A 3 de junho, em Lisboa, centenas de
manifestantes rumaram do Largo
Camões à Assembleia da República (AR), em Lisboa, entoando “O povo merece +SNS”,
em marcha de protesto convocada pelo Movimento +SNS, movimento cívico que
pretende provocar um sobressalto cívico, em defesa do acesso à saúde e em reforço
do Serviço Nacional de Saúde (SNS).
Com a
entoação do slogan principal desfilavam
cartazes improvisados em cartão, com frases e
palavras de ordem como “o SNS é de todos”, “Parem de vender o SNS”, “Salvar o
SNS,” ou “A Saúde é um direito”. E a manifestação juntou utentes, profissionais
de saúde, organizadores e simpatizantes do Movimento +SNS.
Em cima de
uma carrinha de caixa aberta, no meio do Largo, houve intervenções e momentos
musicais, que terminaram com o discurso crítico-político da médica
endocrinologista Isabel do Carmo, em relação SNS, com foco na palavra “gestão” e
a manifestar a crença de que “é possível salvar o SNS”. A ouvir a oradora, centenas
de pessoas seguravam faixas com palavras de ordem em defesa do SNS,
identificando associações de utentes e ligas de amigos de unidades de saúde,
vindas, em alguns casos, do norte do país. E o início da
subida em direção à AR fez-se ao som de bombos e de palavras de ordem em
uníssono.
O Movimento
+SNS, com pessoas de vários quadrantes políticos e diversas áreas
profissionais, pretendia que a manifestação fosse um “grito de alerta” pelo
reforço do SNS, cujo acesso diz estar “severamente comprometido”.
Em defesa do
SNS “a pólis” saiu à rua, corporizando um movimento cívico que está a começar,
mas que vai crescer, nem que seja “por teimosia” e sem esperar pelos políticos.
A este respeito, disse à Lusa
Constantino Sakellarides, antigo diretor-geral da Saúde: “Nós hoje deixamos em casa as pequenas guerrilhas político-partidárias que
enchem a bolha mediática e política e descemos à rua, descemos à realidade, ‘descemos
à cidade’, com um objetivo muito claro: chamar a atenção para a necessidade de
assegurar que todos os nossos concidadãos têm acesso a cuidados de saúde de
qualidade. É um objetivo fundamental, quase civilizacional, é um direito básico
[...].”
O professor
catedrático jubilado e especialista em saúde pública foi um dos primeiros
subscritores do manifesto do Movimento +SNS, consciente de que esse caminho
leva tempo.
O movimento
fez uma pequena manifestação no 25 de Abril e esta, a segunda, não foi ainda a
manifestação que gostaria de ter, mas promete continuar, para “conseguir
mobilizar uma parte importante da sociedade portuguesa”. E Constantino
Sakellarides, sustentando que esta é uma “questão da pólis, não só da
política”, entende que todos têm a “obrigação de ajudar” a encontrar soluções
para os problemas: “Não podemos descansar na cadeira, acusar os políticos
e ficar à espera que as coisas aconteçam. Temos que fazer a nossa parte.”
Uma utente
do SNS e membro da Liga dos Amigos da Unidade de Saúde Serpa Pinto, no Porto, dizia
que deviam estar ali muito mais portugueses, os que precisam do SNS, pois quem
é do privado e tem os seguros (pessoas com condições financeiras) não esteve ali.
E acusou os “grandes lobbies” de quererem “destruir o SNS”. E um dirigente da associação Ur’Gente, de utentes do SNS
do concelho de Porto de Mós, que nunca andou em manifestações, foi a Lisboa
alertar que, no seu concelho, mais de metade das pessoas não tem médico de
família e que há idosos a fazer madrugadas para conseguir consulta no centro de
saúde.
Apesar do
caráter cívico e apartidário, a líder do Bloco de Esquerda (BE), Mariana
Mortágua, e o ex-deputado e ex-autarca do PCP, Bernardino Soares, marcaram
presença na concentração no Largo Camões, a criticar o desinvestimento e a
alertar para a necessidade de criar condições que fixem médicos e profissionais
de saúde no SNS. Mariana Mortágua criticou o ministro da Saúde, por ter
considerado o último concurso para médicos de família “um sucesso”, quando 70%
das vagas ficaram por preencher, considerando fundamental ter profissionais bem
pagos no SNS e criticando a contratualização de serviços ao privado a preço
superior aos do público.
