Estão em causa factos que podem configurar a prática de crimes de fraude fiscal qualificada, de branqueamento
de capitais e de falsificação, por parte de um
agora ex-administrador do Novo Banco (NB), um dos dois arguidos que estão na
mira das autoridades.
Carlos Brandão, licenciado em Economia, tem um Mestrado em Gestão Comercial
e Marketing e um Programa Avançado de Gestão. Integrou o NB, pela mão de
António Ramalho, em julho de 2017, como Chief
Risk Officer (CRO) ou diretor da
área de Risco, e, em agosto de 2022, foi promovido a administrador executivo do
Conselho de Administração. Antes, esteve no Bankinter e, em 2016, foi nomeado country manager do Barclays Bank, com os
pelouros de Risco, de Retalho e de Controlo Interno.
As operações financeiras que originaram o seu despedimento foram detetadas há cerca de três meses, segundo o Eco online, e “causaram enorme preocupação” a Mark
Bourke, o CEO do NB,
que logo informou do sucedido as autoridades, incluindo o Banco Central Europeu
(BCE). Todavia, durante este período, o banco manteve o gestor em
funções “para não interferir” com a investigação do Ministério Público (MP),
referiu o CEO, em comunicação enviada
aos trabalhadores, justificando que “foi necessário manter a pessoa
em causa no seu cargo e garantir a estrita confidencialidade do assunto”.
O MP iniciou a investigação na sequência da denúncia apresentada pelo CEO e pelo presidente do Conselho Geral
e de Supervisão (CGS), Byron Haynes. “Através dos processos internos do banco,
foram identificadas operações financeiras suspeitas na esfera pessoal do
indivíduo, que nos causaram grande preocupação. Na sequência de uma investigação
interna, eu próprio e o presidente do Conselho Geral e de Supervisão informámos
o regulador dessas operações suspeitas, e foi efetuada uma denúncia ao
Ministério Público, que levou à investigação agora em curso”, revelou Mark
Bourke, num e-mail interno.
Mark Bourke vai desempenhar, interinamente, as funções do ex-administrador,
até ser nomeado o novo CRO, mas
contará com o “apoio” de Paul Dobey, ex-sócio da KPMG Irlanda “com vasta experiência na área de gestão
de risco”.
O ex-administrador continuou em funções, sem saber que
estava a ser investigado, tendo sido, “neste
período, tomadas todas as medidas adequadas para proteger o banco e os seus
stakeholders”. Efetivamente, como foi anunciado, publicamente, pelo NB, Mark
Bourke vincou aos seus quadros que as operações foram realizadas “na esfera
pessoal” de Carlos Brandão e que desta situação não resultou “qualquer impacto
nos clientes, nas contas ou operações dos clientes, ou na situação financeira
ou atividade do banco”. E, no final da comunicação, apelou aos trabalhadores
para se manterem “focados na execução da estratégia do banco e no serviço aos
clientes”. “Não obstante o negócio do banco não ser, de forma alguma, afetado
por estes acontecimentos, o facto de um executivo do banco ser alvo de
investigação é um assunto muito sério e que está a ser tratado como tal pelo
banco”, assumiu o CEO, sustentando que se trata de “uma situação
indesejável” para um banco em vias de iniciar um processo de venda
por parte do fundo Lone Star.
Na verdade, o NB fechou um acordo com o Fundo de Resolução (FdR) que
permitirá ao fundo Lone Star desencadear o processo de venda. A operação poderá
ter lugar em maio. Os americanos detêm 75% do capital do banco, enquanto os
restantes 25% estão nas mãos do FdR e da Direção-Geral do Tesouro e Finanças
(DGTF), com 13,54% e
11,46%, respetivamente.
Assim que as operações suspeitas foram detetadas, o NB informou o Mecanismo Único de Supervisão (MUS), braço da supervisão
financeira do BCE e que supervisiona os grandes bancos da Zona Euro, com o
Banco de Portugal (BdP) informado de todo o processo, a todo o momento.
