sábado, 4 de janeiro de 2025

Efeitos psicológicos do vinho e cautelas a ter no seu consumo

 

O jornal Público, no caderno “Fugas”, a 4 de janeiro (sábado), publicou um artigo de Pedro Garcias, sob o título “Os efeitos psicológicos do vinho e o prazer que vem com a escassez”, a sustentar que “deve haver um ponto certo para se desfrutar do vinho ou de qualquer tipo de álcool” e a confessar: “Quanto menos bebo, mais prazer consigo retirar do que bebo.”

Considera Pedro Garcias que muitos vinhos impressionam pela cor, pela qualidade, pela idade ou pelo preço (“muito alto ou muito baixo), “mas só uns poucos chegam a emocionar-nos”, graças à “extrema pureza e autenticidade do vinho”, à “companhia”, ao “lugar”, ao “aroma”, podendo “ser tudo junto ou uma coisa apenas. No entanto, sustenta que é encantador beber o vinho no lugar onde ele é produzido e, de preferência, em companhia de amigos.

Beber, como refere o jornalista e produtor de vinho no Douro, celebra momentos de festa e de alegria, fazendo os Portugueses parte da civilização do vinho. Porém, adverte que “o alcoolismo é um problema seriíssimo”, pelo que a receita, para indivíduos em condições normais de saúde é a bebida com moderação, sendo utópico “tentar impor a abstémia a toda a gente”.  

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O vinho, uma das bebidas mais antigas e apreciadas no Mundo, é, frequentemente, associado a celebrações e a momentos de prazer e de alegria; e estudos sugerem a relação entre vinho e bem-estar, pois o consumo moderado pode beneficiar a saúde. Porém, o tema exige discernimento e desmistificação de asserções tidas como verdadeiras. Uma das questões comuns é “se consumir vinho, diariamente, prejudica a saúde”, o que depende de diversos fatores, como a idade, o sexo, as condições gerais de saúde da pessoa, a quantidade ingerida, entre outros aspetos.

Consumir bebidas alcoólicas em excesso pode levar a problemas de saúde, como doenças hepáticas, hipertensão e dependência alcoólica. Contudo, estudos diversos sugerem que o consumo moderado, particularmente de vinho tinto, pode estar associado a alguns benefícios à saúde, pois atua em cenários, como a redução do risco de doenças cardíacas. A chave é entender e respeitar os limites recomendados, de acordo com cada pessoa.

A moderação é o caminho normal para desfrutar dos benefícios do vinho, sem comprometer a saúde, sendo de frisar que o consumo excessivo de álcool pode trazer graves prejuízos à saúde física e mental. A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que as mulheres limitem o consumo de álcool a uma taça, por dia, e os homens a duas taças, por dia. Este padrão de consumo tem sido associado a benefícios, como a melhoria da saúde cardiovascular, devido aos polifenóis presentes no tinto, especialmente o resveratrol, que tem propriedades antioxidantes e anti-inflamatórias. Não obstante, pessoas com problemas de saúde, como doenças cardíacas, hepáticas ou renais, gestantes, lactantes e indivíduos em tratamento médico devem consultar um profissional de saúde, antes de consumirem qualquer quantidade de álcool.

Nem todo o vinho é bom para a saúde. Há diversos estilos de vinho, o que implica em diferentes composições. Os tintos, mormente os ricos em resveratrol, um polifenol da casca das uvas, têm associação mais ampla a benefícios para a saúde cardiovascular, mas vinhos doces e fortificados, tendem a conter mais açúcar e maior teor alcoólico, o que pode anular os potenciais benefícios.

Beber vinho, por si só, não emagrece. Embora tenha menos calorias do que outras bebidas alcoólicas, como cerveja e destilados, contribui para o ganho de peso, se o consumo for excessivo. Ao invés, o consumo excessivo pode levar ao aumento do apetite e dificultar a perda de peso.

O vinho branco não é, taxativamente, tão saudável como o tinto. Apesar de o branco também conter antioxidantes, geralmente, possui menores níveis de polifenóis, em comparação com o tinto, que oferece mais benefícios à saúde, devido à maior concentração de compostos, como o resveratrol. Entretanto, isso não significa que o branco seja prejudicial; simplesmente, não oferece os mesmos níveis de benefícios antioxidantes.

O vinho não é um afrodisíaco direto. Embora relaxe e desiniba muitas pessoas, não há pesquisas científicas que comprovem o efeito afrodisíaco direto. A sensação de euforia e de relaxamento que proporciona pode, indiretamente, influenciar o humor e a disposição de cada pessoa.