Bernardino
Soares criticou os contratos com privados e vincou a necessidade de mais
financiamento e de valorização das carreiras no setor, acusando o governo de “entreter
os sindicatos em negociações que, depois, não concretiza em propostas”, a favor
do setor privado.
O médico neurologista
Bruno Maia, que foi candidato a bastonário da Ordem dos Médicos (OM) e é um dos
principais dinamizadores do Movimento +SNS, vincou a necessidade de aposta nos
recursos humanos e de um plano a longo prazo que garanta sustentabilidade. Viu a
manifestação como um primeiro sinal a mostrar que a debilidade, a fraqueza do
SNS diz respeito a todos e que a mobilização popular é necessária para
influenciar políticas públicas. E frisou que, em maioria absoluta, o “instrumento
para lutar contra as políticas que degradam o SNS é o povo na rua”.
***
Em março, os
médicos concentraram-se em frente ao Ministério da Saúde, devido à falta de
compromisso da tutela em negociar as grelhas salariais e na falta de medidas
para salvar o SNS.
Em abril, o Movimento
+SNS lançou um manifesto, que abriu com a frase de António Arnault “O SNS é um
património moral irrenunciável da nossa democracia” e esteve nas comemorações da
revolução com uma ação de rua a alertar para a situação do sistema de saúde. E,
desta vez, com pessoas de vários quadrantes políticos e diversas áreas
profissionais, pretendia que a manifestação fosse um poderoso “grito de alerta”
pelo reforço do SNS, cujo acesso está “severamente comprometido”.
Com nomes
ligados à Saúde, como Constantino Sakellarides, já referido, e Francisco
George, também antigo diretor-geral da Saúde, e com nomes ligados às artes,
como os músicos Jorge Palma e Salvador Sobral, o realizador João Salavisa e os
escritores José Luis Peixoto e Luísa Costa Gomes, o movimento lançou um
manifesto, já subscrito por cerca de 3.000 pessoas, que pede a cura de um SNS,
que “está doente”. Trata-se de “um
movimento cívico, de pessoas”, não de um movimento partidário, nem sindical,
nem de outra estrutura ou organização, embora com “pessoas de vários partidos e
de várias organizações, nomeadamente sindicais”. Com efeito, como frisou
Bruno Maia, é notória a pressão no SNS, ao longo dos anos, pela falta de
recursos humanos e pelas insistentes vozes a pedir que partes do SNS sejam
entregues aos privados.
Ora, o Movimento
+SNS sublinha que não é esse o caminho, não é a estratégia para a política
pública de saúde, mas que tem de se investir no SNS e contratar os recursos
humanos em falta.
O problema
do SNS não é “problema de organização”, não são necessárias direções
executivas, nem reorganização das suas estruturas locais. Devem fazer-se melhorias,
mas os alicerces do SNS são os profissionais de saúde e o investimento, no que
estou totalmente de acordo.
Bruno Maia apontou
o facto de o Ministério da Saúde ter avançado com a contratação de partos, na
Região de Lisboa e Vale do Tejo, com unidades privadas, vincando que “este não
é o caminho” (o de cavalgar os défices
do SNS para entregar contratos rentistas aos grupos privados) e que é a
falta de recursos que motiva a falta de acesso ao serviço público de saúde. E,
quanto mais contratos existirem com os privados, mais os profissionais serão
captados pelos privados e mais ficará o SNS em penúria. Essa é a verdade: é mau
ir de cedência em cedência!
***
Entretanto, no mesmo dia, a mais de 300 quilómetros, à margem de um
colóquio em Vila do Conde, o Ministro da Saúde, Manuel Pizarro, mostrou-se
“tranquilo e vigilante” acerca da resposta de saúde para a Jornada Mundial da
Juventude (JMJ). Garantiu que a falta de stock de alguns
medicamentos, como pílulas contracetivas, nos centros de saúde, é momentânea.
