A União
Europeia (UE), se pretende ser uma potência forte e credível no Mundo, tem de
se reforçar como unidade política. E esse reforço requer dimensão geográfica,
pelo alargamento do território a países europeus que ainda não integram o bloco,
e postula, necessariamente, estruturas políticas, sociais, económicas e financeiras
que tornem a UE reconhecida e respeitada como potência no concerto das nações.
Desde logo,
exige-se investimento na política agrícola comum (PAC), na reindustrialização
com novo elã e com a multiplicidade de modalidades, na política de pescas, na
política financeira (incluindo a harmonização fiscal), na política salarial, na
política de Defesa, no reforço do mercado livre e na sanidade da administração
pública (AP). Porém, o que enche a agenda europeia, pela necessidade, pelas
contradições e pelos riscos, é o alargamento, preconizado pelo presidente do
Conselho Europeu, pela Comissão e pelo Parlamento Europeu (PE).
A este
respeito, a 14 de janeiro, a eslovena Marta Kos, Comissária Europeia para o
Alargamento, veio a terreiro garantir: “O estado de direito e os valores
fundamentais continuarão a ser a pedra angular da política de alargamento da UE.”
Isto quer dizer
que a expansão do bloco, seja ela qual
for, será baseada no mérito, e não na geopolítica. “Não haverá qualquer
desconto geopolítico. O processo de alargamento continua a basear-se no mérito.
Tal como vos disse, no dia 7 de novembro, vou falar sobre os valores europeus.
O Estado de Direito e os valores fundamentais continuarão a ser a pedra angular
da política de alargamento da UE e os alicerces de uma União reformada e
alargada no futuro”, assegurou Marta Kos.
Com o início
de um novo ano, os estados-membros da UE dizem que estarão atentos aos
progressos realizados nas negociações de adesão, particularmente, em países
como a Ucrânia, a Geórgia e a Moldávia, aos quais foi concedido o estatuto
de candidato à UE – depois de a Rússia ter invadido a Ucrânia, a 24 de
fevereiro de 2022 – por decisões sucessivas de 2022 e 2023.
O estatuto
de candidato implica a promoção do estado de direito, com o respeito pelos
direitos fundamentais, o esforço pelo desenvolvimento económico e pela competitividade
e o reforço das instituições democráticas e da administração pública.
As
negociações formais de adesão com a Ucrânia e com a Moldávia tiveram início em
junho de 2024 – passo histórico que assinalou um voto de confiança no futuro da
Ucrânia na Europa –, mas ambos os países têm um longo caminho pela frente, com
a Moldávia sob crescente influência russa e a Ucrânia a enfrentar a hostilidade
de estados-membros, como a Eslováquia e a Hungria. Entretanto, a adesão da
Geórgia deverá permanecer em suspenso, com a UE a fazer críticas ao partido no
poder, o Sonho Georgiano, que enfrenta acusações de ser antidemocrático
e pró-russo (que até já decidiu protelar as negociações para 2028, na
legislatura seguinte).
No entanto,
a UE deve olhar um pouco
mais para si própria. Tem razão (e deve fazê-lo) em exigir, como condição, à Ucrânia
a espera pelo fim da guerra, embora nada obste à cooperação económica. Contudo,
exigir a um país a “pureza democrática” é inconsequente, quando o PE está
dominado por forças dificilmente compatibilizadas com os valores humanos do
acolhimento de migrantes, o reconhecimento prático da dignidade e da igualdade
das diversas etnias, a necessidade de uma cultura ecoeconómica e ambiental. Por
outro lado, a ascensão generalizada da extrema-direita na Europa, com políticas
governamentais antidemocráticas (em alguns casos, só resta a democracia formal,
sem respaldo político de liberdade e sem preocupações sociais relevantes) e com
diversas crises políticas, não é, propriamente, boa carta de recomendação.
***
O alargamento da UE trará fatura mais levada para
alguns países. Com efeito, um estudo do
Bruegel (grupo de reflexão para análise económica e para recomendações políticas
baseadas em fundamentos académicos), publicado a 18 de dezembro, quantificou
os cortes orçamentais que alguns países da UE podem sofrer, se o bloco admitir
os nove estados candidatos, com um custo líquido global de cerca de 26 mil
milhões de euros, por ano, para os atuais membros. Assim, o eventual alargamento
da UE a nove novos estados-membros pode provocar alterações significativas no
orçamento do bloco.
