segunda-feira, 6 de janeiro de 2025

A adoração do Menino Jesus pelos Reis Magos em Belém

 

A Igreja celebra, na quadra natalícia, a 6 de janeiro, a solenidade da Epifania do Senhor, recordando a adoração do Menino Jesus pelos Reis Magos, em Belém. A celebração, em alguns países, como Portugal e o Brasil, onde não é feriado, é transferida para o domingo que ocorre entre 5 e 8 de janeiro. Já na vizinha Espanha, o dia 6 é de fulgor. Porém, tem-se levantado a questão se Reis Magos eram reis ou magos e se os nomes eram Melchior, Gaspar e Baltazar.

O padre Miguel Fuentes, do Instituto do Verbo Encarnado (IVE), afirma, no site “El Teólogo Responde”, que “o termo ‘magos’ (mágoi) que aparece no Evangelho de Mateus se refere àqueles que eram denominados ‘sábios’ na Antiguidade”.

Assim, trata-se de homens sábios que vieram do ‘Oriente’ (Mt 2,1), podendo o Oriente ser uma referência a Arábia, à Mesopotâmia ou a algum outro território mais a Leste da Palestina.

O padre Fuentes afirma que “o facto de terem sido guiados por uma estrela (Mt 2,2) sugere que eram instruídos em astrologia ou em ciência da navegação e em cálculo do tempo por meio das configurações estelares”. Além de serem uma tribo da Média, os magos aparecem, na sua primeira época, como uma casta sacerdotal da Média e da Pérsia. Dedicavam-se ao cultivo da sabedoria. Estrabão – historiador, geógrafo e filósofo grego – diz que eram “zelosos observadores da justiça e da virtude”. E Marco Túlio Cícero (advogado, político, escritor, orador e filósofo romano) diz que são “a classe de sábios e doutores na Pérsia”.

Foi o escritor e teólogo alexandrino Orígenes, do século III, “quem referiu, pela primeira vez, que foram três magos, em virtude dos três presentes oferecidos ao Menino”. E, antes do século VI, nenhum autor afirmava, expressamente, que eles eram reis, com exceção do afrolatino escritor e teólogo Tertuliano (Quintus Septimius Florens Tertullianus), que sugeriu que eram “quase reis”.

Segundo o padre Fuentes, a asserção de Tertuliano enformou a tradição, até se popularizar, por interpretar assim a referência ao Salmo 72,10 – “os reis da terra se prosternarão e lhe oferecerão os seus dons” –, que parece estar implícita no relato de Mateus.

“A arte já os apresenta como reis, desde o século VIII, enquanto, nas pinturas das catacumbas de santa Priscila, do início do século II ao século IV, são representados apenas como nobres persas”, anota o nosso sacerdote teólogo.

Não obstante, diz o padre Fuentes, apesar de o Novo Testamento não falar do número nem da sua suposta realeza, a partir do século VIII, os Reis Magos “receberam nomes, com algumas variações”. Os primeiros nomes foram “Bithisarea, Melchior e Gathaspa”.

Os nomes atuais de Gaspar, Melchior e Baltazar, foram-lhes atribuídos, no século IX, pelo historiador Agnello, na sua obra “Pontificalis Ecclesiae Ravennatis”. Na Idade Média, foram mesmo venerados como santos. E “a cena dos magos a adorar o Menino Jesus tornou-se o tema favorito na arte dos baixos-relevos, miniaturas e vitrais”, conclui o padre Fuentes.

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A solenidade da Epifania do Senhor baseia-se na referência mateana à seguinte passagem da visita dos Magos do Oriente ao Menino Jesus: “Entrando na casa, acharam o menino com Maria, sua mãe, e, prostrando-se, O adoraram; e abrindo os seus tesouros, ofertaram-lhe dádivas: ouro, incenso e mirra” (Mt 2,11). Porém, é preciso esclarecer alguns pontos:

1. A Igreja celebra três Epifanias. A solenidade dos Reis Magos ou Dia dos Santos Reis é conhecida como Epifania, palavra grega “epiphaíneia” que significa manifestação, no sentido de que Deus Se revela e Se manifesta a todos e, de modo especial, aos gentios. Entretanto, a Igreja celebra como Epifanias três episódios da vida de Jesus: a Epifania diante dos Magos do Oriente (manifestação aos pagãos), a Epifania do Batismo do Senhor (manifestação aos Judeus) e a Epifania das bodas de Caná (manifestação aos discípulos).

