A
6 de janeiro, no lago do Citygolf, na
Senhora da Hora, em Matosinhos, foi encontrado a boiar o corpo de António
Fernando Couto dos Santos, que desenvolveu diversas atividades, incluindo
funções governativas, mas cujo nome ficou na memória coletiva, em razão da aguda
contestação estudantil às medidas que preconizou, nomeadamente a prova geral de acesso (PGA), que era a prova de acesso ao ensino
superior, e o aumento das propinas nesse nível de ensino.
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A PGA, obrigatória para os alunos do 12.º ano, de
1989 a 1993, prova de português e de cultura geral, gerou protestos
da parte dos alunos, por abordar conteúdos não trabalhados em aula, até que o governo a
substituiu por provas específicas das disciplinas do 12.º ano.
Os primeiros
protestos ocorreram em Barcelos, a 5 de fevereiro de 1992, em Barcelos, dois
dias após a realização da PGA desse ano. Quinhentos alunos do ensino
secundário marcharam pela cidade, reivindicando o seu fim. A 7 de fevereiro,
novos protestos ocorreram em várias cidades, incluindo Coimbra, Braga e
Lisboa. Em Lisboa, alguns alunos foram recebidos no Ministério da Educação. Os
protestos continuaram por todo o país e, durante um mês, consistindo em
marchas, em greves às aulas, em conferências de imprensa, em corte de pontes,
entre outros.
Nos
protestos, iniciados de modo espontâneo, envolveram-se várias associações
estudantis com ligações a movimentos partidários, levando a acusações de
partidarização com fins políticos. Uma delegação de dirigentes de associações
estudantis foi recebida pelo secretário de Estado do Sistema Educativo, a 5 de
março de 1992, que declarou que a PGA seria provavelmente extinta. E, em setembro
de 1992, foi abolida pelo Decreto-Lei n.º 189/92 de 3 de setembro, que revogou
o Decreto-Lei n.º 354/88, de 12 de outubro, alterado
pelos Decretos-Leis n. 140/89, de 28 de abril, 33/90, de 24 de janeiro, 276/90,
de 10 de setembro, e 379/91, de 9 de outubro, bem como as normas
regulamentares aprovadas ao seu abrigo.
Como facilmente se deduz, a PGA vem do tempo de Roberto Carneiro e
passou pelo tempo de Diamantino Durão, tendo sido Couto dos Santos quem a suprimiu.
Quanto às propinas, foi em 1991,
no governo de Cavaco Silva, que se falou em alterar as regras e o valor das
propinas, que se mantinha, havia 50 anos, no equivalente aos seis euros anuais.
Entre 1991 e 1994, os estudantes
saíram à rua em protesto, com algumas cargas policiais pelo meio, a gritar em uníssono
“não pagamos”, o que levou à queda dos ministros Diamantino Durão, que ficou
aos comandos da Educação apenas 138 dias, e Couto dos Santos, com quatro
estudantes a mostrarem, no último dia do Congresso Nacional do Ensino Superior,
o rabo com o slogan “não pagamos”.
Até aos anos 2000, foram publicados vários diplomas que alteravam o valor das
propinas, enquadrados pela Lei n.º 20/92, de 14 de agosto, que previa um aumento progressivo,
conforme o escalão do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS)
dos agregados familiares dos estudantes; o valor inicial seria o equivalente a
250 euros, até atingir o equivalente aos mil euros, em 1994/95, variando
conforme a universidade ou o instituto politécnico. A lei suscitou dúvidas ao
Presidente da República, Mário Soares, que a enviou o diploma ao Tribunal
Constitucional (TC). A contestação continuou nos anos seguintes, até que, em
2003, foi aprovada a lei que se mantém em vigor, a Lei n.º 37/2003, de 22 de agosto. Então foi definido um valor
mínimo para a propina que é de 1,3 salários mínimos nacionais, e um valor
máximo que decorre da atualização da taxa média anual da inflação, com base na
atualização do preço estabelecido em 1941, ficando nos 852 euros, em 2003.
Desde então, o valor máximo da propina já subiu 25%, sendo hoje de 1063,47
euros.
