terça-feira, 7 de janeiro de 2025

Antigo ministro da Educação faleceu aos 75 anos e 228 dias

 

A 6 de janeiro, no lago do Citygolf, na Senhora da Hora, em Matosinhos, foi encontrado a boiar o corpo de António Fernando Couto dos Santos, que desenvolveu diversas atividades, incluindo funções governativas, mas cujo nome ficou na memória coletiva, em razão da aguda contestação estudantil às medidas que preconizou, nomeadamente a prova geral de acesso (PGA), que era a prova de acesso ao ensino superior, e o aumento das propinas nesse nível de ensino.

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A PGA, obrigatória para os alunos do 12.º ano, de 1989 a 1993, prova de português e de cultura geral, gerou protestos da parte dos alunos, por abordar conteúdos não trabalhados em aula, até que o governo a substituiu por provas específicas das disciplinas do 12.º ano.

Os primeiros protestos ocorreram em Barcelos, a 5 de fevereiro de 1992, em Barcelos, dois dias após a realização da PGA desse ano. Quinhentos alunos do ensino secundário marcharam pela cidade, reivindicando o seu fim. A 7 de fevereiro, novos protestos ocorreram em várias cidades, incluindo Coimbra, Braga e Lisboa. Em Lisboa, alguns alunos foram recebidos no Ministério da Educação. Os protestos continuaram por todo o país e, durante um mês, consistindo em marchas, em greves às aulas, em conferências de imprensa, em corte de pontes, entre outros.

Nos protestos, iniciados de modo espontâneo, envolveram-se várias associações estudantis com ligações a movimentos partidários, levando a acusações de partidarização com fins políticos. Uma delegação de dirigentes de associações estudantis foi recebida pelo secretário de Estado do Sistema Educativo, a 5 de março de 1992, que declarou que a PGA seria provavelmente extinta. E, em setembro de 1992, foi abolida pelo Decreto-Lei n.º 189/92 de 3 de setembro, que revogou o Decreto-Lei n.º 354/88, de 12 de outubro, alterado pelos Decretos-Leis n. 140/89, de 28 de abril, 33/90, de 24 de janeiro, 276/90, de 10 de setembro, e 379/91, de 9 de outubro, bem como as normas regulamentares aprovadas ao seu abrigo.

Como facilmente se deduz, a PGA vem do tempo de Roberto Carneiro e passou pelo tempo de Diamantino Durão, tendo sido Couto dos Santos quem a suprimiu.

Quanto às propinas, foi em 1991, no governo de Cavaco Silva, que se falou em alterar as regras e o valor das propinas, que se mantinha, havia 50 anos, no equivalente aos seis euros anuais. 

Entre 1991 e 1994, os estudantes saíram à rua em protesto, com algumas cargas policiais pelo meio, a gritar em uníssono “não pagamos”, o que levou à queda dos ministros Diamantino Durão, que ficou aos comandos da Educação apenas 138 dias, e Couto dos Santos, com quatro estudantes a mostrarem, no último dia do Congresso Nacional do Ensino Superior, o rabo com o slogan “não pagamos”. Até aos anos 2000, foram publicados vários diplomas que alteravam o valor das propinas, enquadrados pela Lei n.º 20/92, de 14 de agosto, que previa um aumento progressivo, conforme o escalão do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) dos agregados familiares dos estudantes; o valor inicial seria o equivalente a 250 euros, até atingir o equivalente aos mil euros, em 1994/95, variando conforme a universidade ou o instituto politécnico. A lei suscitou dúvidas ao Presidente da República, Mário Soares, que a enviou o diploma ao Tribunal Constitucional (TC). A contestação continuou nos anos seguintes, até que, em 2003, foi aprovada a lei que se mantém em vigor, a Lei n.º 37/2003, de 22 de agosto. Então foi definido um valor mínimo para a propina que é de 1,3 salários mínimos nacionais, e um valor máximo que decorre da atualização da taxa média anual da inflação, com base na atualização do preço estabelecido em 1941, ficando nos 852 euros, em 2003. Desde então, o valor máximo da propina já subiu 25%, sendo hoje de 1063,47 euros.

