domingo, 19 de janeiro de 2025

Human Rights Watch acusa vários países de violação dos direitos humanos

 

No relatório global referente a 2024, publicado a 16 de janeiro, a Human Rights Watch (HRW) acusa Israel de “limpeza étnica”, na Faixa de Gaza; descreve o “clima de medo”, imposto pela Rússia, em território ocupado da Ucrânia; denuncia o aumento do racismo na União Europeia (UE); e identifica, em Portugal, a permissão legal da esterilização forçada de mulheres portadoras de deficiência.

Tirana Hassan, diretora executiva da HRW, observou, em comunicado, que “as democracias liberais nem sempre são defensoras de confiança ​​dos direitos humanos, a nível doméstico ou no exterior”. Num ano marcado por conflitos armados e crises humanitárias, o aumento da repressão autoritária alimentou a mobilização cívica pelo Mundo, de que são exemplos os protestos contra a corrupção no Bangladesh, na Venezuela, por causa da contagem de votos, e na Coreia do Sul, pela imposição (de curta duração) da lei marcial.

Além disso, Hassan alerta que, “quando os governos falham em agir para proteger civis em grave risco, não só os abandonam à morte e ao sofrimento, mas também enfraquecem a proteção das pessoas em todo o Mundo, o que leva a uma situação em que todos saem a perder”.

Efetivamente, o relatório, de 554 páginas, aponta a deteção de violações de direitos humanos por todo o Mundo – desde a proibição de ser ouvida, fora de casa, a voz da mulher, no Afeganistão, à dissolução de 53 partidos políticos (e colocação de 54 sob vigilância), na Guiné-Conacri. E esta análise da situação de direitos humanos em mais de 100 países critica também a UE e países com proximidade diplomática com ela, como os Estados Unidos da América (EUA).

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Sobre a dicotomia entre palavras e ação, na UE, o relatório mostra que o fosso é acentuado no atinente à migração e a políticas de asilo, no combate ao racismo e na proteção do estado de direito, assim como denuncia que o pacto da migração e asilo da UE permite que países terceiros rejeitem a entrada de pessoas, com base em termos vagos, como a “instrumentalização” da migração, encorajando estados-membros a enviarem pessoas, de novo, para países onde “podem enfrentar abusos ou repulsão em cadeia”. “A UE falhou largamente em falar contra violações de direitos dos migrantes em países com que tem tais parcerias”, considera o documento, referindo-se a acordos com países, como a Líbia, a Tunísia, o Líbano, o Egito, a Mauritânia e Marrocos. A par disso, “numerosos países da UE expressaram interesse ou apoiaram medidas para colocar a responsabilidade de requerentes de asilo fora das suas fronteiras”.

A HRW sustenta que o ambiente político antes das eleições europeias foi acompanhado do “aumento da generalização do racismo, da islamofobia, da antimigração e de narrativas de extrema-direita”, no contexto da existência de quase 95 milhões de pessoas em risco de pobreza e exclusão social, e de “provas crescentes de restrições ao espaço cívico”. Em alguns países europeus, as autoridades restringiram, de forma desproporcional, la liberdade de expressão e de reunião de manifestantes pró-Palestina e climáticos.

A esterilização forçada afeta mulheres e raparigas portadoras de deficiência e é legal, pelo menos, em 12 estados-membros da UE, incluindo a Bulgária, a Dinamarca e Portugal.

Portugal é mencionado na violência contra mulheres e na violência doméstica. Há cerca de um ano, 20 associações enviaram carta aberta aos partidos concorrentes às eleições legislativas, a pedir a criminalização da esterilização forçada de pessoas portadoras de deficiência. Já em 2025, o Bloco de Esquerda (BE) pretende criminalizar a prática, como noticiou o Diário de Notícias (DN), a 4 de janeiro, tendo avançado com um projeto de lei para criminalizar a prática de “esterilização forçada de pessoas com deficiência”, sustentando que configura “uma decisão absolutamente irreversível para o resto da vida”, que incide, principalmente, sobre menores do sexo feminino. A ideia é, “seguindo práticas de vários países europeus, como a França, a Itália, a Alemanha ou a Espanha”, impedir “a esterilização forçada de pessoas com deficiência, sem garantir que existe uma forma de aferir a sua vontade”, o que passa por garantir que há “um processo clínico acompanhado por uma equipa multidisciplinar, capaz de assegurar o envolvimento da pessoa maior na tomada da decisão”.

