A
Secretaria-Geral do Governo ou, simplesmente, Secretaria-Geral, criada pelo
Decreto-Lei n.º 43-B/2024, de 2 de julho, que também aprova a orgânica da nova
estrutura de apoio ao executivo, resulta da extinção de nove institutos por
fusão, que permite cortar, em 25%, o número de cargos diretivos e gerar a
poupança de cerca de 4,1 milhões de euros, por ano, ao Estado.
Além
do secretário-geral, o novo órgão que entrou em funções a 1 de janeiro, conta
com mais seis secretários-gerais adjuntos e nove diretores de serviço, que
ficam encarregues de prestar apoio técnico, administrativo e logístico ao governo,
assim como trata do pagamento de vencimentos, do recrutamento de pessoal e da gestão
de inventário.
Uma das suas responsabilidades, nos termos do referido diploma, é prestar apoio “técnico, administrativo, logístico” e “protocolar”
ao primeiro-ministro, ao Conselho de Ministros e aos demais membros do governo, nas
várias atividades governativas. Além disso, prestará apoio “administrativo e
logístico, quando solicitado”, no atinente às interações entre o
Governo, a Presidência da República, a Assembleia da República (AR) e outros
órgãos do Estado, exercendo também funções “de encarregado de proteção
de dados do governo”.
Ainda no respeitante ao apoio governamental, a equipa ficará responsável
por apoiar a adoção, a implementação e o cumprimento do código de
conduta do governo, do plano de prevenção de riscos e dos Planos de
Continuidade do Governo e do Conselho de Ministros, ficando responsável também pela administração da residência oficial do primeiro-ministro, o
Palácio de São Bento, e pela administração da sede do Governo, o Campus XXI, em
Lisboa. A nível administrativo, o diploma estabelece que a Secretaria-Geral fica responsável pelo “arquivo e conservação”
de documentos de suporte, “garantindo a sua confidencialidade,
integridade e disponibilidade”.
Simultaneamente, a Secretaria-Geral ficará responsável por parte da gestão
de recursos humanos, ficando encarregue de elaborar um “plano anual de formação de pessoal” dos ministérios e
do “desenvolvimento e apoio das ações de recrutamento e seleção de recursos
humanos das carreiras gerais”, mas com exceção do recrutamento específico e
especializado.
Soma-se à lista de responsabilidades o “processamento de remunerações”
do pessoal, excluindo as remunerações dos trabalhadores que exercem
“funções em serviços específicos e especializados dos respetivos ministérios”,
bem como a elaboração e a atualização dos inventários dos órgãos do Estado, a
compra de serviços (segurança e limpeza) e bens (automóveis, tecnologias de informação, sistemas de
informação e gestão documental eletrónica, para os gabinetes governamentais).
O secretário-geral (o nomeado foi Hélder Rosalino, que
desistiu do cargo antes de tomar posse) conta com o apoio de uma equipa
composta por seis secretários-gerais adjuntos – Fátima
Ferreira, Filipe Pereira, João Rolo e Mafalda Santos são os nomes já conhecidos
(os outros dois serão nomeados mais tarde, à medida que se processarem as
fusões de serviços, segundo a calendarização anexa ao Decreto-Lei) – e nove diretores de serviços. E, além de coordenar os
trabalhos da equipa e de apoiar os membros do governo no “relacionamento
institucional com outras entidades congéneres, nacionais ou estrangeiras”, o responsável
por este órgão assegurará a publicação dos atos normativos do governo em Diário da República e procederá a
“retificações” do texto, se for necessário, e fará a delegação de competências
entre os seis adjuntos da sua equipa, e, em ocasiões em que não esteja
disponível, será o próprio a nomear um substituto.
O decreto-lei em causa estabelece também a tabela remuneratória dos
dirigentes desta entidade. Os seis secretários-gerais adjuntos auferem um salário bruto mensal equivalente a 85% do salário base do secretário-geral,
ao qual acresce 20% referente a despesas de representação. Já os diretores de serviço contarão com um salário bruto mensal
equivalente a 75% do salário base do secretário-geral. De acordo com a
tabela remuneratória única, o secretário-geral do Governo
deve auferir um salário de 4884,45 euros, aos quais se somam 25% das despesas
de representação (cerca de mil euros, por mês). No entanto, Rosalino
optou por receber o mesmo salário que recebia enquanto ex-administrador do
Banco de Portugal (BdP): mais de 15 mil euros, por mês.
Porém, Mário Centeno, governador do BdP, veio dizer
que o banco central não paga a fatura, invocando estar proibido pelo
Eurosistema. “Como
está legalmente previsto, cabe, inclusive, à Secretaria-Geral reembolsar o
Banco de Portugal de alguma componente do regime da proteção social que tenha
sido processada diretamente, em resultado do quadro legal aplicável”, lê-se num
comunicado emitido pelo BdP, a 28 de dezembro de 2024.