***
O CGS do Novo Banco – reconduzido a 20 de dezembro, pelos acionistas –, aprovou,
a 7 de janeiro, a destituição, com justa causa, com efeitos imediatos, de
Carlos Brandão do cargo de membro do Conselho de Administração Executivo e de CRO. “Esta decisão foi tomada no
seguimento da identificação, através de processos internos do Banco, de
operações financeiras suspeitas realizadas na sua esfera pessoal, as quais
deram origem a uma denúncia às autoridades”, lê-se no comunicado enviado
à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM).
“As operações em causa não estão relacionadas, nem envolvem, de
forma alguma, o banco e, como tal, não têm qualquer impacto nos clientes,
em contas ou operações de clientes, na posição financeira ou na atividade do banco,
nas suas operações comerciais, no sistema de gestão de riscos nem nos seus
colaboradores”, garante o NB, no comunicado, acrescentando que, após a deteção
da situação, o NB iniciou uma investigação interna e apresentou denúncia junto do MP, o que levou ao início de
investigação que está agora em curso e a que o banco reportasse o assunto ao regulador e à autoridade de supervisão
competente nesta matéria.
Como ficou
dito, o CEO do NB vai assumir
interinamente o cargo de administrador com o pelouro do risco, mas o plano de
sucessão já foi ativado pelo Comité de Nomeações do CGS e os respetivos
desenvolvimentos serão anunciados oportunamente, logo que concluído o processo.
De acordo com o relatório e contas de 2023 do NB, o agora ex-administrador
recebeu, em setembro de 2023, de forma antecipada, 75 mil euros de Prémio de
Desempenho de 2023. Em 2023, tinha o salário de 320 mil euros brutos, que foi
acrescido de 72,5 mil euros de remuneração variável de 2022, totalizando 392,5
mil euros.
O ex-administrador foi constituído arguido e é
investigado por “factos suscetíveis de constituírem a prática de crimes de fraude fiscal qualificada, branqueamento de
capitais e falsificação”. Há um segundo arguido, cuja identificação
o NB não tornou pública e que, pelos vistos, não pertence ao banco. Segundo
o Expresso, trata-se da mulher do
ex-gestor. A Procuradoria-Geral da República (PGR) afirma, ainda, em
comunicado, que, no âmbito do inquérito que está a ser dirigido pelo
Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), “estão a ser realizadas diligências de busca para
identificação e apreensão de documentos e outros meios de prova de interesse
para a descoberta da verdade”. Foram autorizadas “quatro buscas domiciliárias, uma busca em estabelecimento bancário
e sete buscas não domiciliárias“, em que participaram um magistrado do
MP, um magistrado judicial e vários elementos da Unidade Nacional de Combate à
Corrupção (UNCC) da Polícia Judiciária (PJ), incluindo seis peritos da Unidade
de Perícia Tecnológica e Informática (UPTI).
***
De acordo com o Expresso, foi no último trimestre do ano que o NB, por via dos
procedimentos que tem, obrigatoriamente, de respeitar para impedir o
branqueamento de capitais (entre dinheiro com origem ilícita no sistema
financeiro), detetou transações da esfera pessoal de Carlos Brandão com difícil
justificação. Logo denunciou a situação às autoridades criminais, foi aberta
uma investigação e conseguiu que não houvesse fuga de informação, até ao dia em
que o MP e a PJ fizeram buscas ao gestor.
Segundo o Expresso, a avaliação preliminar do supervisor, até porque tudo
terá de ser olhado, pormenorizadamente, à luz de eventuais descobertas
posteriores, é de que os procedimentos seguidos foram os definidos e que o
banco agiu segundo a lei, nomeadamente, com a destituição por justa causa e com
“efeitos imediatos”. Porém, a autoridade não se posicionou publicamente, não trazendo
pressão adicional a um tema já de si sensível.
O “Observador” noticiou que houve
depósitos que começaram a levantar dúvidas ao NB, nomeadamente pela ligação a
governantes guineenses. Essa ligação do gestor ao governo da Guiné-Bissau foi
um fator que levantou suspeitas no banco.
