quarta-feira, 8 de janeiro de 2025

Trump quer a Gronelândia, o Canal do Panamá e até o Canadá

 

Desde o seu primeiro mandato, Donald Trump, manifestou interesse em adquirir a Gronelândia, que é território semiautónomo da Dinamarca, aliado de longa data dos Estados Unidos da América (EUA), membro fundador da Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO), situado entre o Atlântico e o Ártico e detentor de uma grande base militar dos EUA.

Remota, gelada e quase intocada, desempenha papel relevante no clima e nas alterações climáticas que surgem no planeta. Com efeito, os cientistas climáticos descrevem-na como porta frigorífica aberta para um Mundo em aquecimento. Ou dito, de outro modo, por Geoff Dabelko, professor de Segurança e Ambiente da Universidade do Ohio, “é o ponto de interseção entre as alterações climáticas, a escassez de recursos, a geopolítica tensa e os novos padrões comerciais”. A maior ilha do Mundo está “no centro da competição geopolítica e geoeconómica, em muitos aspetos”, em parte, devido às alterações climáticas, disse Dabelko.

Segundo David Holland, cientista climático da Universidade de Nova Iorque (NYU), a Gronelândia, porta frigorífica aberta ou termóstato para um Mundo em aquecimento, situa-se numa região que está a aquecer quatro vezes mais depressa do que o resto do globo.

O seu interior contém valiosos minerais raros, necessários para as telecomunicações, bem como urânio, milhares de milhões de barris de petróleo inexplorados e vasta reserva de gás natural, o que a está a tornar de inacessível a cada vez mais acessível.

Muitos dos mesmos minerais estão atualmente a ser fornecidos, sobretudo, pela China, pelo que outros países, como os EUA, estão interessados na ilha, segundo Dabelko. Há três anos, o governo dinamarquês suspendeu a exploração de petróleo ao largo do território de 57 mil pessoas. Porém mais do que o petróleo, o gás e os minerais, há o gelo, numa quantidade “ridícula” (ironia), no dizer do climatologista Eric Rignot, da Universidade da Califórnia, em Irvine. E, se esse gelo derreter, remodelará as linhas costeiras de todo o Mundo e alterará os padrões climáticos de forma tão dramática que a ameaça inspirou um filme de Hollywood.

A Gronelândia tem gelo suficiente para, se todo ele derreter, os mares do Mundo subirem 7,4 metros. Segundo um estudo de 2022, cerca de 30 centímetros desse gelo é o gelo zombie, condenado a derreter, suceda o que suceder. E, desde 1992, a ilha perdeu cerca de 182 mil milhões de toneladas (169 mil milhões de toneladas métricas) de gelo, por ano, com perdas que atingiram 489 mil milhões de toneladas, por ano (444 mil milhões de toneladas métricas), em 2019.

A Gronelândia será “um ponto-chave” no século XXI, pelo efeito que o seu manto de gelo derretido terá no nível do mar, como sustenta Mark Serreze, diretor do Centro Nacional de Dados sobre Neve e Gelo em Boulder, no Colorado, sendo provável que provoque o aumento do nível do mar no futuro”. Esse impacto é “talvez imparável”, disse Holland da NYU.

A ilha serve de motor e de interrutor para ligar-desligar a corrente oceânica fundamental que influencia o clima da Terra, de muitas formas, incluindo a atividade de furacões e de tempestades de inverno. É a Circulação Meridional de Revolvimento do Atlântico (AMOC), que está a abrandar, porque mais água doce está a ser despejada no oceano pelo derretimento do gelo.

Uma paragem da corrente transportadora da AMOC seria um ponto de viragem climática muito temido, por mergulhar a Europa e partes da América do Norte em congelamentos prolongados – cenário retratado em “O Dia Depois de Amanhã”, filme de 2004. “Se este sistema de corrente global abrandasse substancialmente ou entrasse em colapso – como sabemos que já aconteceu no passado –, os padrões normais de temperatura e [de] precipitação, em todo o Mundo sofreriam alterações drásticas”, afirmou a cientista climática Jennifer Francis, do Centro de Investigação Climática Woodwell, sustentando que a agricultura seria arruinada, os ecossistemas entrariam em colapso e o clima “normal” seria coisa do passado.

