quarta-feira, 1 de janeiro de 2025

Polémica em torno do secretário-geral do Governo, que não toma posse

 

A Secretaria-Geral do Governo ou, simplesmente, Secretaria-Geral, criada pelo Decreto-Lei n.º 43-B/2024, de 2 de julho, que também aprova a orgânica da nova estrutura de apoio ao executivo, resulta da extinção de nove institutos por fusão, que permite cortar, em 25%, o número de cargos diretivos e gerar a poupança de cerca de 4,1 milhões de euros, por ano, ao Estado.

Além do secretário-geral, o novo órgão que entrou em funções a 1 de janeiro, conta com mais seis secretários-gerais adjuntos e nove diretores de serviço, que ficam encarregues de prestar apoio técnico, administrativo e logístico ao governo, assim como trata do pagamento de vencimentos, do recrutamento de pessoal e da gestão de inventário.

Uma das suas responsabilidades, nos termos do referido diploma, é prestar apoio “técnico, administrativo, logístico” e “protocolar” ao primeiro-ministro, ao Conselho de Ministros e aos demais membros do governo, nas várias atividades governativas. Além disso, prestará apoio “administrativo e logístico, quando solicitado”, no atinente às interações entre o Governo, a Presidência da República, a Assembleia da República (AR) e outros órgãos do Estado, exercendo também funções “de encarregado de proteção de dados do governo”.

Ainda no respeitante ao apoio governamental, a equipa ficará responsável por apoiar a adoção, a implementação e o cumprimento do código de conduta do governo, do plano de prevenção de riscos e dos Planos de Continuidade do Governo e do Conselho de Ministros, ficando responsável também pela administração da residência oficial do primeiro-ministro, o Palácio de São Bento, e pela administração da sede do Governo, o Campus XXI, em Lisboa. A nível administrativo, o diploma estabelece que a Secretaria-Geral fica responsável pelo “arquivo e conservação” de documentos de suporte, “garantindo a sua confidencialidade, integridade e disponibilidade”.

Simultaneamente, a Secretaria-Geral ficará responsável por parte da gestão de recursos humanos, ficando encarregue de elaborar um “plano anual de formação de pessoal” dos ministérios e do “desenvolvimento e apoio das ações de recrutamento e seleção de recursos humanos das carreiras gerais”, mas com exceção do recrutamento específico e especializado.

Soma-se à lista de responsabilidades o “processamento de remunerações” do pessoal, excluindo as remunerações dos trabalhadores que exercem “funções em serviços específicos e especializados dos respetivos ministérios”, bem como a elaboração e a atualização dos inventários dos órgãos do Estado, a compra de serviços (segurança e limpeza) e bens (automóveis, tecnologias de informação, sistemas de informação e gestão documental eletrónica, para os gabinetes governamentais).

O secretário-geral (o nomeado foi Hélder Rosalino, que desistiu do cargo antes de tomar posse) conta com o apoio de uma equipa composta por seis secretários-gerais adjuntos – Fátima Ferreira, Filipe Pereira, João Rolo e Mafalda Santos são os nomes já conhecidos (os outros dois serão nomeados mais tarde, à medida que se processarem as fusões de serviços, segundo a calendarização anexa ao Decreto-Lei) – e nove diretores de serviços. E, além de coordenar os trabalhos da equipa e de apoiar os membros do governo no “relacionamento institucional com outras entidades congéneres, nacionais ou estrangeiras”, o responsável por este órgão assegurará a publicação dos atos normativos do governo em Diário da República e procederá a “retificações” do texto, se for necessário, e fará a delegação de competências entre os seis adjuntos da sua equipa, e, em ocasiões em que não esteja disponível, será o próprio a nomear um substituto.

O decreto-lei em causa estabelece também a tabela remuneratória dos dirigentes desta entidade. Os seis secretários-gerais adjuntos auferem um salário bruto mensal equivalente a 85% do salário base do secretário-geral, ao qual acresce 20% referente a despesas de representação. Já os diretores de serviço contarão com um salário bruto mensal equivalente a 75% do salário base do secretário-geral. De acordo com a tabela remuneratória única, o secretário-geral do Governo deve auferir um salário de 4884,45 euros, aos quais se somam 25% das despesas de representação (cerca de mil euros, por mês). No entanto, Rosalino optou por receber o mesmo salário que recebia enquanto ex-administrador do Banco de Portugal (BdP): mais de 15 mil euros, por mês.

Porém, Mário Centeno, governador do BdP, veio dizer que o banco central não paga a fatura, invocando estar proibido pelo Eurosistema. “Como está legalmente previsto, cabe, inclusive, à Secretaria-Geral reembolsar o Banco de Portugal de alguma componente do regime da proteção social que tenha sido processada diretamente, em resultado do quadro legal aplicável”, lê-se num comunicado emitido pelo BdP, a 28 de dezembro de 2024.