O vinho não ajuda a dormir melhor. Assim como outra bebida alcoólica, o vinho funciona, deprimindo o sistema nervoso central e gerando uma sedação que pode levar, mais rapidamente, ao sono. Porém, a qualidade do sono fica prejudicada, pois o álcool diminui o período de sono profundo, deixando-o fragmentado. 

Em contraponto, há verdades sobre o vinho e o bem-estar.

1. O vinho pode melhorar a saúde cardiovascular. O consumo moderado de tinto pode ter associação a menor risco de doenças cardíacas. Os polifenóis presentes no vinho apresentam propriedades antioxidantes que podem ajudar a proteger as paredes dos vasos sanguíneos, reduzir a inflamação e aumentar o colesterol “bom” (HDL).

2. O vinho pode ajudar a reduzir o risco de diabetes tipo 2. O consumo moderado de vinho tinto pode estar ligado a menor incidência de diabetes tipo 2. O resveratrol, em particular, pode melhorar a sensibilidade à insulina (hormona que o pâncreas segrega), o que ajuda a regular os níveis de açúcar no sangue, mas o consumo deve ser moderado e integrar uma dieta equilibrada.

3. O vinho pode melhorar a saúde mental. O consumo moderado de vinho tem sido conexo com menor incidência de depressão e de ansiedade. Alguns estudos indicam que os polifenóis podem ter efeitos neuroprotetores, ajudando a melhorar o humor e a reduzir o stresse. Entretanto, o consumo excessivo pode ter o efeito inverso, o aumento do risco de saúde mental.

4. O vinho pode auxiliar a minorar o risco de Alzheimer. O consumo de vinho tinto pode ter relação com um menor risco de doenças neurodegenerativas, como Alzheimer. Os compostos antioxidantes podem proteger as células do cérebro contra danos e contra inflamação.

5. O vinho pode fortalecer o sistema imunológico. O consumo moderado pode contribuir para o fortalecimento do sistema imunológico, mercê dos seus compostos antioxidantes, ajudando o corpo a combater infeções e outras doenças. 

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A relação entre a psicologia e o universo dos vinhos é fascinante e cheia de curiosidades.

O vinho é muito mais do que simples bebida alcoólica. Carrega consigo uma rica tradição milenar e uma complexidade de aromas e sabores que podem despertar sensações únicas em cada pessoa. E a relação entre o vinho e a psicologia revela-se na capacidade de provocar emoções e de influenciar a perceção sensorial.

Ao escolher um vinho, muitas vezes, somos influenciados pela aparência da garrafa e do rótulo. A psicologia das cores desempenha papel importante nesse processo, pois as cores podem evocar diferentes emoções e associações. Por exemplo, um rótulo com tons de vermelho vivo pode despertar a sensação de paixão e intensidade, enquanto um rótulo em tons mais suaves pode transmitir calma e serenidade. Além disso, a estética do rótulo e da garrafa pode influenciar a perceção que temos sobre a qualidade do vinho. Isso mostra como a psicologia está presente em cada etapa da experiência com o vinho, desde a escolha até à degustação.

Também o ambiente de degustação exerce grande influência na nossa perceção. Um estudo realizado pela Universidade de Oxford mostrou que a música pode afetar o modo como se percebe o sabor do vinho. A escolha das melodias pode realçar ou suavizar certos sabores, revelando a importância do contexto para a experiência sensorial. De igual modo, o ambiente físico, a iluminação e, mesmo, o tipo de taça utilizada podem influenciar a nossa perceção do vinho. Isso evidencia como as emoções e sensações estão ligadas ao contexto em que estamos inseridos.

Os vinhos têm o poder de despertar emoções profundas no/a degustante. Um vinho encorpado e tânico pode evocar sensação de força e robustez, enquanto um vinho leve e fresco pode transmitir delicadeza e suavidade. Cada tipo de vinho é portador de uma narrativa e de uma personalidade própria, capazes de provocar uma ampla gama de emoções.

A psicologia por trás dessas reações emocionais está relacionada com o modo como o cérebro associa os aromas e os sabores do vinho a memórias, a experiências e a estados de espírito. Por isso, a degustação torna-se, muitas vezes, uma experiência sensorial intensa e prazerosa.

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Um estudo desenvolvido pelo William James Center for Research, do ISPA, publicado em agosto de 2023 e que avaliou 102 voluntários, conclui que o vinho beneficia a saúde mental, pois os participantes sentiam-se mais estimulados e com mais prazer, ou seja, com emoções positivas.

