quinta-feira, 9 de janeiro de 2025

Cessação da passagem de gás russo pela Ucrânia terá consequências graves

 

Depois de Kiev ter afirmado que não renovaria um acordo de trânsito de cinco anos com a Gazprom – o gigante energético estatal russo –, assinado antes da invasão total da Ucrânia pela Rússia e cuja vigência terminou a 31 de dezembro, as exportações de gás russo, através de um gasoduto da era soviética que atravessa a Ucrânia forma interrompidas no dia de Ano Novo.

O acordo entre Kiev e Moscovo vigorava, há décadas, por sucessivas renovações quinquenais.

A Eslováquia, devido à sua dependência do gás russo barato, passou meses a tentar convencer o presidente ucraniano a renovar o acordo, a fim de manter o fluxo de gás russo para toda a Europa. E a disputa agravou-se nos últimos tempos, com Volodymyr Zelenkskyy a recusar a renovação do acordo, afirmando que não permitiria que os países “ganhassem mais milhares de milhões com o nosso sangue”, e com Robert Fico a argumentar que a não renovação levaria a um aumento dos preços da energia, a nível interno, e a custos mais elevados para a União Europeia (UE).  

Robert Fico e o presidente da Ucrânia pronunciaram-se, publicamente, nas últimas semanas do ano transato, à medida que o fim do acordo se aproximava. “A suspensão do trânsito de gás através da Ucrânia terá um impacto drástico em todos nós, na UE, mas não na Federação Russa”, afirmou Fico, num discurso de Ano Novo publicado nas redes sociais.

O primeiro-ministro eslovaco sustenta que a recusa de Kiev em celebrar novo acordo de fornecimento de gás com o Kremlin, quando o contrato de cinco anos, entre a russa Gazprom e a ucraniana Naftogaz, expirou a 31 de dezembro, fez subir os preços do gás e irá custar à Eslováquia 500 milhões de euros, por ano, em taxas de trânsito perdidas para o fornecimento de gás a Oeste da UE. Ao mesmo tempo, afirma que a Ucrânia está a pôr em risco a competitividade global da Europa, ao recusar que a Rússia exporte gás para a UE, através de território ucraniano.

Robert Fico mostrou-se combativo, a 7 de janeiro, depois de se ter reunido com os responsáveis máximos da UE, para discutirem a decisão da Kiev de pôr termo ao transporte de gás russo através de território ucraniano, reiterando os avisos de “medidas recíprocas” contra o vizinho devastado pela guerra. Tais medidas poderiam incluir a limitação no fornecimento de eletricidade e na ajuda aos mais de 130 mil refugiados ucranianos que vivem no país, disse Fico, dando também a entender que o seu governo poderia estar preparado para bloquear o apoio, ao nível da UE. “Sim, alguns poderão dizer que é cruel o que estou a dizer agora, mas também é cruel o que o [presidente ucraniano Volodymyr] Zelenskyy nos está a fazer e o que está a fazer à UE”, disse Fico aos jornalistas, em Bruxelas, vincando: “É prejudicial. É cruel.”

Kiev rejeitou imediatamente a ameaça e a Polónia, cujo governo considerou o fim do acordo como uma “vitória” contra a Rússia disse estar preparada para aumentar as exportações de energia para a Ucrânia, nesse cenário.

A 8 de dezembro, a Agência das Nações Unidas para os Refugiados calculava que havia 130532 refugiados ucranianos na Eslováquia, a maioria dos quais atravessava diretamente a fronteira entre os dois países. Robert Fico ripostou, afirmando que a suspensão do gás russo aumentaria os preços do gás e da eletricidade na Europa, acabando por prejudicar mais a UE do que a Rússia.

O primeiro-ministro eslovaco disse, depois de Kiev ter fechado o gasoduto que abastecia a Europa Central com gás natural russo, que o seu governo estava a discutir medidas de retaliação contra a Ucrânia. Numa mensagem de vídeo publicada no Facebook, afirmou que o seu partido Smer iria também considerar a possibilidade de cortar o fornecimento de eletricidade à Ucrânia e exigir a renovação do transporte de gás ou uma compensação pelas perdas financeiras que a Eslováquia sofreu, devido à interrupção do fluxo de gás russo para o seu território. Todavia, garantiu que o seu país não sofrerá escassez de gás, porter tomado medidas de substituição, mas que a decisão da Ucrânia de suspender o fornecimento de gás russo significaria perdas de 500 milhões de euros em taxas de trânsito de outros países para Bratislava.