Ainda assim, o primeiro-ministro manteve a posição. Em resposta ao jornal Públicoo executivo explica que esta contratação permitirá “uma poupança relevante”, já que o Estado teria de continuar a suportar o salário do gestor, por esta ser uma posição permanente, e teria de pagar o salário de novo funcionário para dirigir a Secretaria-Geral. “Trata-se de uma poupança significativa para os cofres do Estado, “independentemente de qual das entidades públicas seja a pagadora”, esclarece.

As reformas ora decretadas somam-se aos progressos feitos com a capacitação do Centro de Competências Jurídicas do Estado (CEJURE) e do Centro de Planeamento e Avaliação de Políticas Públicas (PLANAPP), que, segundo São Bento, reduzem “a dependência de contratação de serviços externos pelo Estado e melhoram a qualidade de planeamento, prospeção e avalização de políticas públicas”. “Estas duas entidades constituem o ‘braço” jurídico’ e de planeamento do Governo, que, juntamente com o ‘braço’ operacional da Secretaria-Geral do Governo, reforçam a capacidade do centro do Governo, dão melhor uso ao dinheiro público e vão ao encontro das exigências da Comissão Europeia que permitiram o desbloqueio do quinto desembolso do PRR [Plano de Recuperação e Resiliência]”, justifica a nota do primeiro-ministro, que dava a conhecer a nomeação de Hélder Rosalino como secretário-geral, que foi, além de ex-administrador do BdP (2014-2024), secretário de Estado da Administração Pública, durante a governação de Pedro Passos Coelho.

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A possibilidade de opção de Helder Rosalino por vencimento de origem, superior ao do primeiro-ministro decorre de alteração ao artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 43-B/2024, de 2 de julho, introduzida pelo artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 114-B/2024, de 26 de dezembro. Assim, nos termos do novo n.º 3 do referido artigo 14.º, “o pessoal dirigente superior que seja trabalhador com vínculo de emprego por tempo indeterminado previamente constituído, de natureza pública ou privada, com entidades ou pessoas coletivas públicas, pode optar, a todo o tempo, pelo estatuto remuneratório correspondente ao posto de trabalho ou categoria detidos na origem, desde que para tal seja expressamente autorizado no respetivo ato de designação, sem sujeição ao limite estabelecido no número anterior” (que estabelece: “o pessoal dirigente superior da Secretaria-Geral pode optar a todo o tempo pelo vencimento ou retribuição base devida na situação jurídico-funcional de origem que esteja constituída por tempo indeterminado, desde que para tal seja expressamente autorizado no respetivo ato de designação, não podendo, todavia, exceder, em caso algum, o vencimento base do primeiro-ministro, sem prejuízo do disposto no número seguinte”).

Hélder Rosalino encaixa-se bem na nova norma: já não estava ao serviço do BdP e a opção foi autorizada no ato de designação.

Este ato governativo levantou celeuma. E o grupo parlamentar do Partido Socialista (PS) vai pedir a apreciação parlamentar do diploma que define o estatuto remuneratório dos dirigentes da Secretaria-Geral. “Apesar de não ser matéria de reserva da Assembleia da República, a definição do quadro remuneratório do pessoal dirigente – em particular, com regras de exceção que permitem a dirigentes receber mais do que o Presidente da República – é aconselhável que o Parlamento seja parte na decisão desta matéria”, refere o PS, em comunicado.

Também o Chega vai pedir a apreciação parlamentar de “todos os atos” relativos a esta nomeação, tal como o partido Pessoas + Animais + Natureza (PAN), que requereu ao primeiro-ministro que envie à AR “toda a documentação” sobre a nomeação de Hélder Rosalino para o cargo de secretário-geral do Governo e respetivo custo e “a lista de nomes ponderados para o lugar (se existir), métodos de seleção utilizados e correspondência oficial sobre o processo trocada entre o Governo e o nomeado e entre o Governo e a entidade empregadora de origem”.

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A polémica em torno do vencimento que Hélder Rosalino receberia como secretário-geral do Governo, ao manter o ordenado de origem, não é inédita. Há 20 anos, Paulo Macedo enchia os noticiários, devido ao ordenado quatro vezes superior ao do primeiro-ministro, para dirigir o Fisco. Porém, o desfecho foi distinto. A nomeação do ex-administrador do BdP ficou pelo caminho, ao passo que o agora presidente da Caixa Geral de Depósitos (CGD) resistiu.