Questionado sobre se temos registo desta prática, o bloquista José Soeiro remete para a carta aberta da associação Voz do Autista, subscrita por 20 entidades, como o movimento SOS Racismo, a ILGA Portugal ou o Núcleo Feminista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, que, por sua vez, remete para o relatório do Fórum Europeu da Deficiência.

De acordo com o documento da Voz do Autista, “os dados relativos à esterilização forçada são inexistentes, desatualizados ou não estão desagregados”, pelo que é necessária investigação para avaliar o número de pessoas submetidas a esterilização forçada, em Portugal, e o contexto onde esta prática acontece. Por isso, a associação apela “à execução do estudo nacional sobre violência contra raparigas e mulheres com deficiência, que inclui o estudo sobre as práticas de esterilização forçada, aprovado no Orçamento de Estado para 2023”.

No respeitante à esterilização voluntária, o BE entende “que se deve garantir que há equipas multidisciplinares que acompanham as pessoas com deficiência”, na tomada de uma decisão pessoal, livre e informada e que, sempre que isso for impossível, não se devem utilizar métodos de esterilização irreversíveis, mas outro tipo de método terapêutico.

A discussão em torno deste projeto de lei será ainda agendada e concretizada.

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Na “terra da liberdade”, a HRW detetou políticas fronteiriças abusivas – como a suspensão, por parte do presidente Joe Biden, do direito de imigrantes que entram pela fronteira sul, sem autorização, a pedirem asilo – que “violam as obrigações dos EUA” com o direito internacional. Também destaca a expansão de restrições aos direitos reprodutivos, as “novas ameaças” aos direitos LGBT, as restrições ao direito de voto e os abusos que, frequentemente, têm como alvo as comunidades de cor ou que nelas mais se sentem. Mais: a administração de Biden “enviou ajuda militar a governos que violaram o direito internacional, como o Egito e Israel, vendeu armas a governos autocráticos, como o da Arábia Saudita, e enviou “munições de fragmentação indiscriminadas e minas antipessoais para a Ucrânia”. Porém, há nota positiva nas sanções dos EUA, por exemplo, a responsáveis do Uganda e a líderes das Forças de Apoio Rápido do Sudão.

São antecipados problemas com a vitória de Donald Trump nas eleições presidenciais. “O seu histórico anterior no cargo e promessas de campanha explícitas geram várias preocupações sobre as ameaças que o seu segundo mandato como presidente podem colocar a um amplo leque de direitos humanos e a instituições democráticas encarregadas de os defender”, escreve a HRW.

Ao longo de 2024, as violações de direitos humanos imputados à Síria traduziram-se em detenções arbitrárias, em desaparecimentos, em insegurança generalizada. Na ótica da HRW, a queda de Bashar al-Assad assinala “uma nova oportunidade de responsabilização”. Apesar disso, grupos envolvidos na queda do governo também foram responsáveis por abusos de direitos humanos e por crimes de guerra; e as condições no país continuam a não permitir o “regresso seguro e digno” de refugiados sírios, até pela escolha de alguns países em deportar milhares de Sírios ou pela colocação em pausa dos pedidos de asilo.

Tirana Hassan defendeu que quem assumir a liderança do país deve “romper totalmente com a repressão e impunidade do passado”, pois até as autocracias de longa data podem ser muito frágeis. “Autocratas que dependem de outros governos para manter o seu regime repressivo estão sujeitos às mudanças de cálculos políticos dos seus estados parceiros”, como se vê pelo desvio de fundos da Rússia do apoio à Síria, no seguimento da invasão da Ucrânia.

Sobre o ano em que Vladimir Putin assegurou um quinto mandato, ao vencer as eleições presidenciais na Rússia, a HRW afirma que as autoridades “intensificaram a sua repressão da sociedade civil e dissidência”. De acordo com o relatório, os ataques não se limitaram à esfera política, mas foram também direcionados aos direitos reprodutivos, com pressão sobre clínicas para deixarem de realizar abortos. E, pelo menos, 44 pessoas foram alvo de condenações administrativas, por terem exibido símbolos do movimento LGBT, por exemplo, ao publicarem a bandeira arco-íris online. Foi expandida legislação e usada como ferramenta para “abafar vozes a denunciar a guerra”, para manter as restrições à liberdade de reunião do tempo da pandemia (houve 1185 detenções em manifestações), e escalou a “retórica antimigração”.

