Após a prestação de juramento, com a mão direita levantada e a esquerda sobre a Bíblia, e com a subsequente tomada de posse, no
Capitólio, em Washington DC, Donald Trump regressou oficialmente ao poder, a 20
de janeiro, tornando-se o 47.º presidente dos Estados Unidos da América (EUA) –
já tinha sido o 45.º presente –, o que sustentou ser um “regresso político
histórico”.
Seguindo o teleponto e sem introduzir os habituais improvisos, num discurso
de cerca de 30 minutos, curto para os seus padrões, prometeu
que a América será grande, novamente, “propôs uma revolução do senso comum” e apresentou os principais
objetivos para o quadriénio. Porém, não mencionou os manifestantes condenados por haverem
atacado o Capitólio dos EUA, a 6 de janeiro de 2021, uma relevante omissão,
dado já ter dito que planeava perdoar a muitos deles, logo no primeiro dia de
governação.
Como peças basilares da sua intervenção oratória, apontam-se as seguintes:
* A garantia do retorno da “liberdade de expressão”, acabando com a censura
do governo, numa provável referência a um apoio às principais redes sociais e
empresas de tecnologia. Com efeito, durante o discurso, sentaram-se na fila à
frente do novo governo líderes de empresas tecnológicas, como Elon Musk, Mark
Zuckerberg e Jeff Bezos.
Elon Musk terá a seu cargo um ambicioso projeto de reforma do Estado, o acesso direto
aos vários departamentos governativos e um gabinete nas imediações da Casa
Branca.
O impacto deste apoio nas tentativas da União Europeia (UE) de regulamentar
os gigantes da tecnologia será uma questão fundamental nos tempos mais próximos.
* O apelo a uma “emergência energética nacional”, para permitir o aumento
da produção. Por conseguinte, após o discurso, a Casa Branca anunciou que os
EUA vão retirar-se do Acordo de Paris sobre o Clima, sendo esta a segunda vez
que Donald Trump se retira do acordo voluntário para reduzir as emissões de
gases com efeito de estufa (GEE).
É uma medida política que gera ansiedade entre os responsáveis da UE para o
Pacto Ecológico.
* Expansão do território norte-americano, em aparente referência ao plano
de colonização de Marte. Todavia, o presidente também repetiu planos de
política externa, mencionando a guerra entre Israel e o Hamas e afirmando que “a
China está a explorar o Canal do Panamá”, mas que “vamos recuperá-lo”. Já, no
início do mês, se recusou a excluir a possibilidade de recorrer à força militar,
para assumir o controlo desta via estratégica de navegação.
O presidente sugeriu planos para reverter as políticas de diversidade, de equidade
e de inclusão do ex-presidente Joe Biden, dizendo que o seu governo vai
reconhecer apenas dois géneros – masculino e feminino – e vai interromper as
tentativas de “manipular, socialmente, raça e género, em todos os aspetos da
vida pública e privada”.
* Trump prometeu elevar a posição dos EUA na cena mundial, afirmando que “o
declínio da América acabou”, e elogiou o seu regresso à Sala Oval, como “prova
de que nunca se deve acreditar que algo é impossível na América”.
***
“A idade de ouro dos Estados Unidos da América
começa agora. Vamos ser a inveja de toda a gente e não vamos permitir mais que se
aproveitem de nós. A nossa soberania vai ser reposta”, assegurou, num tom
inflamado.
Arrancando aplausos no Capitólio, atacou o governo cessante, acusando-o de
não conseguir gerir crises internas e externas, e criticou o atual estado dos
serviços públicos norte-americanos. “Vamos reverter, completa e totalmente, uma
traição e devolver a fé, a riqueza, a democracia e a liberdade às pessoas. A partir de aqui, o declínio da América
acabou”, prometeu.
“Aqueles que querem parar a nossa causa tentaram tirar-me a minha liberdade
e a minha vida”, afirmou, referindo-se ao atentado em Butler, durante
um comício no ano passado. “Acredito que a minha vida foi salva por uma
razão. Deus salvou-me. Sobrevivi, para tornar a América grande outra vez”,
continuou, recordando o slogan que
popularizou a campanha de 2016: “Make America Great Again” ou MAGA. É uma tirada providencialista na
política, como as de Valdimir Putin ou de Oliveira Salazar.