Em 2004, era José Manuel Durão Barroso primeiro-ministro e Manuela Ferreira Leite ministra das Finanças, quando chegou a Paulo Macedo, quadro do Banco Comercial Português (BCP), então liderado por Jardim Gonçalves, o convite para diretor-geral dos Impostos. O desafio foi aceite e, pouco depois, eclodiu a polémica: o gestor teria o salário mais elevado do Estado, superando, em larga medida, o do chefe do governo. Todavia, a nomeação foi avante e o gestor manteve-se no cargo, durante três anos, em regime de comissão de serviço. A contestação não recaiu sobre as competências técnicas, mas sobre o vencimento de 23480 euros que iria receber por mês. Em 2007, em entrevista ao Expresso, Macedo afirmou que o salário não tinha esse valor. “São 21236 euros. Um dos números mais falados em Portugal, nos últimos três anos, e nem sequer está correto…”, clarificou.

Todavia, o valor do ordenado do diretor do Fisco fixou-se bem acima do vencimento de tabela de outros diretores-gerais, que rondava os 6390 euros, o que foi possível porque o Decreto-Lei n.º 719/74, de 18 de dezembro, autoriza a requisição, por parte do Estado de quaisquer gestores ou técnicos de empresas do setor privado, desde que se verifique a urgente necessidade dessa requisição e o acordo dos indivíduos a requisitar. Assim, Manuela Ferreira Leite pôde requisitar o gestor ao BCP e Paulo Macedo exerceu a opção de manter o ordenado de origem, acabando por sobreviver a três governos e a quatro ministros das Finanças, abandonando a máquina tributária, quando o Decreto-Lei n.º 71/2007, de 27 de março, limitou os salários base de gestor ou de funcionário público ao do primeiro-ministro, então, de cerca de 5330 euros, por mês.

Para continuar, Paulo Macedo teria de aceitar reduzir o vencimento em cerca de 75%. Segundo uma notícia do “Diário Económico”, o ministro das Finanças terá apresentado uma proposta para solucionar a perda de salário com a introdução de um sistema de avaliação, que permitiria ao governo assegurar discricionariedade para atribuir um prémio, o que o visado recusou.

Quando, em maio de 2007, abandonou o Fisco, defendeu a revisão dos salários dos políticos. “O erro estará ao nível do salário do primeiro-ministro, do Presidente da República, dos deputados. O Presidente, por exemplo, ganha menos do que alguns diretores de sucursais de agências bancárias ou do que um diretor de marketing com poucos anos de experiência. E nem estou a falar de pessoas com MBA ou [com] outros tipos de qualificações superiores. Tem é de haver coragem para, de uma vez por todas, tratar da questão política e o diretor-geral não é um cargo político, é técnico”, argumentou, então, em entrevista ao Expresso. E, questionado sobre se não tem de haver mínimos e máximos na Administração Pública, vincou: “O que tem que se resolver é o problema do salário do primeiro-ministro. Que se calhar já estaria resolvido, se, parte do tempo dedicado a discutir o meu salário, que aliás nunca foi divulgado corretamente, tivesse sido aplicado na discussão do salário dos que desempenham as funções mais importantes na hierarquia do Estado.”

Vinte anos depois, a celeuma por causa de Hélder Rosalino teve desfecho diferente. O executivo, a 30 de dezembro de 2024, comunicou que o consultor do BdP informou o governo da indisponibilidade para o cargo assumir o cargo.

O caso de Paulo Macedo foi tratado com base do diploma de 1974, acima referido. Porém, o mesmo, estabelecendo que o gestor ou técnico requisitado, por motivos de necessidade de serviço, possa optar pelo vencimento de origem, adverte que o regime, então, criado vigorará “até à promulgação da nova Constituição” e não impõe que o pagamento seja da responsabilidade do serviço de origem, antes estabelece que “as entidades patronais poderão pagar voluntariamente aos requisitados a diferença entre as remunerações auferidas antes e durante a requisição”. Mais: as empresas não podem opor-se, sem motivos justificados, “à transferência do requisitado para o lugar que lhe for destinado”, sob responsabilidade criminal, e são obrigadas “a receber, novamente, nos lugares que ocupavam, os gestores ou técnicos requisitados”.

Além disso, os casos de Rosalino e de Macedo não são iguais: o primeiro vem de uma entidade pública, o BdP; o segundo tinha vindo de uma entidade privada, o BCP. A situação é a mesma, mas o enquadramento é diferente.

Fico sem saber se estes casos têm sido tratados com a devida ponderação e se a AR reverterá a norma do Decreto-Lei n.º 114-B/2024, de 26 de dezembro.

2025.01.01 – Louro de Carvalho

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