Não sei de dirá o mesmo da falta de vacinas, sobretudo das inscritas no plano
nacional de vacinação. Especificamente sobre a falta de pílulas
contracetivas, garantiu, em declarações aos jornalistas, que “o SNS continua a
manter a sua função em matéria de planeamento familiar”. Esqueceu 1,7 milhões
de pessoas sem médico de família e as vagas desta especialidade que não são ocupadas
no SNS. E lamentou a grande tendência de hoje, no setor da saúde, para transformar casos negativos “em maledicência
contra o SNS”. Não anda neste orbe o governante!
O Ministro da Saúde anunciou mais de 1500
profissionais de saúde voluntários e um hospital de campanha completo entre os
meios que estarão no terreno para acolher os participantes na JMJ (O SNS faz-se
para a JMJ?). Além disso,
Manuel Pizarro referiu a demissão do subdiretor-geral da Saúde, Rui Portugal, e
garantiu que Graça Freitas, diretora-geral da Saúde, se encontra “em plenitude
de funções” na Direção-Geral da Saúde (DGS).
***
Por seu turno, na reunião da comissão nacional do Partido Socialista (PS), em
Leixões, o secretário-geral elegeu o combate à seca e as mudanças no SNS como
as prioridades dos próximos tempos. Em remoque ao Presidente da República (PR),
segundo o qual a economia dá bons sinais, mas precisa de chegar aos bolsos dos portugueses,
António Costa, alinhado com o ministro da Economia e do Mar, António Costa
Silva, garante que já está a chegar e promete que também se vai fazer sentir,
com as mudanças em curso, na educação e na saúde. “Temos permitido que a nossa
economia cresça, o emprego esteja em máximos e isso nos permita ter uma trajetória de finanças públicas
saudáveis que ajudam a fazer chegar os bons resultados da economia aos bolsos
dos portugueses”, disse o primeiro-ministro (PM), verificando que os
resultados já chegam, mas prometendo que vão também chegar de outras formas. E
uma é com as mudanças no SNS.
“Melhor SNS é também uma forma de fazer
chegar os bons resultados da economia à vida do dia-a-dia dos portugueses”,
disse António Costa, elegendo a reforma do SNS e o combate à seca como mudanças
estruturais de que o país precisa.
No atinente ao SNS, Costa considerou que já começam a ser notadas
alterações devidas à entrada em funções da direção executiva do SNS, liderada
por Fernando Araújo, com a gestão integrada dos recursos hospitalares, sendo
preciso evoluir para o “regime de dedicação plena”.
A prioridade na dedicação plena será nos cuidados primários, onde é
preciso alargar os horários dos centros de saúde e
ter “recursos humanos motivados”, para menor pressão nas urgências hospitalares.
Para isso, será generalizado até ao fim do ano o modelo de unidade de saúde familiar
de tipo b, associando a valorização dos rendimentos e das carreiras aos ganhos
em eficiência. E, a par da dedicação plena,
na ótica do PM, deve avançar a criação dos centros de responsabilidade
integrada a nível hospitalar, sendo as urgências hospitalares a primeira
“especialidade” a que se pretende alargar esta forma de gestão mais autónoma
que começou na cirurgia.
***
O SNS tem de ser universal e eficaz. De todo, não tem de criar mais entes
ou organizações, nem de mudar estatutos das existentes, para que, mudando,
fiquem na mesma. Nem há iluminados que façam milagres. Importa investir na formação
profissional do pessoal da saúde, ultrapassando as quotas existentes, e dotar
os quadros de profissionais de saúde, que se possam fixar e progredir no SNS.
Para tanto, é preciso acenar-lhes com remuneração condigna, boas condições de
trabalho, perspetiva de carreira atraente (proletarizar a saúde ou pô-la ao
abrigo dos contratos de prestação de serviço não é vida e fica mais caro), formação
contínua e dignificação das profissões conexas com a saúde. Por outro lado, há
que investir na melhoria de instalações e na aquisição e manutenção de equipamentos,
apetrechos e de todos os outros materiais necessários. E é preciso dar
autonomia à gestão da saúde, responsabilizá-la e avaliá-la.
Os privados, independentemente dos casos positivos que se encontram, pensam
no lucro, não lhes convindo utentes de debilidade acentuada e permanente. E
remetem casos graves para o SNS.
2023.06.03 – Louro de Carvalho
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