A questão das propinas surgiu com diploma legal, sendo ministro da Educação Couto dos Santos e atravessou o exercício de funções de Manuela Ferreira Leite, de Marçal Grilo, de Oliveira Martins, de Santos Silva e de Júlio Pedrosa. E foi resolvida por David Justino (ministro da Educação) e por Manuela Ferreira Leite (ministra das Finanças).   

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Foram fontes dos Bombeiros de São Mamede de Infesta e do Partido Social Democrata (PSD) quem revelou à Lusa que o corpo encontrado no Citygolf era do antigo ministro social-democrata António Fernando Couto dos Santos. E seguiu para o Instituto de Medicina Legal (IML) do Porto, tendo a Polícia Judiciária (PJ) dito “não haver indícios de morte violenta”.

António Fernando Couto dos Santos nasceu em Forjães, do concelho de Esposende, a 18 de maio de 1949, e faleceu no passado dia 6 de janeiro, na Senhora da Hora, no concelho de Matosinhos.

Cursou o Liceu Passos Manuel, em Lisboa, e licenciou-se em Engenharia Química no Instituto Superior Técnico (IST) da então Universidade Técnica de Lisboa (UTL).

Foi adjunto do secretário de Estado do Ambiente (1983-1984), adjunto do ministro da Qualidade de Vida (1984-1985), secretário de Estado da Juventude (1995-1997), ministro-adjunto do primeiro-ministro e da Juventude (1987-1991), ministro-adjunto e dos Assuntos Parlamentares (1991-1992) e ministro da Educação (1992-1993). Este último cargo coincidiu com a mais intensa contestação estudantil à PGA) e às propinas.

Suspeito de favorecer a Ensul, empresa de construção civil, na adjudicação de obras quando tutelava a pasta da Juventude, por a esposa ter celebrado contrato-promessa de compra e venda, em maio de 1992, de um apartamento na Costa da Caparica com uma imobiliária pertença da Ensul, à qual havia sido adjudicada a construção da pousada da juventude de Almada, quando tutelava a pasta da Juventude, enquanto ministro-adjunto. Em 1993, O Independente trouxe o caso a público, o casal desistiu do negócio, optando por comprar casa em Miraflores, e o apartamento referido acabaria por ser vendido a outro cliente por um preço muito inferior ao que havia sido contratado por Couto dos Santos e pela esposa. A PJ investigou se havia relação entre a cliente que comprou, efetivamente, o imóvel, a empresa Ensul, Couto dos Santos e a esposa, mas não encontrou dados que apontassem qualquer responsabilidade de Couto dos Santos, que sempre negou todas as acusações, alegando ser vítima de ataque pessoal.

Enquanto ministro da Educação, chegou a estar envolvido, apenas na fase de inquérito, no processo judicial relativo aos pagamentos ilegais do governo à antiga Direção-Geral dos Desportos, mas foi ilibado de quaisquer responsabilidades.

Para lá da atividade de empresário, desempenhou também, entre outros cargos, o de presidente da Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos, entre 1988 e 1991, e deputado à Assembleia da República (AR) pelo distrito de Setúbal, entre 1987 e 1995. Entre 2009 e 2015, foi também deputado à AR pelo distrito de Aveiro, tendo sido presidente do Conselho de Administração da Assembleia da República, entre 2011 e 2015. Foi ainda membro das distritais de Setúbal e do Porto e do Conselho Nacional do PSD, bem como membro do Conselho Diretivo na Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD).

Como presidente do Conselho da Administração da Casa da Música, no Porto, foi o responsável pela conclusão das obras e pela abertura da sala de espetáculo ao público, a 15 de abril de 2005. Esteve ligado, durante 13 anos, à Associação Empresarial de Portugal (AEP), anteriormente chamada Associação Industrial Portuense (AIP), onde desempenhou cargos de administração em diversas empresas do grupo, nomeadamente no Europarque, na Eurisko, na Parque-Invest e na Exponor, além da própria AEP, onde foi vice-presidente executivo. E cessou a colaboração em 2008.