O estudo analisou
o que poderia acontecer aos fundos de coesão, que são o dinheiro que as regiões
menos desenvolvidas da UE recebem, para se aproximarem das regiões mais ricas.
Atualmente,
a maioria destas regiões menos desenvolvidas situa-se no Sul da Espanha, na Itália,
em Portugal, na Grécia e em grande parte da Europa Oriental. Porém, a adesão de
novas nações alteraria esta geografia. E a maioria das atuais regiões (menos
desenvolvidas) seria reclassificada como “regiões de transição”, recebendo,
assim, menos fundos de coesão, já que a maioria das novas “regiões menos
desenvolvidas” – produto interno bruto (PIB) regional per capita inferior a 75% da média da UE – se situaria nos novos estados-membros
da UE.
Nestes termos,
a Itália e a Espanha sofreriam os maiores cortes no financiamento, perdendo
cada uma quase nove mil milhões de euros, seguidas de Portugal (menos quatro
mil milhões de euros), da Hungria e da Roménia (menos dois mil milhões de euros,
cada). Ao mesmo tempo, a Polónia, apesar de algumas transferências de regiões
para categorias mais elevadas, não sofreria uma redução do financiamento da
coesão, pois a sua dotação já está limitada pelo limite máximo global de 2,3%
do PIB para a maioria dos pagamentos da coesão.
Em termos
globais, o potencial alargamento a 36 estados aumenta o orçamento total da UE
de 1111 mil milhões de euros para 1356 mil milhões. Porém, a análise considera
também alterações noutras partes do orçamento, como a PAC, a política de
vizinhança e a AP. Assim, espera-se que a UE reveja as suas regras orçamentais,
antes de um alargamento e que implemente um período de transição, antes de os
novos membros poderem aceder aos fundos.
A outra face
da moeda é que, se o número de membros da UE aumentar para 36, o custo líquido
do alargamento, para os anteriores 27 membros, será de cerca de 26 mil milhões
de euros, por ano. E o Bruegel afirma que uma UE maior impulsionaria a economia
dos atuais membros, especialmente, em termos de exportações e de investimento
direto estrangeiro. “Os fluxos de investimento direto estrangeiro dos países da
Europa Ocidental para os países da Europa Central e Oriental que aderiram à UE,
entre 2004 e 2013, revelaram-se lucrativos e esta tendência deverá manter-se
com os nove novos membros”, concluiu a organização.
Por outro
lado, os novos estados-membros trazem mão-de-obra adicional aos países da UE, que
enfrentam escassez de mão-de-obra. E, embora os países beneficiários líquidos
recebam um pouco menos do orçamento da UE, após o alargamento, a redução seria
menor, comparativamente com a redução no atual Quadro Financeiro Plurianual
(2021-2027), por sua vez, em comparação com 2014-2020”, o período que se seguiu
à entrada de 13 novos países na UE.
***
Em
2024, celebraram-se os 20 anos do “big bang” do alargamento. E a UE está, de
novo, a discutir os futuros alargamentos. Obviamente, esta discussão é
influenciada pela realidade geopolítica que não deixou indiferentes as
sociedades dos estados-membros.
O alargamento da UE, em 2004 foi o
quinto, o maior desde a sua criação. Na altura, dez países muito diferentes, em
diferentes partes da Europa, juntaram-se à família europeia dos 15, num clima
de ceticismo e de preocupação, em relação a este grande passo. Oito países do
antigo bloco de Leste, juntamente com Malta e Chipre, aderiram à UE. O 1.º de maio
de 2004 foi celebrado, duas vezes, por cidadãos de Malta à Polónia e de Chipre
à Lituânia. No entanto, nem todos os cidadãos dos antigos países europeus
partilharam os mesmos sentimentos de alegria e de otimismo, receando a
concorrência barata do Leste, de que ainda se fala nos tempos que correm.
Houve também muitas preocupações
quanto à forma como as instituições da UE tomam decisões, surgindo o argumento de
que a adesão dos novos países tornaria a União “pesada e ineficaz”.