A Gronelândia muda de cor, à medida que derrete, passando do branco do gelo, que reflete a luz solar, o calor e a energia para longe do planeta, para o azul e para o verde do oceano e da terra, que absorvem muito mais energia. E tem papel importante no congelamento que dois terços dos EUA estão a sofrer. E, em 2012, os seus padrões climáticos ajudaram a guiar a Supertempestade Sandy para Nova Iorque e para Nova Jérsia, segundo Judah Cohen, especialista em climas de inverno, da empresa privada Atmospheric and Environmental Research.

Devido às montanhas de gelo, a Gronelândia altera os padrões da corrente de jato, trazendo a todo o Mundo tempestades e ditando o clima diário. Muitas vezes, sobretudo, no inverno, um sistema de bloqueio de alta pressão, ao largo da Gronelândia, faz com que o ar do Ártico mergulhe para Oeste e para Leste, atingindo a América do Norte e a Europa.

A localização da Gronelândia é importante, porque se situa no círculo ártico entre os EUA, a Rússia e a Europa, constituindo um prémio geopolítico que os EUA e outros países têm em vista, há mais de 150 anos, e mais valioso, à medida que o Ártico se abre à navegação e ao comércio.

Nada disto tem em conta o aspeto único da ilha coberta de gelo que possui algumas das rochas mais antigas da Terra. “Vejo-a como incrivelmente bela. É de encher os olhos estar lá”, disse Holland, que fez pesquisas no gelo, mais de 30 vezes, desde 2007. “Pedaços de gelo do tamanho do Empire State Building desfazem-se em penhascos e despenham-se no oceano. E a bela vida selvagem, todas as focas e as orcas. É simplesmente de cortar a respiração”, especificou.

Eis a razão por que Donald Trump cobiça a Gronelândia, tendo insistido, de acordo com a agência Associated Press (AP), na pretensão da posse da Gronelândia e do Canal do Panamá, e tendo afirmado, recentemente, não descartar o uso de força militar ou a pressão económica, para tentar obter o controlo estratégico da Gronelândia e do Canal do Panamá, pois ambas as regiões são, na sua perspetiva, cruciais para a segurança e para a prosperidade dos EUA.

Efetivamente, em recentes declarações controversas, Trump considerou que os EUA deveriam assumir o controlo da Gronelândia e do Canadá, tendo este último sido sugerido, horas depois de o primeiro-ministro canadiano, Justin Trudeau, ter anunciado a sua demissão. “Não posso garantir que não vamos agir em relação ao Panamá ou à Gronelândia. Ambos são essenciais para os nossos interesses de segurança económica e nacional”, declarou, recentemente, em conferência de imprensa, na Flórida (fazendo-nos lembrar que já tinha referido, anteriormente, a possibilidade de o Canadá se juntar aos EUA), mas dizendo que não usaria a força militar para o fazer, afirmando que se basearia na “força económica”.

Ao prometer uma “Idade de Ouro da América”, garantiu que iria tentar mudar o nome do Golfo do México para “Golfo da América”, afirmando que tem mais “bela sonoridade”. E aproveitou a conferência de imprensa para dizer que o presidente Joe Biden estava a prejudicar a sua transição para o poder, um dia depois de este ter proibido a exploração de energia offshore na maioria das águas federais, ao recorrer à Lei da Plataforma Continental para proteger as zonas offshore ao longo das costas Leste e Oeste, o Golfo do México oriental e partes do Mar de Bering, no Norte do Alasca, de futuras atividades de exploração de petróleo e gás natural.

No primeiro mandato, em 2019, gerou controvérsia a sugestão de que os EUA poderiam comprar a ilha, território autónomo da Dinamarca, devido à sua posição estratégica no Ártico. A ideia foi rejeitada pelo governo dinamarquês, que a julgou “absurda”. E, quanto ao Canal do Panamá, Trump manifestou preocupações sobre o controlo das operações e sobre as tarifas aplicadas aos navios americanos, mencionando o crescente envolvimento da China na região como risco estratégico para os EUA. Enfim, mostrava uma política externa mais agressiva e focada no controlo direto de pontos geoestratégicos, apontando os analistas possíveis repercussões diplomáticas, num cenário de tensões internacionais em ascensão.

As declarações provocaram reações internacionais imediatas. O primeiro-ministro da Gronelândia reiterou que o território “não está à venda” e representantes do governo do Panamá rejeitaram qualquer ideia de mudança no controlo do canal, realçando o seu estatuto de soberania.

