sexta-feira, 10 de janeiro de 2025

Novo banco manteve em funções gestor indiciado de vários crimes

 

Estão em causa factos que podem configurar a prática de crimes de fraude fiscal qualificada, de branqueamento de capitais e de falsificação, por parte de um agora ex-administrador do Novo Banco (NB), um dos dois arguidos que estão na mira das autoridades.

Carlos Brandão, licenciado em Economia, tem um Mestrado em Gestão Comercial e Marketing e um Programa Avançado de Gestão. Integrou o NB, pela mão de António Ramalho, em julho de 2017, como Chief Risk Officer (CRO) ou diretor da área de Risco, e, em agosto de 2022, foi promovido a administrador executivo do Conselho de Administração. Antes, esteve no Bankinter e, em 2016, foi nomeado country manager do Barclays Bank, com os pelouros de Risco, de Retalho e de Controlo Interno.

As operações financeiras que originaram o seu despedimento foram detetadas há cerca de três meses, segundo o Eco online, e “causaram enorme preocupação” a Mark Bourke, o CEO do NB, que logo informou do sucedido as autoridades, incluindo o Banco Central Europeu (BCE). Todavia, durante este período, o banco manteve o gestor em funções “para não interferir” com a investigação do Ministério Público (MP), referiu o CEO, em comunicação enviada aos trabalhadores, justificando que “foi necessário manter a pessoa em causa no seu cargo e garantir a estrita confidencialidade do assunto”.

O MP iniciou a investigação na sequência da denúncia apresentada pelo CEO e pelo presidente do Conselho Geral e de Supervisão (CGS), Byron Haynes. “Através dos processos internos do banco, foram identificadas operações financeiras suspeitas na esfera pessoal do indivíduo, que nos causaram grande preocupação. Na sequência de uma investigação interna, eu próprio e o presidente do Conselho Geral e de Supervisão informámos o regulador dessas operações suspeitas, e foi efetuada uma denúncia ao Ministério Público, que levou à investigação agora em curso”, revelou Mark Bourke, num e-mail interno.

Mark Bourke vai desempenhar, interinamente, as funções do ex-administrador, até ser nomeado o novo CRO, mas contará com o “apoio” de Paul Dobey, ex-sócio da KPMG Irlanda “com vasta experiência na área de gestão de risco”.

O ex-administrador continuou em funções, sem saber que estava a ser investigado, tendo sido, “neste período, tomadas todas as medidas adequadas para proteger o banco e os seus stakeholders”. Efetivamente, como foi anunciado, publicamente, pelo NB, Mark Bourke vincou aos seus quadros que as operações foram realizadas “na esfera pessoal” de Carlos Brandão e que desta situação não resultou “qualquer impacto nos clientes, nas contas ou operações dos clientes, ou na situação financeira ou atividade do banco”. E, no final da comunicação, apelou aos trabalhadores para se manterem “focados na execução da estratégia do banco e no serviço aos clientes”. “Não obstante o negócio do banco não ser, de forma alguma, afetado por estes acontecimentos, o facto de um executivo do banco ser alvo de investigação é um assunto muito sério e que está a ser tratado como tal pelo banco”, assumiu o CEO, sustentando que se trata de “uma situação indesejável” para um banco em vias de iniciar um processo de venda por parte do fundo Lone Star.

Na verdade, o NB fechou um acordo com o Fundo de Resolução (FdR) que permitirá ao fundo Lone Star desencadear o processo de venda. A operação poderá ter lugar em maio. Os americanos detêm 75% do capital do banco, enquanto os restantes 25% estão nas mãos do FdR e da Direção-Geral do Tesouro e Finanças (DGTF), com 13,54% e 11,46%, respetivamente.

Assim que as operações suspeitas foram detetadas, o NB informou o Mecanismo Único de Supervisão (MUS), braço da supervisão financeira do BCE e que supervisiona os grandes bancos da Zona Euro, com o Banco de Portugal (BdP) informado de todo o processo, a todo o momento.