Ainda assim, o primeiro-ministro manteve a posição. Em resposta ao jornal Público, o executivo explica que esta contratação permitirá “uma poupança
relevante”, já que o Estado teria de continuar a suportar o salário
do gestor, por esta ser uma posição permanente, e teria de pagar o salário de
novo funcionário para dirigir a Secretaria-Geral. “Trata-se de uma poupança
significativa para os cofres do Estado, “independentemente de qual das
entidades públicas seja a pagadora”, esclarece.
As reformas ora decretadas somam-se aos progressos
feitos com a capacitação do Centro de Competências Jurídicas do Estado (CEJURE)
e do Centro de Planeamento e Avaliação de Políticas Públicas (PLANAPP), que,
segundo São Bento, reduzem “a dependência de contratação de serviços externos
pelo Estado e melhoram a qualidade de planeamento, prospeção e avalização de
políticas públicas”. “Estas duas entidades constituem o ‘braço” jurídico’ e de
planeamento do Governo, que, juntamente com o ‘braço’ operacional da
Secretaria-Geral do Governo, reforçam a capacidade do centro do Governo, dão
melhor uso ao dinheiro público e vão ao encontro das exigências da Comissão
Europeia que permitiram o desbloqueio do quinto desembolso do PRR
[Plano de Recuperação e Resiliência]”, justifica a nota do primeiro-ministro,
que dava a conhecer a nomeação de Hélder Rosalino como secretário-geral, que
foi, além de ex-administrador do BdP (2014-2024), secretário de Estado da
Administração Pública, durante a governação de Pedro Passos Coelho.
***
A
possibilidade de opção de Helder Rosalino por vencimento de origem, superior ao
do primeiro-ministro decorre de alteração ao artigo 14.º do Decreto-Lei n.º
43-B/2024, de 2 de julho, introduzida pelo artigo 21.º do Decreto-Lei
n.º 114-B/2024, de 26 de dezembro. Assim, nos termos do novo n.º 3 do
referido artigo 14.º, “o pessoal
dirigente superior que seja trabalhador com vínculo de emprego por tempo
indeterminado previamente constituído, de natureza pública ou privada, com
entidades ou pessoas coletivas públicas, pode optar, a todo o tempo, pelo
estatuto remuneratório correspondente ao posto de trabalho ou categoria detidos
na origem, desde que para tal seja expressamente autorizado no respetivo ato de
designação, sem sujeição ao limite estabelecido no número anterior” (que
estabelece: “o pessoal dirigente superior da Secretaria-Geral pode optar a todo
o tempo pelo vencimento ou retribuição base devida na situação
jurídico-funcional de origem que esteja constituída por tempo indeterminado,
desde que para tal seja expressamente autorizado no respetivo ato de
designação, não podendo, todavia, exceder, em caso algum, o vencimento base do
primeiro-ministro, sem prejuízo do disposto no número seguinte”).
Hélder Rosalino encaixa-se bem na nova norma: já não estava
ao serviço do BdP e a opção foi autorizada no ato de designação.
Este ato governativo levantou celeuma. E o grupo parlamentar do Partido Socialista (PS) vai
pedir a apreciação parlamentar do diploma que define o estatuto remuneratório
dos dirigentes da Secretaria-Geral. “Apesar de não ser matéria de reserva da
Assembleia da República, a definição do quadro remuneratório do pessoal
dirigente – em particular, com regras de exceção que permitem a dirigentes
receber mais do que o Presidente da República – é aconselhável que o Parlamento
seja parte na decisão desta matéria”, refere o PS, em comunicado.
Também
o Chega vai pedir a apreciação parlamentar de
“todos os atos” relativos a esta nomeação, tal como o partido Pessoas + Animais
+ Natureza (PAN), que requereu ao primeiro-ministro que envie à AR “toda
a documentação” sobre a nomeação de Hélder Rosalino para o cargo de secretário-geral
do Governo e respetivo custo e
“a lista de nomes ponderados para o lugar (se existir), métodos de seleção
utilizados e correspondência oficial sobre o processo trocada entre o Governo e
o nomeado e entre o Governo e a entidade empregadora de origem”.
***
A polémica em torno do vencimento que Hélder Rosalino receberia como
secretário-geral do Governo, ao manter o ordenado de origem, não é
inédita. Há 20 anos, Paulo Macedo enchia os noticiários, devido ao ordenado
quatro vezes superior ao do primeiro-ministro, para dirigir o Fisco. Porém,
o desfecho foi distinto. A nomeação do ex-administrador do BdP ficou pelo
caminho, ao passo que o agora presidente da Caixa Geral de Depósitos (CGD)
resistiu.