Enumerando, ainda, as ordens executivas que prometera assinar no
proprio dia da tomada de posse, adiantou que a primeira será a declaração de
uma “emergência nacional na
fronteira Sul. “Todas as entradas ilegais serão paradas e começaremos o
processo de devolver imigrantes ilegais aos sítios de onde vieram”,
especificou, garantindo que vai declarar cartéis mexicanos como “organizações
terroristas estrangeiras” e autorizar as forças federais e estaduais a
utilizarem “todo o seu poder e força”, para erradicar “gangues criminosos” nos
EUA.
No âmbito da declaração de emergência
energética, confirmou uma série de medidas já esperadas: a expansão da exploração petrolífera nacional
e o fim dos subsídios aos carros
elétricos, além de pesadas tarifas aduaneiras a países que, no seu
entender, promovem práticas comerciais injustas e lesivas para com o país. “Voltaremos
a ser uma nação rica e é o ouro líquido [o petróleo] que temos debaixo dos pés
que nos ajudará a consegui-lo [...] Vamos acabar com o ‘Green New Deal’ [projeto
de políticas públicas para abordar as mudanças climáticas e
atingir outros objetivos sociais, como criação de empregos, crescimento económico
e redução da desigualdade económica] e revogar o mandato dos veículos elétricos, salvando a nossa indústria
automóvel”, garantiu.
Já no final da intervenção, Trump reafirmou querer renomear o Golfo do México como “Golfo da América” e querer o
Canal do Panamá de regresso ao controlo norte-americano, acusando o
Panamá de incumprir acordos, de lesar os interesses comerciais dos EUA e de
privilegiar a China.
“Vamos tomá-lo de volta”, ameaçou, momentos depois de se autodenominar como
um “fazedor de paz” e de reclamar créditos pelo cessar-fogo no Médio
Oriente, que permitiu o reinício da libertação de reféns pelo Hamas, em Gaza, a
restituição de prisioneiros detidos por Israel
***
Após as proclamações discursivas, o presidente
assinou ordens executivas prioritárias, como:
* A retirada dos EUA do Acordo de Paris sobre o Clima, que pretende limitar o aquecimento global a 1,5 graus Celsius (1,5º
C), relativamente à era pré-industrial, tal como fez durante a sua primeira
presidência (2016-2020).
* A retirada dos EUA da Organização Mundial
da Saúde (OMS). Até agora, os EUA eram o principal doador e
parceiro da OMS. O seu contributo representava 20% do orçamento da OMS.
* A confirmou a intenção de impor tarifas de 25% sobre os produtos do Canadá e México, já
a partir do dia 1 de fevereiro;
* O decreto de perdão às cerca de
1500 de pessoas condenadas pelo ataque de 6 de fevereiro
de 2021 ao Capitólio (sede do
Congresso norte-americano), incitado pelo próprio Donald Trump depois de ter
perdido as eleições de 2020 contra Joe Biden;
* A convocação do presidente da Rússia, Vladimir Putin, para
encontrarem um acordo de paz com a Ucrânia, de modo a pôr fim à
guerra em larga escala que dura desde fevereiro de 2022;
* O adiamento temporário da proibição federal da
rede social TikTok (durante, pelo
menos, 75 dias), detida pela empresa-mãe chinesa ByteDance;
* A revogação da ordem executiva, emitida por Joe Biden, que
punia os colonos israelitas acusados de violência contra os palestinianos na
Cisjordânia ocupada;
* A renomeação do Serviço Digital, que passa a chamar-se Departamento de Eficiência Governamental
(DOGE, como o nome da criptomoeda), liderado por Elon Musk, para reduzir
burocracias e custos nos cofres do Estado;
* O memorando que dá instruções ao Secretário
do Tesouro para informar a Organização de Cooperação e de Desenvolvimento
Económico (OCDE) de que o acordo fiscal global não será aplicado nos EUA;
* A eliminação do portal governamental sobre o aborto criado em
2022, no mandato de Biden (já não está acessível o site “ReproductiveRights.gov”, que surgiu após o Supremo Tribunal
dos EUA ter revertido a decisão que protegia o direito à interrupção voluntária
da gravidez, conhecida como “Roe versus Wade”);
* A revogação da habilitação de segurança de, pelo menos, 51 antigos
funcionários dos serviços secretos (incluindo cinco antigos diretores da CIA),
acusando-os de tentar “influenciar as eleições americanas”;
* O encerramento da aplicação CBP One, que
permitia a marcação de entrevistas a imigrantes que queriam entrar no país (os
pedidos para serem ouvidos pelo Departamento de Imigração e todos os horários
de entrevistas que já tinham sido atribuídos foram cancelados).
