Após o tiroteio de Viseu, no Palácio do Gelo, a
27 de dezembro de 2024, André Ventura anunciou que o seu partido iria convocar,
para 7 de janeiro, um debate de urgência na Assembleia da República (AR) e
exigiu que o Presidente da República (PR) se pronunciasse sobre “insegurança”,
ouvindo previamente o Conselho de Estado (CE).
O líder do Chega descreveu, em conferência de imprensa, um clima de
“violência a céu aberto” verificado em Portugal (um ajuste de contas entre
famílias vitimou uma pessoa e feriu duas), reclama o compromisso da AR, do
governo e do PR com pacote de medidas contra a insegurança e disse ter escrito,
“a título pessoal” a Marcelo Rebelo de Sousa, apelando à convocação de um CE,
para debater a situação de segurança do País.
Recentemente eleito conselheiro de Estado pela AR,
Ventura implicou diretamente o PR: “Entendo que o Presidente da República deve
ter uma palavra sobre o estado da insegurança em Portugal. O PR, como mais alto
magistrado da nação, tem o direito, mas sobretudo o dever, de alertar o governo,
a AR, e os restantes poderes públicos para a necessidade de dar mais autoridade
à polícia, mais força às nossas forças de segurança, e a alteração da moldura
jurídica para crimes graves como os que aconteceram ontem.”
Apesar de ser da exclusiva competência do chefe de
Estado convocar a reunião dos conselheiros, Ventura decidiu, como conselheiro
de Estado, escrever ao PR a sugerir a convocação e realização urgente de um CE,
para analisar o estado de insegurança brutal que vivemos em Portugal. “Era
importante que o PR desse uma palavra e era importante que fosse aconselhado,
ou que pelo menos ouvisse, as forças vivas da sociedade”, esclareceu.
O Chega propôs-se alertar o poder político (parlamentar,
governamental e presidencial), para a necessidade de rapidamente levar a cabo
um pacote contra a insegurança aprovado na AR, em vigor em todo o território
nacional, com foco no “combate às armas ilegais, passando por um aumento de
penas para crimes relacionados com o crime organizado”, como o tráfico de
droga, de seres humanos e a criação de redes de prostituição. “Estes crimes estão a aumentar
em Portugal, [da] parte de redes organizadas que aqui se instalaram, porque
sentem que não há nenhum controlo, ou pouco controlo, sobre as suas atividades”,
garante Ventura.
Trazer o tema da segurança a um debate de urgência na
AR tem como objetivo poder, “pelo menos, chegar a um consenso de que estamos
pior, de que a insegurança está a ser o novo dia a dia e o novo normal dos
Portugueses”, pois o sucedido em Viseu “é o resultado de um país que, antes,
era escondido e que não pode ser mais escondido. […] Está à vista de todos a
cultura de impunidade que permitimos”. E Ventura descreveu a vida diária dos
residentes em Portugal como sendo de “violência a céu aberto numa terra
pacífica”, o que “devemos impedir”.
Porém, as estatísticas oficiais desmentem este
retrato. O Índice de Bem-estar (IBE) em Portugal, recentemente publicado
pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), aponta a segurança
pessoal como o item que registou uma evolução positiva mais pronunciada (65, em
2021, superando o último valor registado pré-pandemia, 64,5). Em contrapartida,
o Relatório Anual de Segurança Interna (RASI) de 2023 revela um aumento de
cerca de 8% nos crimes registados em 2023, em comparação com 2022, bem como da
criminalidade violenta, apesar da quebra em alguns tipos de violência, como os
homicídios voluntários consumados. Porém, o RASI destaca crescimento
significativo na taxa de resolução de crimes, continuando Portugal a
figurar entre os países mais seguros do Mundo (no 6.º lugar no ranking do
Global Peace Index).
No fim da conferência de imprensa, o presidente do
Chega disse que há um problema com a etnia cigana, em Portugal, relacionando o
sucedido em Viseu com a comunidade romani, apesar de não ter sido oficialmente
identificada a etnia do suspeito, atualmente em fuga e procurado por várias
autoridades, numa investigação liderada pela Polícia Judiciária (PJ).
***
Os disparos em Viseu, feitos por um homem armado com
pistola, ocorreram depois de uma discussão no interior do Palácio do Gelo,
que se transferiu para a rua, onde foram disparados quatro tiros. O
alerta foi dado, cerca das 18h20, pelos seguranças que alertaram a Polícia de
Segurança Pública (PSP) que deslocou duas patrulhas e efetivos de intervenção
para o local.
Fonte hospitalar confirmou o óbito e indicou que os feridos
estavam estáveis e sob custódia policial. O autor dos disparos, homem
com cerca de 50 e ao volante de um carro de alto cilindrada “está
referenciado pelas autoridades e é residente no concelho de Viseu”,
adiantou a PSP. Estará em fuga e “dispõe de ligações na comunidade”,
indicou um responsável da PJ, que chegou ao local cerca das 20 horas, para
assumir a direção das investigações.
