terça-feira, 7 de janeiro de 2025

Surto de HMPV na China e de vários vírus de inverno na Europa

 

Neste inverno, a China enfrenta um surto de metapneumovírus humano (HMPV), doença respiratória que está a causar grande agitação no quadro de um aumento global das infeções.

Ao invés do coronavírus, que originou a pandemia de covid-19, em 2020, o HMPV é um vírus conhecido, com riscos e contramedidas estabelecidos, mas constitui um risco para grupos vulneráveis, como os bebés, os idosos e as pessoas com sistemas imunitários enfraquecidos, assim como apresenta caraterísticas que podem tornar a sua deteção mais difícil do que a de outros vírus.

A este respeito, Peter Openshaw, médico respiratório e especialista em gripe e em vírus sincicial respiratório (VSR), do Imperial College London, disse à Euronews Health que se trata de “agente patogénico muito importante, bastante difícil de detetar” e que, “muitas vezes, não aparece nem nos testes laboratoriais que são feitos no hospital”.

O HMPV é um vírus respiratório comum, que os cientistas holandeses detetaram, pela primeira vez, em 2001, embora fosse provável que já circulasse nas pessoas, muito antes disso.

A maioria das crianças é infetada pelo HMPV, pelo menos, uma vez, até aos cinco anos de idade, ocorrendo, normalmente, o pico das infeções no final do inverno ou no início da primavera. “Faz parte do cocktail de vírus de inverno a que estamos expostos”, afirmou John Tregoning, imunologista de vacinas do Imperial College London, num comunicado.

Este vírus provoca sintomas semelhantes aos da constipação ou da gripe, como tosse, corrimento nasal, congestão e falta de ar, de que as pessoas recuperam, normalmente, em poucos dias. Porém, algumas infeções podem ser graves e exigir hospitalização. Assim, as crianças e os idosos têm maior probabilidade de serem hospitalizados com HMPV, que pode causar doenças mais graves em pessoas com deficiências do sistema imunitário ou com doenças pulmonares crónicas.

Segundo um estudo italiano do inverno de 2018-2019, necessitaram de cuidados intensivos 10% a 12% dos doentes infetados com HMPV ou com RSV (um vírus semelhante).

Os casos de HMPV têm aumentado no Norte da China, sobretudo, em crianças com menos de 14 anos. Entretanto, uma combinação de HMPV e gripe parece estar a pressionar os sistemas de saúde, em regiões densamente povoadas, de acordo com Vasso Apostolopoulos, professor de imunologia na Universidade RMIT, na Austrália.

Embora as autoridades chinesas estejam a monitorizar o surto, atualmente, não parece existir um risco global do vírus. Porém, os casos de HMPV estão a aumentar em países como a Inglaterra, que registou uma taxa de positividade dos testes de 4,53%, no final de dezembro, contra 2,29%, em novembro, o que indica que o vírus se está a propagar.

Os casos de gripe, de covid-19, de VSR e de norovírus (o vírus dos vómitos de inverno), também têm vindo a aumentar na Europa, no que os especialistas chamaram de “quadridemia”. E Peter Openshaw sustenta que “uma combinação destes vírus já conhecidos [parece] estar a causar um aumento global”. Todavia, segundo Apostolopoulos, o HMPV que circula na China não parece ter sofrido mutação para uma estirpe mais perigosa, mas a monitorização da doença e os esforços de controlo da infeção serão importantes para minimizar os riscos para a saúde pública. “Nesta fase, a probabilidade é que a China esteja a passar por uma má época de HMPV, da mesma forma que, em alguns anos, temos uma época de gripe avassaladora”, afirmou, em comunicado, Sanjaya Senanayake, especialista em doenças infeciosas da Universidade Nacional Australiana.

Ainda não há vacinas para o HMPV, mas Andrew Pollard, diretor do Oxford Vaccine Group da Universidade de Oxford, refere que estão a ser desenvolvidas várias, incluindo algumas que podem proteger tanto contra o HMPV como contra o RSV.

Tal como outros vírus, o HMPV propaga-se através da tosse e dos espirros, pelo que a ventilação da casa e a lavagem regular das mãos ajudam a evitar que as pessoas fiquem doentes. Além disso, cobrir a boca, quando se tosse, e ficar em casa, quando se estiver doente, também ajudará a evitar a propagação do vírus e a reduzir a carga sobre os sistemas de saúde. “Estamos todos muito preocupados”, disse Openshaw, “o aumento das infeções, no inverno, está realmente a fazer com que muitos dos nossos sistemas de saúde quase atinjam o ponto de rutura”.