A questão das propinas surgiu com
diploma legal, sendo ministro da Educação Couto dos Santos e atravessou o
exercício de funções de Manuela Ferreira Leite, de Marçal Grilo, de Oliveira
Martins, de Santos Silva e de Júlio Pedrosa. E foi resolvida por David Justino (ministro
da Educação) e por Manuela Ferreira Leite (ministra das Finanças).
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Foram
fontes dos Bombeiros de São Mamede de Infesta e do Partido Social Democrata (PSD)
quem revelou à Lusa que o corpo encontrado
no Citygolf era do antigo ministro social-democrata António Fernando Couto dos
Santos. E seguiu para o Instituto de Medicina Legal (IML) do Porto, tendo a Polícia
Judiciária (PJ) dito “não haver indícios de morte violenta”.
António Fernando Couto dos Santos nasceu em Forjães, do concelho de Esposende, a 18 de maio de
1949, e faleceu no passado dia 6 de janeiro, na Senhora da Hora, no concelho de
Matosinhos.
Cursou o Liceu
Passos Manuel, em Lisboa, e licenciou-se em Engenharia Química no Instituto
Superior Técnico (IST) da então Universidade Técnica de Lisboa (UTL).
Foi adjunto
do secretário de Estado do Ambiente (1983-1984), adjunto do ministro da
Qualidade de Vida (1984-1985), secretário de Estado da Juventude (1995-1997),
ministro-adjunto do primeiro-ministro e da Juventude (1987-1991), ministro-adjunto
e dos Assuntos Parlamentares (1991-1992) e ministro da Educação (1992-1993).
Este último cargo coincidiu com a mais intensa contestação estudantil à PGA) e
às propinas.
Suspeito de
favorecer a Ensul, empresa de construção civil, na adjudicação de obras quando
tutelava a pasta da Juventude, por a esposa ter celebrado contrato-promessa de
compra e venda, em maio de 1992, de um apartamento na Costa da Caparica com uma
imobiliária pertença da Ensul, à qual havia sido adjudicada a construção da
pousada da juventude de Almada, quando tutelava a pasta da Juventude, enquanto
ministro-adjunto. Em 1993, O Independente trouxe o caso a público, o
casal desistiu do negócio, optando por comprar casa em Miraflores, e o
apartamento referido acabaria por ser vendido a outro cliente por um preço
muito inferior ao que havia sido contratado por Couto dos Santos e pela esposa.
A PJ investigou se havia relação entre a cliente que comprou, efetivamente, o
imóvel, a empresa Ensul, Couto dos Santos e a esposa, mas não encontrou dados
que apontassem qualquer responsabilidade de Couto dos Santos, que sempre negou
todas as acusações, alegando ser vítima de ataque pessoal.
Enquanto
ministro da Educação, chegou a estar envolvido, apenas na fase de inquérito, no
processo judicial relativo aos pagamentos ilegais do governo à antiga
Direção-Geral dos Desportos, mas foi ilibado de quaisquer responsabilidades.
Para lá da
atividade de empresário, desempenhou também, entre outros cargos, o de
presidente da Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos, entre 1988
e 1991, e deputado à Assembleia da República (AR) pelo distrito
de Setúbal, entre 1987 e 1995. Entre 2009 e 2015, foi também deputado
à AR pelo distrito de Aveiro, tendo sido presidente do Conselho
de Administração da Assembleia da República, entre 2011 e 2015. Foi ainda
membro das distritais de Setúbal e do Porto e do Conselho
Nacional do PSD, bem como membro do Conselho Diretivo na Fundação
Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD).
Como
presidente do Conselho da Administração da Casa da Música, no Porto,
foi o responsável pela conclusão das obras e pela abertura da sala de
espetáculo ao público, a 15 de abril de 2005. Esteve ligado, durante 13 anos, à
Associação Empresarial de Portugal (AEP), anteriormente chamada Associação
Industrial Portuense (AIP), onde desempenhou cargos de administração em
diversas empresas do grupo, nomeadamente no Europarque, na Eurisko,
na Parque-Invest e na Exponor, além da própria AEP, onde
foi vice-presidente executivo. E cessou a colaboração em 2008.
