, há mais dois deltas internos similares
geograficamente, em África: o Sudd do rio Nilo e o delta interior do
Níger, no Mali.
O rio Okavango nasce nas Boas Águas, serra do Moco, município de Chicala-Choloanga, na
província do Huambo, no Planalto Central de Angola. Corre para sudeste,
atravessa a faixa de Caprivi, na Namíbia (faz fronteira entre Angola e a
Namíbia), e desagua no Delta do Okavango, uma formação
da bacia endorreica, no deserto do Calaári, no norte
do Botsuana. O Delta cobre uma superfície entre 15 000 km² e
22 000 km², durante as cheias, e é de grande interesse ecoturístico.
No Delta do Okavango, existe a única população de leões que caçam dentro
de água, a qual, durante as enchentes, chega a cobrir o 70% da região
pantanosa.
O Delta do Okavango – muito plano, com menos de 2
metros de variação na sua profundidade – é produzido por inundações sazonais. A
água espalha-se pela área de 250km x 150km no delta, em cerca de quatro meses
(março-junho). O rio drena a chuva de verão (janeiro-fevereiro) dos
planaltos de Angola. A média de chuvas anuais é de 450mm, ocorrendo a
maioria entre dezembro e março, na forma de tempestades vespertinas. De dezembro a
fevereiro são os meses mais quentes, com temperaturas que chegam a 40 graus
centígrados (40°C), noites quentes e níveis de humidade que flutuam entre 50% e
80%. De março a maio a temperatura torna-se mais confortável com o máximo de 30
°C, durante o dia, e frio leve a moderado, à noite. O período mais seco vai de
setembro a novembro. Em outubro, as temperaturas passam facilmente os 40 °C,
mas começam a cair após o meio-dia, com tempestades rápidas, com certa frequência.
A alta
temperatura do Delta causa rápida evaporação e transpiração, resultando um
ciclo de aumento e de queda do nível de água que não era completamente
entendido até ao início do século XX. A inundação atinge o pico entre
junho e agosto, nos meses de inverno seco do Botsuana, quando o delta
aumenta três vezes em tamanho permanente, atraindo animais localizados a quilómetros
dali e criando uma das maiores concentrações de vida selvagem da África.
A cada ano,
cerca de 11 quilómetros cúbicos (11 biliões de litros) de água fluem pelo Delta.
Aproximadamente 60% perde-se com a transpiração pelas plantas, 36%
por evaporação, 2% por percolados em sistemas aquíferos e 2% fluem para
o lago Ngami. Esse fluxo enorme significa que o Delta é incapaz de
eliminar os minerais carregados pelo rio, o que o torna salgado e desabitado,
mas isto é reduzido pelo baixo conteúdo de sal absorvido pelas raízes das
plantas. A baixa salinidade da água também significa que a inundação
não enriquece o solo com nutrientes. A aglomeração de sal ao redor de algumas
raízes de plantas impossibilita o crescimento de várias espécies, tornando a
região rica em espécies resistentes ao sal, como a palmeira. Mesmo a grama
e outras árvores que crescem na areia tornam-se muito salgadas. Cerca de 70%
das ilhas começaram como montes de cupim, onde uma árvore foi destruída
até à raiz.
O Delta do
Okavango é a morada permanente e sazonal de uma grande variedade de animais,
muito populares como atração turística, em que se incluem: o elefante-da-savana, o búfalo-africano, o leão, a chita, o hipopótamo, o leopardo, o kobus
leche, o topi, a sitatunga, o gnu-azul, a girafa, o crocodilo do Nilo, a
hiena-castanha, a hiena-malhada, a badoca (cabra-de-leque), a palanca-negra, o
grande cudo (grande antílope africano), o rinoceronte-negro, o rinoceronte-branco,
a zebra-da-planície, o javali, o papio ursinus (babuíno) e o mabeco (cão
selvagem).
A maioria
dos 200 mil grandes mamíferos nos arredores do delta não é residente
do local. Partem com as chuvas de verão, a fim de encontrar novas pastagens e
abrigo. Grandes manadas de búfalos e elefantes são formadas por 30 mil animais.
O grande
mamífero mais populoso é o antílope kobus leche, com mais de 60 mil
animais. São pouco maiores do que o impala, com cascos alongados e
uma substância repelente à água nas pernas, o que lhes permite moverem-se
rapidamente, mesmo com os joelhos debaixo de água. Pastam nas plantas aquáticas
e correm para a água, quando ameaçados por predadores. Só os machos têm chifres.
Habitam no Delta mais de 400 espécies de pássaros, como: a águia-pescadora africana, o
corujão-pesqueiro-de-pel, o grou-coroado-oriental, o rolieiro-de-peito-lilás, o
cabeça-de-martelo, o avestruz e o íbis-sagrado.