***
Em suma, em termos ideológicos, o governo
federal reconhece apenas
dois géneros – masculino e feminino –, revertendo
os esforços do governo de Biden para ampliar as designações de identidade de
género. É declarada a “emergência nacional”
na fronteira do Sul, com o México, restabelecendo a política
‘permanecer no México’ [‘remain in Mexico’],
acabando com a prática de captura e de libertação [‘catch and release’]
e enviando tropas para
a fronteira sul “para repelir a
desastrosa invasão do país”, como prometeu o presidente, no discurso da tomada
de posse. São interrompidas “todas as entradas ilegais” de
pessoas e inicia-se o “processo de ‘devolução’ de milhões e milhões de
estrangeiros criminosos aos locais de onde vieram”. Deixa de se reconhecer,
automaticamente, como cidadãos norte-americanos os filhos de imigrantes e
requerentes de asilo nascidos no país, ou seja, acaba-se com a
cidadania por nascimento, garantida pela 14.ª Emenda, para os
filhos de imigrantes sem documentos. E designam-se cartéis e gangues de drogas como organizações terroristas
estrangeiras, invocando a Lei dos Inimigos Estrangeiros, de
1798, para que se “utilize o pleno e imenso poder da aplicação da lei federal e
estadual”, a fim de eliminar a presença de todos os gangues estrangeiros e das redes
criminosas que trazem crimes devastadores para o solo dos
EUA.
A nível estratégico, os EUA assumirão o controlo
do Canal do Panamá, que
está, alegadamente, nas mãos da China, e mudarão o nome de “Golfo do México” para
“Golfo da América”. Declaram “emergência energética”, para aumentar a produção e
exploração de petróleo e de gás natural, a fim de baixar
os preços da energia, encher as reservas estratégicas e exportar energia
americana “para todo o Mundo”. Iniciam a revisão do sistema
comercial norte-americano, para
“proteger os trabalhadores e as famílias americanas”, impondo tarifas e
tributando países estrangeiros para enriquecer os cidadãos americanos. Acabarão
com a censura e voltarão a impor o discurso livre. E colocarão a bandeira dos
Estados Unidos da América no planeta Marte, com a ajuda
de Elon Musk, diretor executivo da empresa aeroespacial SpaceX e membro da sua administração.
***
É de assinalar – no discurso, nas medidas
postas em vigor e nas anunciadas – o inqualificável surto de retrocesso
civilizacional no atual concerto das nações. Os EUA estão a fechar-se. A propalada
recuperação da liberdade de expressão é uma falácia. Exprime-se quem tem
dinheiro. E as questões de género, bem como negacionismo climático e epidemiológico,
limitam a liberdade de opinião e de expressão – liberdades que não se coartam,
nem se impõem.
Só não acontecerá o reenvio em massa de imigrantes
aos países de origem, pela dificuldade logística que isso acarreta e pelo
horizonte temporal de quatro anos. Porém, a mão-de-obra escasseará, no país, e muita
gente sofrerá.
A tarifação de produtos do exterior torná-los-á
mais caros, terá a resposta recíproca dos demais países e constituirá, sob um
falso protecionismo, a negação do comércio livre.
Enfim, a UE, que diz relacionar-se, formalmente,
com a nova administração norte-americana, poderá ficar refém da guerra
EUA-China e perder a sua participação no controlo do Ártico, em benefício do
consórcio EUA-Rússia. Oxalá estes quatro anos passem depressa!
2025.01.21 – Louro de Carvalho
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