Em 2004, era José Manuel Durão Barroso
primeiro-ministro e Manuela Ferreira Leite ministra das Finanças, quando chegou
a Paulo Macedo, quadro do Banco Comercial Português (BCP), então liderado por
Jardim Gonçalves, o convite para diretor-geral dos Impostos. O desafio foi aceite e, pouco depois, eclodiu a polémica: o gestor teria o salário mais elevado do
Estado, superando, em larga medida, o do chefe do governo. Todavia, a nomeação
foi avante e o gestor manteve-se no cargo, durante três anos, em regime de
comissão de serviço. A contestação não recaiu sobre as competências
técnicas, mas sobre o vencimento de 23480 euros que iria receber por mês. Em
2007, em entrevista ao Expresso, Macedo afirmou que o salário não tinha esse valor.
“São 21236 euros. Um dos números mais falados em Portugal, nos
últimos três anos, e nem sequer está correto…”, clarificou.
Todavia, o valor do ordenado do diretor do Fisco
fixou-se bem acima do vencimento de tabela de outros diretores-gerais, que
rondava os 6390 euros, o que foi possível porque o Decreto-Lei n.º 719/74, de
18 de dezembro, autoriza a requisição, por parte do Estado de quaisquer
gestores ou técnicos de empresas do setor privado, desde que se verifique a urgente necessidade dessa requisição e o acordo
dos indivíduos a requisitar. Assim, Manuela Ferreira Leite pôde requisitar o
gestor ao BCP e Paulo Macedo exerceu a opção de manter o
ordenado de origem, acabando por sobreviver a três governos e a quatro
ministros das Finanças, abandonando a máquina
tributária, quando o Decreto-Lei n.º 71/2007, de 27 de março, limitou os salários
base de gestor ou de funcionário público ao do primeiro-ministro, então, de
cerca de 5330 euros, por mês.
Para continuar, Paulo Macedo teria de aceitar reduzir o
vencimento em cerca de 75%. Segundo uma notícia do “Diário Económico”, o
ministro das Finanças terá apresentado uma proposta para solucionar
a perda de salário com a introdução de um sistema de avaliação, que permitiria
ao governo assegurar discricionariedade para atribuir um prémio, o que o visado
recusou.
Quando, em maio de 2007, abandonou o Fisco, defendeu a revisão dos salários
dos políticos. “O erro estará ao nível do salário do primeiro-ministro, do
Presidente da República, dos deputados. O Presidente, por exemplo, ganha menos
do que alguns diretores de sucursais de agências bancárias ou do que um diretor
de marketing com poucos anos de
experiência. E nem estou a falar de pessoas com MBA ou [com] outros
tipos de qualificações superiores. Tem é de haver coragem para, de uma vez por
todas, tratar da questão política e o diretor-geral não é um cargo político, é
técnico”, argumentou, então, em entrevista ao Expresso. E, questionado sobre se não tem de haver mínimos e
máximos na Administração Pública, vincou: “O que tem que se resolver é o
problema do salário do primeiro-ministro. Que se calhar já estaria
resolvido, se, parte do tempo dedicado a discutir o meu salário, que aliás
nunca foi divulgado corretamente, tivesse sido aplicado na discussão do salário
dos que desempenham as funções mais importantes na hierarquia do Estado.”
Vinte anos depois, a celeuma por causa de Hélder Rosalino teve desfecho diferente. O
executivo, a 30 de dezembro de 2024, comunicou que o consultor do BdP informou
o governo da indisponibilidade para o cargo assumir o cargo.
O caso de Paulo Macedo foi tratado com base do diploma de 1974, acima
referido. Porém, o mesmo, estabelecendo que o gestor ou técnico requisitado,
por motivos de necessidade de serviço, possa optar pelo vencimento de origem,
adverte que o regime, então, criado vigorará “até
à promulgação da nova Constituição” e não impõe
que o pagamento seja da responsabilidade do serviço de origem, antes estabelece
que “as
entidades patronais poderão pagar voluntariamente aos requisitados a diferença
entre as remunerações auferidas antes e durante a requisição”. Mais: as empresas
não podem opor-se, sem motivos justificados, “à
transferência do requisitado para o lugar que lhe for destinado”, sob
responsabilidade criminal, e são obrigadas
“a
receber, novamente, nos lugares que ocupavam, os gestores ou técnicos
requisitados”.
Além disso, os casos de Rosalino e
de Macedo não são iguais: o primeiro vem de uma entidade pública, o BdP; o
segundo tinha vindo de uma entidade privada, o BCP. A situação é a mesma, mas o
enquadramento é diferente.
Fico sem saber se estes casos têm
sido tratados com a devida ponderação e se a AR
reverterá a norma do Decreto-Lei n.º 114-B/2024, de 26 de dezembro.
2025.01.01
– Louro de Carvalho
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