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O CGS do Novo Banco – reconduzido a 20 de dezembro, pelos acionistas –, aprovou, a 7 de janeiro, a destituição, com justa causa, com efeitos imediatos, de Carlos Brandão do cargo de membro do Conselho de Administração Executivo e de CRO. “Esta decisão foi tomada no seguimento da identificação, através de processos internos do Banco, de operações financeiras suspeitas realizadas na sua esfera pessoal, as quais deram origem a uma denúncia às autoridades”, lê-se no comunicado enviado à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM).

As operações em causa não estão relacionadas, nem envolvem, de forma alguma, o banco e, como tal, não têm qualquer impacto nos clientes, em contas ou operações de clientes, na posição financeira ou na atividade do banco, nas suas operações comerciais, no sistema de gestão de riscos nem nos seus colaboradores”, garante o NB, no comunicado, acrescentando que, após a deteção da situação, o NB iniciou uma investigação interna e apresentou denúncia junto do MP, o que levou ao início de investigação que está agora em curso e a que o banco reportasse o assunto ao regulador e à autoridade de supervisão competente nesta matéria.

Como ficou dito, o CEO do NB vai assumir interinamente o cargo de administrador com o pelouro do risco, mas o plano de sucessão já foi ativado pelo Comité de Nomeações do CGS e os respetivos desenvolvimentos serão anunciados oportunamente, logo que concluído o processo.

De acordo com o relatório e contas de 2023 do NB, o agora ex-administrador recebeu, em setembro de 2023, de forma antecipada, 75 mil euros de Prémio de Desempenho de 2023. Em 2023, tinha o salário de 320 mil euros brutos, que foi acrescido de 72,5 mil euros de remuneração variável de 2022, totalizando 392,5 mil euros.

O ex-administrador foi constituído arguido e é investigado por “factos suscetíveis de constituírem a prática de crimes de fraude fiscal qualificada, branqueamento de capitais e falsificação”. Há um segundo arguido, cuja identificação o NB não tornou pública e que, pelos vistos, não pertence ao banco. Segundo o Expresso, trata-se da mulher do ex-gestor. A Procuradoria-Geral da República (PGR) afirma, ainda, em comunicado, que, no âmbito do inquérito que está a ser dirigido pelo Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), “estão a ser realizadas diligências de busca para identificação e apreensão de documentos e outros meios de prova de interesse para a descoberta da verdade”. Foram autorizadas “quatro buscas domiciliárias, uma busca em estabelecimento bancário e sete buscas não domiciliárias“, em que participaram um magistrado do MP, um magistrado judicial e vários elementos da Unidade Nacional de Combate à Corrupção (UNCC) da Polícia Judiciária (PJ), incluindo seis peritos da Unidade de Perícia Tecnológica e Informática (UPTI).

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De acordo com o Expresso, foi no último trimestre do ano que o NB, por via dos procedimentos que tem, obrigatoriamente, de respeitar para impedir o branqueamento de capitais (entre dinheiro com origem ilícita no sistema financeiro), detetou transações da esfera pessoal de Carlos Brandão com difícil justificação. Logo denunciou a situação às autoridades criminais, foi aberta uma investigação e conseguiu que não houvesse fuga de informação, até ao dia em que o MP e a PJ fizeram buscas ao gestor.

Segundo o Expresso, a avaliação preliminar do supervisor, até porque tudo terá de ser olhado, pormenorizadamente, à luz de even­tuais descobertas posteriores, é de que os procedimentos seguidos foram os definidos e que o banco agiu segundo a lei, nomeadamente, com a destituição por justa causa e com “efeitos imediatos”. Porém, a autoridade não se posicionou publicamente, não trazendo pressão adicional a um tema já de si sensível.

O “Observador” noticiou que houve depósitos que começaram a levantar dúvidas ao NB, nomeadamente pela ligação a governantes guineenses. Essa ligação do gestor ao governo da Guiné-Bissau foi um fator que levantou suspeitas no banco.