O Delta do
Okavango é lar de 71 espécies de peixes, incluindo o hydrocynus vittatus,
a tilápia e várias espécies de bagre. Os peixes variam de 1,4 m (clárias
gariepinus) a 3,2 cm (barbus haasianus). Estas espécies encontram-se também no
rio Zambeze, indicando ligação histórica entre os dois sistemas.
Os
papiros formam grande parte da
vegetação do Okavango, flutuam, em época de cheias, acima da areia e têm as
raízes livres na água. O espaço entre o solo e as raízes é abrigo dos crocodilos.
As plantas
do Delta têm um papel importante na coesão da areia. Os bancos de areia dos rios
têm um conteúdo alto de lama e a combinação com a areia leva a construção
dos bancos de areia. Mas, no Delta, devido às águas límpidas do rio, não há
lama e o rio é formado totalmente por areia. As plantas capturam a areia, que
age como cola, formando ilhas, onde mais plantas criam raízes.
Ao mesmo
tempo, formam-se ilhas lineares, que são longas e estreitas e que, geralmente, se
curvam ligeiramente com o curso do rio. Isto, porque, agora, são bancos
naturais de antigos canais, bloqueados, com o tempo, pelo crescimento das
plantas e pela deposição de areia, resultando na mudança de curso do rio e transformando
em ilha o curso antigo do rio. Pela acentuada planura do Delta e pela tonalidade
da areia vinda do rio, o assoalho é claro. Onde há canais hoje, teremos ilhas,
amanhã, e novos canais se podem formar nas ilhas existentes.
***
A população
do Delta é constituída por cinco grupos étnicos, cada um com a sua identidade e
com o seu idioma. São os Hambukushu, os Dceriku, os Wayeyi, os Bugakhwe e os
Anikhwe. Os três primeiros são Bantus, com tradição de economia mista de
agricultura, pesa, caça, botânica de plantas selvagens e pasto, ao passo que os
outros dois são San, que praticam a pesca, a caça e a botânica de
plantas selvagens. Os Bugakhwe utilizam os recursos da floresta e os do rio,
enquanto os Anikhwe se focam no rio. Os Hambukushu, os Dceriku, e os Bugakhwe
são presentes ao longo do Okavango, em Angola e na Namíbia, havendo um pequeno
número de Hambukushu e de Bugakhwe na Zâmbia. Nos últimos 150 anos, os
Hambukushu, os Dceriku e os Bugakhwe habitaram o Panhandle e o Magwegqana, no
noroeste do Delta. Os Anikhwe habitam o Panhandle e a área ao longo do rio Boro
através do Delta, bem como a área ao longo do rio Boteti.
Os Wayeyi
habitam a área ao redor de Setonga e a porção sul do Delta, ao redor
de Maun, e alguns poucos Wayeyi vivem como os seus ancestrais, em Caprivi.
Nos últimos 20 anos, muitas pessoas de todo o Okavango migraram para Maun. E,
nas décadas de 1960 e 1970, mais de quatro mil Hambukushu refugiados de Angola
estabeleceram-se na área próxima de Etsha.
O Delta do
Okavango está sob controlo político dos Batawana, desde o século
XVIII. Entretanto, muitos Batawana vivem tradicionalmente na periferia do Delta.
Um pequeno número de outros grupos étnicos como os Ovaherero e os Ovambanderu
vivem, hoje, na região do Delta do Okavango, mas a maioria dos membros destes
grupos habitam nos seus locais de origem, pelo que não são considerados parte
do povo do Delta do Okavango. Há, na região, muitos Bushmen, grupo dizimado por
doenças originárias do contacto com o homem do século XX. E ainda há muitos
casamentos com os Anikhwe.
Existem alguns
chalés na região, os The Botswana Okavango Game Lodges, onde se
podem hospedar poucos hóspedes, cada um numa área de concessão delimitada no
Delta. Estes chalés seguem a política rígida de não afetar o ambiente da
região.
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O governo da
Namíbia apresentou planos para a construção de uma hidroelétrica no
rio Zambeze, para regular o fluxo do Okavango. Alguns creem que os efeitos
seriam mínimos, mas os ambientalistas alegam que o projeto pode destruir muito
da vida animal e da flora no Delta. Outras ameaças incluem o assentamento
humano e a extração de água de Angola e da Namíbia.
O premiado cineasta e conservacionista sul-africano Rick Lomba advertiu, na década de 1980, para a ameaça da invasão de gado na área, com o documentário “The End of Eden”, que retrata vividamente este facto e a sua luta pela preservação da integridade do Delta do Okavango.
***
Enfim, o
segundo grande rio de Angola, com a extensão total de 1.700 quilómetros,
alimentado, neste país, pelo Cutato dos Ganguelas, percorridos mais de mil quilómetros,
dá origem a um dos maiores santuários da
natureza, já em território do Botsuana – maravilha da Natureza e do
Tempo.
2023.06.02 –
Louro de Carvalho
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