2. É a segunda festa mais antiga. A solenidade da Epifania é uma das festividades mais antigas dos cristãos, provavelmente a segunda depois da Páscoa. Teve início no Oriente e logo passou a ser comemorada no Ocidente, por volta do século IV. Diz-se que, no princípio, os cristãos comemoravam as três epifanias numa mesma data, inclusive, em algumas igrejas orientais, nesta festa, comemora-se também o nascimento de Cristo, mas isso aconteceu, somente até ao século IV, quando começou a festividade romana do Natal. Na Idade Média, a Epifania passou, pouco a pouco, a ser mais conhecida como a festa dos Reis Magos. Atualmente, a Igreja Católica celebra as três epifanias em diferentes datas do calendário litúrgico.

3. Foi um santo quem definiu a data. Alguns estudos comprovam que a Epifania passou a ser celebrada a 6 de janeiro, porque, neste dia, era comemorado o nascimento de Aion, o deus pagão da metrópole de Alexandria, que estava, supostamente, relacionado com o deus Sol. Do mesmo modo, nesta época, celebrava-se, no Egito, o solstício de inverno, a 6 de janeiro.

No século IV, Santo Eusébio de Cesárea e São Jerónimo, assim como Santo Epifânio, no século VI, disseram que os reis encontraram o Menino, antes de completar dois anos de idade. Entretanto, Santo Agostinho (séculos IV e V), em seus sermões sobre a Epifania, afirmou que chegaram 13 dias depois do nascimento do Senhor, ou seja, no dia 6 de janeiro do calendário atual. Assim, foi por influência de Agostinho, bispo de Hipona, que se fixou a festa na data atual.

4. São reis por tradição. São Mateus, o único evangelista que fala dos Magos, na Bíblia, sustenta que eram do Oriente, região que, para os Judeus, eram os territórios da Arábia, da Pérsia ou da Caldeia. Por outro lado, os orientais chamavam “magos” aos doutores. “Mago”, na língua persa, significava “sacerdote”; e, os magos (“mágoi”, em grego) eram um grupo de sacerdotes persas ou babilónicos. Não conheciam a revelação divina como os Judeus, mas estudavam as estrelas, a fim de procurarem Deus. A tradição chamou de reis aos magos de acordo com o Salmo 72 (10-11) que diz: “Os reis de Társis e das ilhas trarão presentes; os reis da Arábia e Etiópia oferecerão dons. E todos os reis se prostrarão perante ele; todas as nações o servirão”.

5. Poderiam ser mais de três. São Leão Magno e São Máximo do Turim, nos séculos IV e V, respetivamente, falam de três magos, provavelmente, não se apoiando em alguma tradição, mas nos três presentes referidos pelo evangelista Mateus. Nos primeiros séculos, há representações pictóricas nas quais aparecem dois, quatro, seis e até oito magos. Entretanto, o afresco mais antigo da adoração dos magos, que data do século II e se encontra num arco da capela grega das catacumbas romanas de Priscila, exibe três.

6. A origem dos seus nomes, fisionomias e presentes. Os nomes dos magos não aparecem nas Sagradas Escrituras, mas a tradição deu-lhes nomes. Um manuscrito do final do século VII atesta que se chamavam Bitisarea, Melchor e Natasa, mas, no século IX, começou-se a propagar que eram Gaspar, Melchior e Baltazar. Melchior é caraterizado, geralmente, como um idoso branco, com barba, em representação da região europeia, a oferecer ao Menino o ouro, pela realeza de Cristo. Gaspar representa a área asiática e leva o incenso pela divindade de Jesus. Por sua vez, Baltazar é negro, pelos provenientes da África, e presenteia o Salvador com mirra, substância que se utilizava para embalsamar cadáveres e que simboliza a humanidade do Senhor.

Na época em que se começaram a representar com estas caraterísticas, não se tinha conhecimento da América. Além disso, os três fazem referência às idades do ser humano: juventude (Gaspar), maturidade (Baltazar) e velhice (Melchior).

Porém, o quadro da Adoração dos Magos no Museu Grão-Vasco, em Viseu, tem marcada a presença de um índio na figura do rei negro Baltazar, constituindo a primeira representação de um representante dos Povos indígenas do Brasil na arte ocidental, pouco depois da Descoberta Europeia do Brasil. Trata-se de uma pintura a óleo sobre madeira realizada entre 1501e 1506, com a intervenção do pintor português renascentista Vasco Fernandes (que ficou na memória viseense como Grão-Vasco) e do pintor flamengo Francisco Henriques.