Além do conforto da supervisão, também no mundo dos mercados de capitais – onde o NB quer manter reputação positiva, neste ano em que se antevê a sua estreia ou a sua venda a terceiros – há uma agência de rating a tirar pressão. “A Morningstar DBRS não tem razões para considerar, nesta altura, que o anúncio do Novo Banco afeta a nossa análise”, escreveu a agência, em nota enviada às redações. Assim, o NB tem uma avaliação de BBB, em que a agência vê uma adequada qualidade do crédito, sem ser a nota máxima (na classe dos A). Porém, a Morningstar DBRS, esperando a “rápida substituição” do administrador, continuará a monitorizar qualquer efeito adicional do incidente, incluindo se o NB ou as autoridades de supervisão considerarem necessário alterar os seus controlos internos”.

Carlos Brandão foi despedido por justa causa, o que faz com que, segundo a política de remunerações da instituição bancária, não tenha direito a quaisquer prémios já atribuí­dos (mas ainda não pagos), relativos a anos anteriores. Aliás, em casos de fraude (como a PGR admite ser o caso, ao falar em fraude fiscal qualificada) o banco pode exercer o direito de recuperar montantes já pagos, “ficando o membro em causa obrigado a devolver tais montantes”.

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De acordo com a CNN Portugal, o ex-administrador e responsável pelo departamento de risco do NB, é suspeito de ter sido corrompido por, pelo menos, um membro do governo da Guiné-Bissau, com quem mantinha encontros secretos, para branquear, na banca portuguesa, fortunas desviadas do erário público daquele país africano. Para tal, como apurou a investigação da PJ e do DCIAP, contaria com a ajuda da mulher e do seu motorista no NB, que transportava malas com milhares de euros em dinheiro vivo para depositar em contas abertas em diferentes entidades bancárias. 

Está em causa uma plataforma giratória com recurso a diferentes testas de ferro, alegadamente engendrada pelo responsável do NB que melhor conhece as formas de fazer circular dinheiro de origem ilícita abaixo dos radares dos mecanismos de deteção de branqueamento de capitais.

O ex-administrador foi investigado, em segredo, nos últimos tempos, e acabou demitido de funções, a 7 de janeiro, dia em que a UNCC da PJ e o DCIAP levaram a cabo várias buscas a casas e ao NB. As buscas tiveram como objetivo a “identificação e apreensão de documentos e outros meios de prova de interesse para a descoberta da verdade”.

A PGR explicou ainda que foram “ordenadas, em concreto, quatro buscas domiciliárias, uma busca em estabelecimento bancário e sete buscas não domiciliárias”.

Agora, o processo encontra-se em segredo de justiça.

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O despedimento de Carlos Brandão do NB, na sequência de operações financeiras que estão na mira das autoridades deixou antigos colegas “atónitos” e “siderados”, pois “sempre mostrou máximo rigor”. “Se me perguntassem de zero a dez qual a probabilidade de achar que isto poderia acontecer, diria que era uma probabilidade muito baixa, mas…”, assume uma fonte que trabalhou com o ex-administrador no NB.

“Nunca me passou pela cabeça que o administrador responsável pelo risco, o mais exigente e cuidadoso possível, pudesse, ainda que na esfera de negócios pessoais, praticar uma ilegalidade que deve ter contornos criminais para ter sido comunicada à PGR”, disse outra fonte, frisando que todo o seu percurso na banca está ligado à área de risco.

No NB, onde o seu perfil aparecia no site, destacava-se “a experiência de mais de 20 anos na gestão de equipas de elevado desempenho no setor bancário”, incluindo em “instituições de renome no mercado espanhol e [no] inglês”.

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Para já, são apenas suspeitas. Os tribunais apurarão as responsabilidades. É justo que os crimes, tendo existido, sejam punidos em termos de proporcionalidade e de equidade. Todavia, é notável como as autoridades preservaram (e foi bem) a imagem de uma instituição financeira, quando, antes do tempo, “todos” condenam, na praça, as suspeitas no campo do poder político. Será o segredo bancário mais relevante do que o “segredo”, a segurança e a imagem do Estado?

2025.01.09 – Louro de Carvalho

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