Foi cônsul honorário da Rússia no Porto  no Porto, tendo declarado a recusa de continuar, em 26 de fevereiro de 2022, na sequência da invasão da Ucrânia pela Rússia, na antevéspera.

O antigo governante e conhecido adepto leonino chegou ainda a vice-presidente do seu clube, o Sporting, em 1999, durante a presidência de José Roquete.

A 6 de janeiro de 2025, às 11h30, foi dado um alerta por golfistas no campo Citygolf de que se encontrava um homem morto “a boiar no lago do campo de golfe”. Aquando da chegada de meios de socorro ao campo, o corpo, posteriormente identificado como sendo de António Couto dos Santos, já se encontrava morto.

Entretanto, a PJ afirmou à Lusa “não haver indícios de morte violenta”, pelo que a polícia de investigação “não foi, até agora, acionada, nem esteve no local”. Também não foi esvaziado o lago em que foi encontrado o corpo, ao invés da informação avançada inicialmente por fonte dos bombeiros citada pela Lusa.

Foram mobilizados para o clube de golfe, depois encerrado, elementos dos Bombeiros Voluntários de São Mamede de Infesta, do Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM), da Polícia de Segurança Pública (PSP) e da Proteção Civil de Matosinhos.

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O PSD, reagindo à sua morte, manifestou o seu “profundo pesar” pela morte do antigo ministro.

“Foi com profundo pesar que a direção nacional do PSD recebeu a notícia da morte de António Couto dos Santos […]. A direção do PSD perdeu hoje um amigo; o partido, um ilustre militante; e o país, um dos principais defensores da causa pública”, refere uma nota de pesar enviada à comunicação social, referindo que o partido “manifesta sentidas condolências à família”. Por sua vez, o primeiro-ministro, Luís Montenegro, recorreu às redes sociais para lamentar a notícia da morte. “Foi com profunda consternação e choque que recebi a notícia da morte de Couto dos Santos. Para além de ser um amigo, foi governante e deputado em fases desafiantes e bem-sucedidas da nossa vida democrática”, escreveu na rede social X, acrescentando: “Enalteço, nesta hora, a sua frontalidade, humanismo e competência.”

Em declarações à Lusa, Aníbal Cavaco Silva manifestou-se “profundamente chocado” com a morte do antigo governante, que recordou como “um elemento muito importante” nos seus executivos nas décadas de 1980 e 1990 e “um político que não fugiu às suas responsabilidades”.
“Na pasta da Educação, num tempo de grandes transformações, teve de tomar decisões muito corajosas. Pedi-lhe, num momento difícil das questões de Educação, que assumisse a responsabilidade por essa pasta e ele aceitou. E não fugiu às suas responsabilidades”, vincou o antigo Presidente da República.

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Couto dos Santos seguiu a linha governativa do primeiro-ministro Cavaco Silva. Com justiça ou não, surpreenderam-no as circunstâncias da segunda maioria absoluta consecutiva do PSD, que já tinha criado anticorpos internos e escolhos externos, com a compensação do descontentamento a gravitar e em torno do Presidente da República e com ministérios, como o da Educação e da Finanças, a governar com base em perceções.

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Não sou do PSD, mas entendo dever acompanhar a expressão de condolências pela morte do antigo governante, pois, foi com a sua tutela, pela mão de Bracinha Vieira e de Joaquim Azevedo (secretários de Estado), e com a de Silva Peneda, ministro do Emprego e da Segurança Social (este o recordou, aquando de uma sua passagem por Sernancelhe), que foi criada a Escola Profissional de Sernancelhe, a 29 de julho de 1993, respondendo ao desígnio de um projeto liderado politicamente pelo então presidente da câmara José Mário Cardoso (com o placet de toda a vereação) e em que Joaquim ferreira Seixas e eu nos envolvemos, em representação da Associação Jornalística de Sernancelhe (AJS).

Não se trata de agradecer a aprovação de uma candidatura, mas de reconhecer que os titulares do poder estiveram atentos e foram sensíveis a uma aspiração local mais do que justa.  

2025.01.07 – Louro de Carvalho

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