No ano passado, a Eslováquia assinou um contrato-piloto de curto prazo para comprar gás natural ao Azerbaijão, bem como um acordo para importar gás natural liquefeito proveniente dos Estados Unidos da América (EUA), através da Polónia. E também pode receber gás através de gasodutos austríacos, húngaros e checos permitindo importações da Alemanha, entre outros potenciais fornecedores. No entanto, segundo Fico, o termo do acordo custaria à UE 120 mil milhões de euros, nos próximos dois anos.

O chefe do governo da Eslováquia, há muito, critica abertamente a resposta da UE à guerra não declarada da Rússia contra a Ucrânia e intensificou a pressão, durante o Ano Novo, ao ameaçar reduzir o fornecimento de eletricidade e a ajuda à Ucrânia, a menos que Kiev concordasse com a manutenção do acordo de transporte de gás russo, através do seu território. Numa publicação nas redes sociais, a 2 de janeiro, afirmou que as ações da Ucrânia equivaliam a uma “sabotagem” da economia da eslovaca.

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A Comissão Europeia sustenta que a UE e os seus estados-membros tiveram tempo suficiente para se prepararem, tendo repetido, nesta semana, que não vê qualquer ameaça à segurança energética da UE. Porém, o primeiro-ministro eslovaco salienta o facto de Bruxelas não ter sancionado o gás russo e de continuarem a seguir para Leste carregamentos substanciais de gás natural líquido (GNL), apesar de os EUA terem aumentado as exportações para a UE, para compensar, parcialmente, a enorme queda nos fluxos de gás do seu antigo maior fornecedor.

Depois de se ter reunido com Dan Jørgensen, Comissário europeu da Energia, Fico disse esperar que a UE resolva o problema dos prejuízos que a situação do abastecimento de gás está a causar ao seu país e à competitividade do bloco, especialmente, em relação aos EUA e à China, e deu a entender que Bratislava poderá estar preparada para exercer o seu direito de veto nas decisões da UE relativas à guerra em curso, como fez a Hungria. Não obstante, apesar da retórica furiosa de Fico, após a reunião, o chefe do governo eslovaco e Jørgensen emitiram uma declaração conjunta falando de uma “discussão boa e aberta, sobre a situação energética e [sobre] as implicações mais alargadas” do fim dos fluxos de gás russo através da Ucrânia. “Neste contexto, concordámos em criar um grupo de trabalho de alto nível para acompanhar e identificar opções com base numa avaliação conjunta da situação e ver como a UE pode ajudar”, afirmaram.

O primeiro-ministro eslovaco, que sobreviveu a uma tentativa de assassinato, em maio de 2024, atacou os opositores políticos no seu país, durante a sua longa conferência de imprensa, dirigindo-se tanto ao seu público interno como a Kiev e a Bruxelas. Os seus últimos comentários surgem a pouco mais de duas semanas de uma viagem pré-natalícia, amplamente criticada, para se encontrar com o presidente russo, Vladimir Putin, em Moscovo.

As autoridades da Moldova, não estado-membro da UE, declararam o estado de emergência, em dezembro, devido ao que previam ser uma grave escassez de gás, após o fim do acordo.

A Comissão Europeia afirmou que a Europa se tinha preparado para a mudança e que a maioria dos Estados seria capaz de se desenrascar sem o fornecimento de gás russo. “Esperamos que o impacto do fim do trânsito através da Ucrânia na segurança de abastecimento da UE seja limitado. Os 14 mil milhões de metros cúbicos, por ano, que transitam, atualmente, através da Ucrânia, podem ser totalmente substituídos por GNL e [por] importações de gasodutos não russos, através de rotas alternativas”, disse um porta-voz da Comissão Europeia à Euronews, em dezembro.

Já Robert Fico, que mantém, há muito, laços de amizade com Moscovo, para desgosto da Ucrânia, visitou o presidente russo, Vladimir Putin, em dezembro, para discutir o fornecimento de gás – onde iniciou a sua ameaça de suspender o fornecimento de eletricidade de reserva a Kiev, do qual o país devastado pela guerra depende fortemente (Fico é apenas o terceiro líder da UE a visitar Putin, no Kremlin, desde a invasão total da Ucrânia pela Rússia, em fevereiro de 2022).