À hora do tiroteio o centro comercial “funcionava
normalmente, com clientes nas lojas e pessoas em passeio”. Foi
evacuado Todo o complexo comercial, com 170 lojas, distribuídas por sete
andares, que recebem milhares de visitantes, por dia.
Foi um “vigilante do centro comercial que viu passar
um carro dos Bombeiros Sapadores e mandou parar para pedir auxílio
médico”, segundo fonte da Proteção Civil. Para o local foram enviadas
quatro ambulâncias do Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM) e
meios dos bombeiros. A PSP cortou o acesso ao centro comercial e reforçou
os meios policiais no local.
Fonte oficial do Palácio do Gelo confirmou o sucedido
e garantiu que “foi ativado o protocolo de segurança”. As
investigações prosseguem, sob a alçada da PJ.
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Em
2023, os crimes de corrupção subiram 28,8%, em relação a 2022. Este é um dos
muitos dados do RASI. Há, no universo do crime de colarinho
branco, 852 arguidos (-13,9% do quem em 2022) e 121 pessoas
detidas (+26%). Destes arguidos, 20% são suspeitos de
branqueamento de capitais.
Os
dados extraídos do site da
Procuradoria-Geral da República (PGR) revelam que houve quase 900 inquéritos
instaurados com base nas operações de prevenção (levando ao mesmo número de suspensões
de operações bancárias). Como consequência, 167 milhões de euros,
bem como 20 milhões de libras e 19 milhões de dólares ficaram congelados durante
este período de 2023.
A prevaricação
de titular de cargo político foi o crime da área económico-financeira que
registou maior crescimento, em 2023: mais 138%. Destacam-se, ainda, as
subidas dos crimes de corrupção ativa no setor privado (60%), do branqueamento
(47%) e do abuso de poder (46%).
Os
que mais decresceram foram as insolvências (-15%), a fraude e o desvio de
subsídio (-12%), os crimes fiscais e aduaneiros (-22%), ou a corrupção ativa no
desporto (-20%).
Já
na criminalidade geral, o número total de participações criminais foi de 371995, mais
28150 que no período homólogo de 2022 (+8,2%). É o número mais alto
dos últimos dez anos.
Também
a criminalidade grave aumentou, em relação ao ano anterior (+5,6%).
A
delinquência juvenil registou um aumento de 8,7% no
número de ocorrências. E é o valor mais alto dos últimos oito
anos. Junto às escolas e no seu interior, houve um aumento global de
ocorrências (+12,4%) e de ocorrências de natureza criminal (+16,1%). Alguns
dados avulsos no meio escolar: registaram-se oito ameaças de bomba, 157 ofensas
sexuais, duas mil agressões, mil roubos e furtos em escolas.
As
investigações de auxílio à imigração ilegal foram das que mais cresceram (mais
68% de casos), bem como as de tráfico de pessoas (mais 29% de inquéritos). Em
2023, houve 145 arguidos ligados a estes dois crimes (mais 87 do que em 2022) e
64 detidos (mais 24). Outro dado preocupante: o crime de violência doméstica contra
cônjuge é o que revela o maior número de registos entre toda a
criminalidade participada (26041 casos).
***
A segurança pessoal, um dos 10 índices que
constituem o IBE, publicado pelo INE, a 16 de dezembro de 2024, foi o que
registou uma “evolução positiva mais pronunciada”. De
acordo com os dados, o índice para 2023 é de 65, superando o último valor
registado pré-pandemia, 64,5. A variação deste domínio é tendencialmente positiva,
embora com três decréscimos de 2006 a 2009, de 2016 a 2018 e de 2021 a 2022.
Após ter atingido dos valores mais elevados nos anos da
pandemia, em 2022, decresce e, em 2023, situa-se um pouco acima
do nível de 2019.
Este índice de segurança pessoal tem como indicadores a taxa de
criminalidade registada, a taxa de homicídio voluntário consumado, a taxa de
mortalidade padronizada por acidentes com veículos a motor (por 100 mil
habitantes), a proporção de pessoas que se sentem seguras, quando passeiam
sozinhas, depois de escurecer, e o grau de confiança na polícia.
A taxa de criminalidade registada, em 2023, apresenta
um decréscimo, estando abaixo dos 80, algo que não
acontecia há 10 anos. De acordo com o INE, “todos os indicadores
apresentam uma evolução positiva”, salientando-se “os relativos
à mortalidade em acidentes com veículos a motor, a taxa de homicídio e o indicador
de confiança na polícia”.