Segundo Rui Miguel Costa, o consumo moderado regular de vinho tinto associa-se a melhor saúde mental, sendo que uma possível razão será o particular estado de transcendência que o vinho tem de provocar, “quando bebido em ambientes enriquecedores e estimulantes”. O estudo indica que o vinho aumentou o foco de atenção no momento presente, diminuindo a consciência do tempo e fazendo parecer que o tempo passava mais devagar. “A imaginação tornou-se mais vívida e o ambiente ao redor mais fascinante, estimulante; os pensamentos tornaram-se mais originais e criativos. Verificou-se, ainda, uma sensação de maior proximidade emocional e integração com o ambiente. Algumas pessoas também relataram que a experiência teve aspetos espirituais e que se sentiram ligadas a um poder maior e face a algo de grandioso”, lê-se no comunicado-síntese.

Para os autores da pesquisa, os resultados obtidos podem levar a outras investigações. “Há poucos estudos sobre os efeitos positivos do álcool na consciência. Esta lacuna é intrigante, na medida em que a maior parte das pessoas bebe álcool, não só para tirar prazer do sabor, mas também para tirar prazer dos seus efeitos na consciência, mesmo quando bebe moderadamente”, adverte o investigador, concluindo que se pode fazer um “paralelismo com a terapia psicadélica”, pois a investigação científica mostra que a eficácia dessa terapia no tratamento de problemas mentais aumenta na medida do aumento dos efeitos psicoativos caraterizados por certa transcendência, “descritos de forma semelhante aos efeitos do vinho bebido no wine bar em que se fez o estudo”.

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O psicoterapeuta Pedro Brás, verificando que é comum ouvir dizer que um copo de vinho, ao fim de um dia stressante, ajuda a relaxar e a descontrair, adverte que, tratando-se de gerir a ansiedade, “recorrer ao álcool pode ser mais prejudicial do que útil”.

O álcool pode proporcionar alívio momentâneo da ansiedade, criando a sensação de relaxamento, ao diminuir a atividade cerebral. Contudo, este alívio é temporário e o uso regular de álcool para lidar com a ansiedade pode levar a problemas mais graves, pois interfere com os processos naturais do cérebro e do corpo, exacerbando os sintomas de ansiedade, a longo prazo. Após os efeitos do álcool desaparecerem, os sintomas de ansiedade podem voltar com mais intensidade, criando um ciclo vicioso de dependência. Assim, o álcool pode afetar, negativamente, a saúde mental, agravando os sintomas de ansiedade e de depressão. Além disso, o consumo regular de álcool pode ter impactos negativos na saúde física. A boa notícia é que há várias estratégias comprovadas que ajudam a tratar a ansiedade, de forma saudável e duradoura.

1. A terapia cognitivo-comportamental (TCC), que envolve trabalhar com um terapeuta, ajuda a identificar e a modificar os padrões de pensamento negativos que contribuem para a ansiedade, oferecendo ferramentas práticas para lidar com os sintomas e proporcionando uma compreensão mais profunda das causas subjacentes, permitindo uma mudança duradoura.

2. A psicoterapia HBM: abordagem holística e integrada combina a TCC com técnicas de reequilíbrio emocional e mental. Oferecida no Programa Terapêutico de oito semanas da Clínica da Mente, aborda a ansiedade holística mente, tratando os sintomas e as causas profundas.

3. As práticas de mindfulness e de meditação são técnicas eficazes para reduzir a ansiedade, promovendo a atenção plena e a aceitação do momento presente. Estas práticas ajudam a quebrar o ciclo de pensamentos ansiosos e a cultivar um estado de calma e equilíbrio.

4. O exercício físico regular é uma forma natural e eficaz de reduzir a ansiedade. Ajuda a regular as hormonas do stresse e a promover a libertação de endorfinas, que melhoram o humor, reduzem a tensão muscular, melhoram o sono e aumentam a energia.

5. As técnicas de relaxamento e respiração são ferramentas simples e eficazes para lidar com a ansiedade em momentos de stresse. Ajudam a acalmar o sistema nervoso e a reduzir os sintomas físicos da ansiedade.

6. O tratamento profundo funciona, porque aborda as raízes da ansiedade e permite mais duradoura e eficaz recuperação. Em vez de, simplesmente, aliviar os sintomas, ajuda a identificar as causas subjacentes, a desenvolver ferramentas de gestão e a promover a mudança duradoura.

Enfim, quem está a lutar contra a ansiedade não precisa de enfrentar esta batalha a sós. Procurar ajuda profissional é passo crucial para gerir a ansiedade, de forma eficaz e saudável.

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O álcool, sob a forma de bebida, é prerrogativa de todas as civilizações: impressiona e cria emoções fortes, a nível pessoal; tem uma componente festiva (social e religiosa); associa a si conotações psicológicas; e pode beneficiar a saúde. Todavia, impõe-se o consumo moderado em pessoas em condições normais de saúde e a obrigação de evitar dependência. E é contraindicado para a cura da ansiedade.

2025.01.04 – Louro de Carvalho

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