Foi cônsul honorário
da Rússia no Porto no Porto, tendo declarado a recusa de continuar, em
26 de fevereiro de 2022, na sequência da invasão da Ucrânia pela Rússia,
na antevéspera.
O
antigo governante e conhecido adepto leonino chegou ainda a vice-presidente do
seu clube, o Sporting, em 1999, durante a presidência de José Roquete.
A 6 de
janeiro de 2025, às 11h30, foi dado um alerta por golfistas no campo Citygolf de que se encontrava um homem morto “a boiar no lago do
campo de golfe”. Aquando da chegada de meios de socorro ao campo, o corpo,
posteriormente identificado como sendo de António Couto dos Santos, já se
encontrava morto.
Entretanto,
a PJ afirmou à Lusa “não haver
indícios de morte violenta”, pelo que a polícia de investigação “não foi, até
agora, acionada, nem esteve no local”. Também não foi esvaziado o lago em que
foi encontrado o corpo, ao invés da informação avançada inicialmente por fonte
dos bombeiros citada pela Lusa.
Foram
mobilizados para o clube de golfe, depois encerrado, elementos dos Bombeiros
Voluntários de São Mamede de Infesta, do Instituto Nacional de Emergência Médica
(INEM), da Polícia de Segurança Pública (PSP) e da Proteção Civil de
Matosinhos.
“Foi
com profundo pesar que a direção nacional do PSD recebeu a notícia da morte de
António Couto dos Santos […]. A direção do PSD perdeu hoje um amigo; o partido,
um ilustre militante; e o país, um dos principais defensores da causa pública”,
refere uma nota de pesar enviada à comunicação social, referindo que o partido “manifesta
sentidas condolências à família”. Por sua vez, o primeiro-ministro, Luís
Montenegro, recorreu às redes sociais para lamentar a notícia da morte. “Foi
com profunda consternação e choque que recebi a notícia da morte de Couto dos
Santos. Para além de ser um amigo, foi governante e deputado em fases
desafiantes e bem-sucedidas da nossa vida democrática”, escreveu na rede social
X, acrescentando: “Enalteço, nesta
hora, a sua frontalidade, humanismo e competência.”
Em
declarações à Lusa, Aníbal Cavaco
Silva manifestou-se “profundamente chocado” com a morte do antigo governante,
que recordou como “um elemento muito importante” nos seus executivos nas
décadas de 1980 e 1990 e “um político que não fugiu às suas responsabilidades”.
“Na pasta da Educação, num tempo de grandes transformações, teve de tomar
decisões muito corajosas. Pedi-lhe, num momento difícil das questões de Educação,
que assumisse a responsabilidade por essa pasta e ele aceitou. E não fugiu às
suas responsabilidades”, vincou o antigo Presidente da República.
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Couto
dos Santos seguiu a linha governativa do primeiro-ministro Cavaco Silva. Com
justiça ou não, surpreenderam-no as circunstâncias da segunda maioria absoluta consecutiva
do PSD, que já tinha criado anticorpos internos e escolhos externos, com a compensação
do descontentamento a gravitar e em torno do Presidente da República e com ministérios,
como o da Educação e da Finanças, a governar com base em perceções.
***
Não
sou do PSD, mas entendo dever acompanhar a expressão de condolências pela morte
do antigo governante, pois, foi com a sua tutela, pela mão de Bracinha Vieira e
de Joaquim Azevedo (secretários de Estado), e com a de Silva Peneda, ministro do
Emprego e da Segurança Social (este o recordou, aquando de uma sua passagem por
Sernancelhe), que foi criada a Escola Profissional de Sernancelhe, a 29 de
julho de 1993, respondendo ao desígnio de um projeto liderado politicamente
pelo então presidente da câmara José Mário Cardoso (com o placet de toda a vereação) e em que Joaquim ferreira Seixas e eu
nos envolvemos, em representação da Associação Jornalística de Sernancelhe (AJS).
Não
se trata de agradecer a aprovação de uma candidatura, mas de reconhecer que os
titulares do poder estiveram atentos e foram sensíveis a uma aspiração local
mais do que justa.
2025.01.07 – Louro de Carvalho
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