Situado no centro da composição, Baltazar ostenta um traje onde se misturam influências europeias tradicionais – a camisa e os calções – com a novidade exótica de um toucado de penas, bem como inúmeros colares de contas coloridas, grossas manilhas de ouro, nos pulsos e nos tornozelos, brincos de coral branco, remate de penas, idênticas às do toucado, no decote e na franja do corpete, e uma flecha tupinambá com o seu longo cabo. Segura, igualmente, uma taça feita de nós de coco montada em prata, o que reforça o seu caráter exótico.

A sua inserção num contexto religioso tão importante como é o da Adoração dos Reis Magos tem subjacente a ideia da cristianização do continente recém-descoberto, de acordo com as sugestões da carta de Pero Vaz de Caminha, que relata, a par do primitivismo dos habitantes, a sua disponibilidade para a mensagem cristã. Salienta-se, ainda, o facto de o Menino Jesus segurar na mão esquerda uma moeda de ouro, na sugestão do secular desejo de riqueza conexa com os Descobrimentos Portugueses.

Segundo o Professor Paulo Pereira, “a fisionomia do índio parece estar de acordo com um tipo antropológico único, distinto do negro africano que, muitas vezes, aparece como rei Baltazar noutras pinturas, representando este episódio do Nascimento e Vida de Jesus”. Assim, segundo o Professor de História da Arte, sobressai “o brinco e o colar perlado, ou a pulseira de metal”, mas o índio “não é figurado nu, como deveria ser, mas vestido com camisola e calção”.

Da tela, a óleo, há, ainda dois pormenores: “no Rei Mago ajoelhado em adoração [Belchior], há quem veja a efígie do próprio Pedro Álvares Cabral” e os “apontamentos do quotidiano, em contraponto com a elevação da cena”, como o pote de barro com colher pousada.

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Segundo uma antiga tradição cristã, os reis magos, citados por são Mateus, no segundo capítulo do seu Evangelho, poderiam ter sido ordenados bispos pelo apóstolo são Tomé.

Citado pela catedral de Colónia, na Alemanha, onde estão guardadas as relíquias dos Reis Magos, o Dr. Klaus Hardering, diplomado em História da Arte, faz referência a esta narrativa que remonta a antes do século XIV e que ficou expressa em obras de arte antigas.

De facto, na obra conhecida como Cancela dos Reis Magos, exposta na catedral de Colónia, é possível ver diferentes momentos da vida daqueles que também ficaram conhecidos como os “sábios do oriente”. As duas primeiras cenas ilustram dois acontecimentos narrados na Bíblia: a visão da estrela e a adoração dos reis magos. As cenas posteriores, que são a consagração episcopal dos reis magos pelo apóstolo Tomé e a sua sepultura, são retiradas de lendas surgidas sobre eles em Colónia, com data anterior a 1340.

As três últimas cenas da Cancela dos Reis Magos “mostram as diferentes estações que as relíquias” dos homens sábios do Oriente “percorreram, na sua longa viagem para Colónia, via Constantinopla e Milão”. A tradição antiga afirma que, após a morte de Cristo, são Tomé viajou para o Oriente e se encontrou com os Reis Magos, os batizou e os ordenou de bispos. E os três acabariam por morrer mártires. Santa Helena, mãe do imperador Constantino, encontrou as relíquias dos reis magos no início do século IV e levou-as para Constantinopla, atual Istambul, na Turquia. Três séculos mais tarde, Santo Eustórgio, bispo de Milão, na (Itália), deslocou-se a Constantinopla, para o imperador aceitar a sua nomeação episcopal, e recebeu como presente as relíquias dos reis magos. Em 1161, o imperador Frederico I de Hohenstaufen, o Barba Roxa, sitiou Milão e ameaçou matar o prefeito. O arcebispo de Colónia e chanceler do imperador, Rainald von Dassel, negociou as relíquias, guardadas num convento, pela vida do governante. E foi assim que as relíquias foram levadas para Colónia, na Alemanha, onde ainda se encontram.

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Enfim, é importante que não nos desviemos do fulcro doutrinal e litúrgico da Epifania, no meio de uma tradição perpassada de interessantes narrativas antropológicas.

2025.01.06 – Louro de Carvalho

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