Os índices de segurança pessoal e do
ambiente são os que, desde 2012, “exibiram os valores mais
elevados do índice da qualidade de vida, refletindo assim uma posição
relevante de Portugal nestas áreas, em termos internacionais”. A segurança pessoal é obtida
“através da avaliação da criminalidade e da avaliação subjetiva da segurança
pessoal”. Além deste índice, são considerados a saúde; o balanço vida-trabalho;
a educação, conhecimento e competências; a participação cívica e governação; as
relações sociais; o bem-estar subjetivo; e o ambiente. Estes domínios foram
considerados para a avaliação da qualidade de vida. Já o bem-estar económico, a
vulnerabilidade económica e o emprego são considerados na perspetiva das
condições materiais de vida.
***
O PR afirmou,
a 3 de janeiro, ter considerado prudente consultar os demais
conselheiros de Estado sobre o pedido do presidente do Chega de
reunião sobre segurança, por ter sido feito por escrito. Porém, Carlos César, presidente
do Partido Socialista (PS), devolveu-lhe o ónus da resposta.
À chegada ao
Grémio Literário, em Lisboa, antes da cerimónia de entrega dos Prémios Gazeta,
questionado pelos jornalistas sobre o que o levou a remeter a carta de Ventura
aos outros conselheiros, justificou: “Porque é um pedido formulado por escrito
e acho que eles têm direito, se quiserem, a pronunciar-se por escrito.”
O PR referiu
que, normalmente, os pedidos são formulados no CE, onde os conselheiros podem
sugerir, verbalmente, reuniões para futuro e, nesses casos, “discute-se à volta
da mesa”. “Quando é por escrito, acho que era prudente, antes das próximas
reuniões do Conselho, os senhores conselheiros dizerem também, se quiserem […],
por escrito, o que pensam da ideia”, clarificou.
No dia 2, o
PR informou, através de uma nota, que solicitou que a carta que recebeu de
André Ventura fosse enviada aos demais conselheiros para transmitirem o que
tivessem por conveniente.
Ventura foi
um dos cinco conselheiros de Estado eleitos pela AR para a presente
legislatura, por indicação do Chega, que é a terceira maior força
parlamentar.
***
A este respeito, Vital Moreira teceu,
a 4 de janeiro, no blogue “Causa nossa”, sob o título “O que o
Presidente não deve fazer (51): Onde não é chamado”, oportuno comentário em que
me revejo.
“O PR admite,
explicitamente, que tal reunião poderá vir a ter lugar, se uma maioria deles
tal entender”. Além de descartar a responsabilidade pela convocação do órgão
consultivo, não se vê “cabimento político e constitucional da intervenção do CE
nessa matéria”, de segurança.
Constitucionalmente,
o CE, além dos casos de convocação obrigatória, sobre o exercício de
competências presidenciais de maior impacto político, pode ser chamado, segundo
Vital Moreira, a “aconselhar o PR
no exercício das suas funções”, a seu pedido. Todavia, como diz, no
blogue, “o PR não exerce nenhuma função, em relação à política de segurança,
que é da exclusiva competência governamental, pela qual o governo é responsável,
somente, perante o parlamento”.
O constitucionalista reitera que o chefe de Estado “insiste em instrumentalizar
politicamente o Conselho de Estado […], transformando-o numa espécie de segunda
câmara parlamentar, para se imiscuir onde não é chamado”, isto é, na condução
da política nacional, que é do foro do governo, e para secundarizar o papel da
AR no papel de “escrutínio político da atividade governativa”. E a questão é
“se o PM [primeiro-ministro] e os deputados do governo e da oposição, que são
membro do CE, devem continuar a ser cúmplices, à sua custa, deste abuso de poder
presidencial, à margem da separação constitucional de poderes e repartição de
responsabilidade política”.
***
Assumir, em
vez do PR, a iniciativa de agendar um CE parece inconstitucional e é antirregimental.
Nos termos da
Constituição da República Portuguesa (CRP), a presidência do CE é uma competência
do PR, “quanto a outros órgãos (cf artigo 133.º, alínea a), da CRP). Além disso,
trata-se o “órgão político de consulta” do PR (cf artigo 141.º, da CRP),
cabendo a este convocá-lo, quando for obrigatório ou quando tiver necessidade
de aconselhamento. Por isso, um conselheiro exigir uma reunião do CE ou pedir (verbalmente
ou por escrito) a discussão desta ou daquela matéria, em meu entender, é pôr o carro
à frente dos bois. Por seu turno, o artigo 4.º do Regimento do Conselho de
Estado estabelece que o CE “é presidido pelo Presidente da República, a quem
compete a iniciativa de convocar as suas reuniões, a fixação da ordem de
trabalhos e a direção destes” (n.º 1); e “não pode reunir sem presença do
Presidente da República” (n.º 2).
Porém, o PR transformou-o
em senado da República, estabelecendo a periodicidade de reuniões, e numa
escola de formação, trazendo às suas sessões preletores de relevo
internacional. Aliás, vi câmaras municipais e assembleias municipais serem instruídas
por crânios de grande competência técnica, quando de trata de órgãos políticos.
Enfim, há quem goste de salada mista!
2025.01.04 – Louro de Carvalho
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