Além do conforto da supervisão,
também no mundo dos mercados de capitais – onde o NB quer manter reputação
positiva, neste ano em que se antevê a sua estreia ou a sua venda a terceiros –
há uma agência de rating a tirar
pressão. “A Morningstar DBRS não tem razões para considerar, nesta altura, que
o anúncio do Novo Banco afeta a nossa análise”, escreveu a agência, em nota
enviada às redações. Assim, o NB tem uma avaliação de BBB, em que a agência vê
uma adequada qualidade do crédito, sem ser a nota máxima (na classe dos A).
Porém, a Morningstar DBRS, esperando a “rápida substituição” do administrador, continuará
a monitorizar qualquer efeito adicional do incidente, incluindo se o NB ou as
autoridades de supervisão considerarem necessário alterar os seus controlos
internos”.
Carlos Brandão foi despedido por
justa causa, o que faz com que, segundo a política de remunerações da
instituição bancária, não tenha direito a quaisquer prémios já atribuídos (mas
ainda não pagos), relativos a anos anteriores. Aliás, em casos de fraude (como
a PGR admite ser o caso, ao falar em fraude fiscal qualificada) o banco pode exercer
o direito de recuperar montantes já pagos, “ficando o membro em causa obrigado
a devolver tais montantes”.
***
De acordo com
a CNN Portugal, o ex-administrador e
responsável pelo departamento de risco do NB, é suspeito de ter sido corrompido
por, pelo menos, um membro do governo da Guiné-Bissau, com quem mantinha
encontros secretos, para branquear, na banca portuguesa, fortunas desviadas do
erário público daquele país africano. Para tal, como apurou a investigação da
PJ e do DCIAP, contaria com a ajuda da mulher e do seu motorista no NB, que
transportava malas com milhares de euros em dinheiro vivo para depositar em
contas abertas em diferentes entidades bancárias.
Está em causa
uma plataforma giratória com recurso a diferentes testas de ferro, alegadamente
engendrada pelo responsável do NB que melhor conhece as formas de fazer
circular dinheiro de origem ilícita abaixo dos radares dos mecanismos de
deteção de branqueamento de capitais.
O ex-administrador
foi investigado, em segredo, nos últimos tempos, e acabou demitido de funções,
a 7 de janeiro, dia em que a UNCC da PJ e o DCIAP levaram a cabo várias buscas
a casas e ao NB. As buscas tiveram como objetivo a “identificação e
apreensão de documentos e outros meios de prova de interesse para a descoberta
da verdade”.
A PGR
explicou ainda que foram “ordenadas, em concreto, quatro buscas domiciliárias,
uma busca em estabelecimento bancário e sete buscas não domiciliárias”.
Agora, o
processo encontra-se em segredo de justiça.
***
O
despedimento de Carlos Brandão do NB, na sequência de operações financeiras que
estão na mira das autoridades deixou antigos colegas “atónitos” e “siderados”,
pois “sempre mostrou máximo rigor”. “Se me perguntassem de zero a dez qual a
probabilidade de achar que isto poderia acontecer, diria que era uma
probabilidade muito baixa, mas…”, assume uma fonte que trabalhou com o
ex-administrador no NB.
“Nunca
me passou pela cabeça que o administrador responsável pelo risco, o mais
exigente e cuidadoso possível, pudesse, ainda que na esfera de negócios
pessoais, praticar uma ilegalidade que deve ter contornos criminais para ter
sido comunicada à PGR”, disse outra fonte, frisando que todo o seu percurso na banca está ligado à área de risco.
No NB,
onde o seu perfil aparecia no site, destacava-se
“a experiência de mais de 20 anos na gestão de equipas de elevado desempenho no
setor bancário”, incluindo em “instituições de renome no mercado espanhol e [no]
inglês”.
***
Para
já, são apenas suspeitas. Os tribunais apurarão as responsabilidades. É justo
que os crimes, tendo existido, sejam punidos em termos de proporcionalidade e de
equidade. Todavia, é notável como as autoridades preservaram (e foi bem) a
imagem de uma instituição financeira, quando, antes do tempo, “todos” condenam,
na praça, as suspeitas no campo do poder político. Será o segredo bancário mais
relevante do que o “segredo”, a segurança e a imagem do Estado?
2025.01.09 – Louro de
Carvalho
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