É isto o que se sabe do HMPV, do surto na China e do que significa para a Europa.

***

Entretanto, de acordo com as diversas agências de saúde, os países europeus têm assistido à cocirculação de vírus de inverno, desde a pandemia da covid-19, com os sistemas de saúde a enfrentarem potencial “tripla ameaça” de doenças. “O impacto sanitário, social e económico dos vírus de inverno é enorme”, disse à Euronews Health Antoine Flahault, diretor do Instituto de Saúde Global da Universidade de Genebra, vincando: “As formas graves destas infeções, mesmo pouco frequentes, tendo em conta a dimensão destas epidemias sazonais, contribuem significativamente para a saturação dos hospitais, durante os picos epidémicos.”

De acordo com o European Respiratory Virus Surveillance Summary (ERVISS), o número de pessoas que consultam os médicos por doenças respiratórias “mantém-se nos níveis esperados para esta época”, na União Europeia (UE) e no Espaço Económico Europeu (EEE), com aumentos da atividade viral, em alguns países. Neste contexto, levanta-se a questão se, neste ano, poderá haver várias epidemias em simultâneo. E Rick Malley, médico da Divisão de Doenças Infeciosas do Hospital Pediátrico de Boston, nos Estados Unidos da América (EUA), afirmou que é cedo para saber como vai ser este ano, mas que a pandemia de covid-19 perturbou os padrões habituais das doenças respiratórias, como a gripe e o vírus sincicial respiratório (VSR). E, embora não ache que haverá epidemia tripla, “é muito possível que haja VSR e, depois, gripe; e que, no meio destas duas, haja uma linha de base de covid que possa surgir em algum momento”.

A gripe é uma doença respiratória contagiosa causada por um vírus que provoca sintomas, como febre ou tosse e que, nalguns casos graves, pode levar à morte. E está aí, em força!

De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), a gripe provoca epidemias sazonais, sobretudo, no inverno, em climas temperados, enquanto, nas zonas tropicais, pode provocar surtos mais irregulares. De acordo com o ERVISS, no final de novembro, a gripe circulava, em níveis baixos, nos países da UE e do EEE, mas o vírus estava também a aumentar, em alguns países.

Outra doença de inverno que se está a propagar na Europa é o vírus sincicial respiratório (VSR), um vírus comum que dá sintomas semelhantes aos da constipação, mas que pode ser perigoso em bebés ou adultos mais velhos. E, em alguns países, parece ter começado uma epidemia de VSR, segundo as autoridades sanitárias, com aumento do número de testes positivos.

O Centro Europeu de Prevenção e Controlo de Doenças (ECDC) advertiu, no último relatório sobre a ameaça da doença, que “todos os países devem estar preparados para um aumento contínuo da atividade do VSR, durante as próximas semanas”. As crianças pequenas são as mais afetadas pelo VSR, embora os indivíduos mais velhos também estejam em risco, afirma o ECDC.

Por outro lado, os casos de covid-19 diminuíram, no outono, após um pico, em julho, na UE. De acordo com o ECDC, os níveis de covid-19 foram inferiores ou semelhantes aos registados nesta época do ano, em 2023. A covid é menos afetada pelas estações do ano do que outros vírus respiratórios, porque circula, durante todo o ano, em vagas sucessivas, pelo que é grande a probabilidade de uma delas coincidir com a epidemia sazonal de gripe ou de bronquiolite.

Malley adverte que circulam outros vírus respiratórios, como o parainfluenza B, o HMPV ou o adenovírus, mas que a covid-19, a gripe e o VSR são alvo de atenção, porque “podem muitas vezes ser mais graves do que os outros vírus” e porque dispomos de uma combinação de vacinas, de tratamentos e de anticorpos contra eles.