O presidente eleito dos EUA aproveitou a demissão do líder canadiano Justin Trudeau – marcando o fim do seu mandato de nove anos no poder – como ensejo para repetir os seus comentários de que o Canadá deveria tornar-se o “51.º Estado” dos EUA. Assim, horas depois de o primeiro-ministro canadiano ter anunciado a demissão, invocando batalhas internas e governo improdutivo e aduzindo que o país merece uma verdadeira escolha, Trump repetiu as suas rebuscadas sugestões de que os EUA deveriam assumir o controlo do Canadá e da Gronelândia. Assim, escreveu, na sua plataforma Truth Social, que, se o Canadá se fundisse com os EUA, “não haveria tarifas, os impostos baixariam muito e eles estariam ‘totalmente seguros’ da ameaça dos navios russos e chineses que os cercam constantemente”. E frisou que os EUA não podem continuar a sofrer os enormes défices comerciais e os subsídios de que o Canadá precisa para se manter à tona e que Trudeau se demitiu, porque o sabia.

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Como referimos, não é a primeira vez que Trump equaciona a possibilidade de o Canadá se tornar parte dos EUA. E, em dezembro passado, afirmou que muitos” canadianos queriam que as nações se fundissem. Porém, uma sondagem do “Leger” (empresa de sondagens) sugere que o número ronda os 13%. Agora, Trudeau anunciou a demissão do cargo de primeiro-ministro e de líder do Partido Liberal, que escolherá novo líder. Os críticos sugeriram que o momento foi mal pensado, por ocorrer semanas antes da tomada de posse de Trump, que ameaçou impor tarifas aduaneiras de 25% sobre os produtos canadianos, no seu primeiro dia no poder. “A demissão significa que, agora, há muito pouco que Trudeau possa fazer para evitar a ameaça tarifária de Trump”, disse à CBC News o ex-embaixador canadiano nos EUA, David MacNaughton, vincando que Trudeau deveria ter feito a mudança meses antes, para o Canadá se preparar para as ameaças de tarifas, tendo os economistas avisado que, se fossem impostas, prejudicariam a economia canadiana.

Trump também repetiu a afirmação de que os EUA assumiriam o controlo da Groenlândia, numa publicação, na noite de 6 de janeiro. “Estou a ouvir que o povo da Gronelândia é ‘MAGA’. O meu filho, Don Jr, e vários representantes vão viajar para lá [o que já aconteceu], para visitar algumas das áreas e das paisagens mais magníficas”, disse o presidente eleito. E, enquanto o filho se preparava para ir à Gronelândia escreveu: “A Gronelândia é um lugar incrível, e as pessoas beneficiarão tremendamente se, e quando, se tornar parte da nossa nação.”

A emissora dinamarquesa DR citou o líder do Departamento de Negócios Estrangeiros, Mininnguaq Kleist, que disse que a visita de Trump Jr. seria pessoal, não havendo nenhum pedido de reunião com o governo da Gronelândia.

Esta ilha do Atlântico Norte foi colónia dinamarquesa, até se tornar território autónomo , em 1979. Em janeiro, o primeiro-ministro, Mute Egede, reiterou o apelo à realização de um referende sobre a independência da ilha. E não comentou as recentes declarações de Trump, mas, em dezembro, disse que a Gronelândia “não está à venda e nunca estará à venda”.

Já ao anunciar a sua escolha para embaixador dos EUA na Dinamarca, Trump escreveu: “Para efeitos de segurança nacional e liberdade em todo o Mundo, os Estados Unidos da América consideram que a posse e o controlo da Gronelândia são uma necessidade absoluta.” E, no seu primeiro mandato, cancelou uma viagem à Dinamarca, em agosto de 2019, depois de o primeiro-ministro dinamarquês ter rejeitado a ideia de os EUA tomarem posse da ilha.

Aaja Chemnitz, deputado da Gronelândia, escreveu, no Facebook, que é preciso oporem-se às piadas do eleito. “Não deixem Trump controlar a campanha eleitoral da Gronelândia e deixar a população como perdedora nesse jogo”, escreveu, vincando que é “incrível que alguns sejam tão ingénuos para pensarem que a felicidade é feita por nos tornarmos cidadãos americanos”.

Em suma, Trump exibe o seu projeto de controlo do Ártico e do Atlântico Norte, não acreditando na NATO. A União Europeia que se cuide!

2025.01.08 – Louro de Carvalho

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