A propósito, Marilena Koppa, antiga
eurodeputada e professora de Política Comparada no Departamento de Estudos
Internacionais, Europeus e Regionais da Universidade Panteion, em Atenas, na Grécia,
declarou à Euronews: “A primeira
lição é que o aprofundamento, por si só, não é suficiente. A Europa também está
a avançar com o alargamento, com o objetivo de cobrir todo o espaço europeu e
não deixar buracos negros, como, por exemplo, os Balcãs Ocidentais. Em segundo
lugar, o que foi considerado um projeto muito, muito difícil, porque se tratava
de uma transição para a democracia, mas também de uma transição para o mercado
livre, foi um grande sucesso e a convergência foi tangível e substancial. E a
Europa conseguiu, realmente, chegar de Sófia, desde as fronteiras da União Soviética
até ao Atlântico.”
Os países dos Balcãs Ocidentais
esperam, há anos, pela adesão à UE. Na qualidade de países candidatos, a
Albânia, a Bósnia e Herzegovina, o Montenegro, a Macedónia do Norte e a Sérvia
estão a reformar as legislações nacionais para as alinharem com as regras,
regulamentos e normas da UE. A Moldávia, a Ucrânia e, até recentemente, a
Geórgia estão a fazer o mesmo.
No seminário realizado, nos gabinetes
do PE, pela ELIAMEP, fundação grega para a política europeia, por ocasião do 20.º
aniversário do grande alargamento, foram abordadas as preocupações para o
futuro. “A realidade geopolítica mudou bastante. Em primeiro lugar, a
perspetiva de adesão da Ucrânia e, em segundo lugar, a perspetiva dos Balcãs
Ocidentais, que era a nossa principal prioridade. As questões do alargamento
deixaram, subitamente, de ser uma prioridade. Parece que a penetração de países
terceiros na região mais alargada está a mudar aquilo que nos preocupa,
enquanto Europa, e está, portanto, a criar um novo contexto geopolítico nos
Balcãs Ocidentais. E penso que isso é benéfico para o processo, porque, neste
momento, pelo menos, numa base económica, estamos a assistir a uma série de
atrasos. Assim, a realidade geopolítica acabará, provavelmente, por ajudar os
Balcãs Ocidentais numa lógica de integração mais rápida”, defende Spyros
Blavoukos, professor do Departamento de Estudos Económicos Internacionais e
Europeus da Universidade de Economia e Gestão de Atenas, especializado em
Análise das Instituições Internacionais e Europeias e investigador principal da
ELIAMEP.
Uma sondagem recente revela que 53%
dos inquiridos, nos estados-membros da UE, são a favor do futuro alargamento da
UE, enquanto 37% são contra. As duas maiores potências económicas e políticas
da UE, a França e a Alemanha, obtiveram maiorias que afirmam não ser favoráveis
à aceitação de novos países como membros da União, com 55% e 49%, respetivamente,
contra.
Por isso, no dizer de Nikos Tzifakis,
titular da Cátedra Jean Monnet em Políticas Externas da União Europeia e dos
Balcãs Ocidentais e professor de Relações Internacionais no Departamento de
Ciência Política e Relações Internacionais da Universidade do Peloponeso, na
Grécia, a UE deve avançar “rapidamente” com o alargamento, porque “é necessário
preencher uma lacuna que, enquanto existirem outras potências, como a Rússia,
pode ser explorada na região”, o que requer vontade política. As reformas de
base necessárias para preparar a UE não requerem a revisão dos Tratados. A UE
pode, por decisões unânimes do Conselho Europeu, alterar a dimensão da Comissão
Europeia e do PE ou utilizar as cláusulas-ponte para recorrer mais “à votação
por maioria qualificada, em vez da unanimidade”.
A atitude da UE, em relação aos
Balcãs Ocidentais, tem sido hesitante, causando preocupação e insatisfação.
Durante muitos anos, o debate esteve congelado. A questão está, de novo, em
cima da mesa, mas tudo depende da vontade política dos estados-membros.
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Como
diz a presidente da Comissão, “o alargamento é uma política vital para a UE”. Porém,
requer vontade, democracia multifacetada, ponderação de riscos e ousadas reformas
internas.
2025.01.14 – Louro de Carvalho
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