Na altura, a Polónia afirmou-se disposta a aumentar as suas exportações de energia para a Ucrânia, para compensar as potenciais perdas da Eslováquia. Zelenskyy, por sua vez, acusou Fico de ajudar Putin a “financiar a guerra e a enfraquecer a Ucrânia” e afirmou que os esforços de Fico para manter o acordo equivaliam à abertura, por parte da Eslováquia, de uma “segunda frente energética” contra a Ucrânia, sob as ordens da Rússia.

O primeiro-ministro eslovaco, Robert Fico, amigo do Kremlin, afirmou que o fim do acordo de trânsito de gás entre Kiev e Moscovo teria um “impacto drástico” na UE. Ou seja, a decisão da Ucrânia de suspender o fornecimento de gás russo aos países da UE através dos seus gasodutos vai prejudicar o bloco comunitário e não Moscovo.

A Eslováquia tem recebido, anualmente, cerca de três mil milhões de metros cúbicos (bcm) de gás da Rússia através da Ucrânia, o correspondente a dois terços das suas necessidades. Porém, Bratislava afirma que não enfrentará uma escassez de gás, devido à perda do fornecimento russo.

Os valores do gás natural, na Europa, registaram a maior subida, desde outubro de 2023, depois de os fluxos de gás russo para a Europa, através da Ucrânia, terem parado no dia de Ano Novo. O preço do TTF neerlandês, o gás natural europeu de referência, subiu mais de 4% para 51 euros por megawatt-hora, o nível mais elevado desde outubro de 2023, antes de abrandar um pouco, no primeiro dia de negociação, após o gás russo ter deixado de fluir para a Europa através da Ucrânia. Com efeito, as temperaturas geladas do Norte fizeram subir os preços na manhã de 2 de janeiro, no cenário de perda de 5% das importações de gás natural da UE, pois as importações russas não entram na UE, através da Ucrânia, após décadas de funcionamento, por ter expirado, na véspera, o acordo de trânsito, com preocupações sobre retiradas mais rápidas de armazenamento.

As existências europeias de gás foram esgotadas ao ritmo mais rápido, desde 2021, situando-se em cerca de 75%, devido ao tempo particularmente frio que se tem feito sentir na Europa.

De acordo com a organização da indústria Gas Infrastructure Europe, o volume de gás nas instalações de armazenamento do bloco diminuiu cerca de 19%, desde o final de setembro, apesar de a época de reabastecimento ir até finais de dezembro. Contudo, não há o risco de uma crise energética imediata ou de um défice na Europa e a UE não espera impacto imediato nos preços ao consumidor. Porém, a Europa está mais vulnerável à volatilidade do mercado, se pretender substituir o gás natural que lhe falta, visto que os preços do gás têm vindo a aumentar 50%, face a 2024. O aumento dos preços da energia pode afetar, ainda mais, a competitividade do bloco e aumentar os custos para as famílias. E os preços podem aumentar, se a Europa optar por aumentar as suas importações de GNL.

Os países da Europa Central são os mais vulneráveis à perda do acesso ao gás natural russo através da Ucrânia, embora disponham de uma rota alternativa, o TurkStream, para receber o gás natural russo, mas essa ligação não é suficiente para compensar totalmente a perda da rota da Ucrânia.

O impacto será sentido, sobretudo, na Hungria e na Eslováquia, países para os quais a rota de trânsito ucraniana satisfazia 65% da procura de gás em 2023, segundo o Bruegel.

A UE apresentou várias soluções para ajudar os países afetados, incluindo a satisfação das necessidades, através do fornecimento de gás grego, turco e romeno pela rota dos Balcãs.

Não se receia que a UE fique sem gás no inverno, mas o reabastecimento das suas reservas poderá ser mais dispendioso do que o previsto. Todavia, os preços do gás para o próximo verão subiram acima dos preços para o inverno de 2025-26, o que tornará mais dispendioso o reabastecimento, relata a Bloomberg, citando Arne Lohmann Rasmussen, analista-chefe da Global Risk Management, em Copenhaga, que afirmou: “Há um risco crescente de a UE sair do inverno com baixos níveis de armazenamento de gás, o que tornará dispendioso o seu reabastecimento.”

Por fim, é de referir que, entre os países da UE, só a Espanha, com as reservas a 100%, tem maior capacidade de armazenamento de gás do que Portugal (96%), em relação à média da UE (69%).

Seja como for, o fim do acordo em causa, traz problemas aos países mais afetados e a toda a UE.

2025.0108 – Louro de Carvalho

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