O norovírus, que provoca vómitos e diarreia, é outro vírus que pode ser muito frequente no inverno e na primavera. Flahault afirma que o modo de transmissão destes vírus, em ambientes fechados, com muita gente e pouco ventilados, explicará o facto de circularem mais no inverno. Uma melhor qualidade microbiológica do ar interior e o uso de máscaras FFP2 em locais onde a qualidade do ar é má ajudam a prevenir “a circulação de todos os agentes microbianos respiratórios”, como a covid-19, a gripe, o VSR, a varicela, o sarampo, a tosse convulsa e a tuberculose, pormenorizou Flahault. E Piotr Kramarz, cientista-chefe do ECDC, numa declaração enviada por e-mail à Euronews Health, frisou que “vacinação é uma das formas mais eficazes de proteger os mais vulneráveis da nossa sociedade contra doenças graves, hospitalização e morte”. “Uma vez que muitos países ainda estão longe de conseguir uma proteção adequada para os grupos-alvo, é crucial aumentar as taxas de vacinação contra a gripe sazonal e a covid-19, uma vez que a época de inverno já começou”, acrescentou.

O ECDC recomenda que as pessoas fiquem em casa, se tiverem sintomas de doenças respiratórias, que lavem frequentemente as mãos e que ventilem os espaços interiores. “A triste verdade é que a covid nos recordou a importância de medidas simples que podem realmente reduzir o risco de transmissão a pessoas suscetíveis ou vulneráveis”, disse Malley, insistindo em que “uma boa higiene das mãos é muito importante”, bem como dar prioridade às atividades ao ar livre, quando se está doente, e evitar ver pessoas vulneráveis.

A OMS Europa, por sua vez recomenda o uso de uma máscara em determinadas situações, por exemplo, se a pessoa estiver em risco de contrair covid-19 grave, para proteger outras pessoas em espaços mal ventilados ou se suspeitar que tem covid-19.

***

Os casos de gripe estão a aumentar na Europa, atingindo mais as crianças com menos de 15 anos e os adultos com mais de 60 anos. Os hospitais na França e na Espanha registam um aumento dos internamentos, com predominância da gripe B. Aliás, os hospitais de toda a Europa enfrentam um período difícil, pois os casos de gripe aumentam, acentuadamente, na sequência da época festiva.

A fim de obviar ao número crescente de doentes, muitos hospitais criaram unidades temporárias para aliviar a pressão sobre os serviços de urgência. Os doentes idosos correm um maior risco de sofrer complicações respiratórias graves. E Jean-Luc Leymarie, médico de clínica geral da França, exprimiu a sua preocupação: “Há muito tempo que não via uma epidemia tão grande.”

“A maioria dos casos graves envolve pessoas que não estão vacinadas”, afirma Olivier Lucidarme, outro médico, sublinhando o papel fundamental das vacinas contra a gripe.

A situação é semelhante na Espanha, com regiões como a Catalunha e Valência a sentirem a sobrecarga com o afluxo de casos de gripe. Os hospitais estão a preparar-se para um pico previsto para a próxima semana, sendo a estirpe dominante, nesta época, a gripe B. Embora as instalações de saúde não estejam tão congestionadas como em anos anteriores, os profissionais de saúde estão a apelar à preparação.

Hungria  regista um aumento dos casos de gripe, o que levou à implementação de medidas sanitárias mais rigorosas. Em Budapeste, algumas clínicas tornaram obrigatório o uso de máscaras e implementaram proibições de visitas, para controlo da propagação do vírus. Os hospitais de Győr, Vác e Debrecen seguiram o exemplo para controlo da propagação do vírus.

Roménia também não foi poupada. Na semana passada, foram registados mais de 4100 casos, quase o dobro da semana anterior. Quatro mortes foram associadas a complicações da gripe. Bucareste e outras regiões, incluindo Cluj e Brasov, registam os números mais elevados de casos. As autoridades sanitárias alertam para novo aumento com a reabertura das escolas e recomendam a vacinação como o método de prevenção mais eficaz. Com mais de 1,1 milhões de vacinas contra a gripe administradas na Roménia, só nesta época de gripe, os médicos sublinham que não é demasiado tarde. Para as crianças dos 2 aos 18 anos, a vacina em spray nasal é a opção sem agulha. A imunidade desenvolve-se em cerca de duas semanas.

Em Portugal, há um foco de infeção por vírus da gripe aviária numa exploração com 55427 aves de capoeira, em São João das Lampas, no concelho de Sintra, causando a morte a 279 aves. As autoridades de saúde, que implementam medidas para controlar e erradicar o foco, referem que não há pessoas infetadas com H5N1, que não se transmite através do consumo de carne.

Enfim, enquanto a Europa luta contra esta epidemia sazonal, os especialistas apelam aos cidadãos para que tomem precauções, incluindo a vacinação, para atenuar o impacto da gripe.

2025.01.07 – Louro de Carvalho

Sem comentários:

Enviar um comentário