As críticas a violações de direitos humanos, por parte da Rússia, surgem também no capítulo da Ucrânia, com a HRW a dizer que as forças russas “cometeram crimes de guerra generalizados e outros abusos e mantiveram um clima de medo nas áreas da Ucrânia ocupadas pela Rússia”. Sobressaem os ataques a áreas com elevada densidade populacional, o uso de minas terrestres e de munições de fragmentação – estas últimas também usadas por forças ucranianas –, o assédio para cidadãos em zonas ocupadas pedirem passaporte russo e a rejeição de cuidados médicos adequados a pessoas detidas sob acusações por motivações políticas.

A descrição dos danos infligidos na Faixa de Gaza é acompanhada de números: 44 mil mortos (de acordo com Ministério da Saúde de Gaza), o aumento de 300% dos abortos espontâneos ou o bloqueio da entrada de 83% de apoio alimentar, a partir de setembro.Os ataques israelitas e as demolições por engenhos de combate e por escavadoras militares destruíram ou danificaram 63% dos edifícios de Gaza, tornando muita da Faixa [de Gaza] inabitável, constituindo clara limpeza étnica em algumas áreas e violando o direito dos Palestinianos a regressarem”.

Israel cometeu “crime contra a Humanidade de extermínio e genocídio”, ao vedar à população palestiniana, em Gaza, o acesso a água, privação imposta através da restrição de água canalizada, de cortes de eletricidade e de bloqueio a combustível necessário para geradores, levando ao encerramento de instalações para dessalinização e tratamento de águas.

Do lado oposto, grupos armados” na Faixa de Gaza mantinham 101 reféns e uma missão das Nações Unidas encontrou indícios de que alguns reféns foram sujeitos a violência sexual.

A HRW destaca que, ao longo de mais de uma década do presidente Xi Jinping no poder, houve um aumento da repressão na China. Aponta o dedo às ameaças a que Tibetanos e Uigures são sujeitos, bem como a restrições de liberdades em Hong Kong. Temas anteriormente tolerados ficaram fora de limites”. É o caso do desaparecimento do economista que criticou políticas económicas, num grupo privado do WeChat, ou a detenção do artista cujo trabalho criticava o legado de Mao Zedong. O controlo reforçado da informação, da parte do governo chinês, tem implicações internacionais”, pois atingiu críticos da China que se exilaram e estrangeiros no exterior. E, no atinente a Xinjiang, as palavras são duras: “O governo chinês cometeu crimes contra a Humanidade, contra uigures e outros muçulmanos turcos, como parte da abusiva ‘campanha contra o terrorismo violento. […] Houve recurso a “detenções arbitrárias, a vigilância em massa, a trabalho forçado, a perseguição religiosa e cultural e a separação de famílias.”

Em 2024, entrou em vigor uma nova Lei da Segurança Nacional, em Hong Kong, ao abrigo da qual as autoridades detiveram, pelo menos, 304 pessoas. E o ano sofreu a “continuidade do declínio da liberdade de imprensa”, a decisão da Justiça em considerar legal o bloqueio governamental da música “glória a Hong Kong” e o maior julgamento de segurança nacional na cidade, com 14 ativistas e ex-deputados condenados por “conspiração para cometer subversão”.

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Israel e a Rússia, agressores das duas guerras mais mediáticas da atualidade, promoveram crimes contra a Humanidade, ao atacarem, deliberadamente, civis e infraestruturas, como hospitais, e provocando cortes de eletricidade, falta de água e fome.

Israel matou, deixou passar fome, forçou deslocações, destruiu casas, escolas e hospitais, numa escala sem precedentes, na História recente. Vários líderes – como o primeiro-ministro e o ex-ministro da Defesa israelitas e os responsáveis militares e políticos do Hamas – têm mandados de detenção internacional por crimes de guerra e contra a Humanidade, mas continuam impunes. A par do balanço de dezenas de milhares de mortos e feridos, “quase todos os Palestinianos, em Gaza, foram deslocados à força e todos enfrentaram uma grave insegurança alimentar ou fome”.

Também a Rússia recorreu, regularmente, a ataques à rede energética, aos hospitais e à segurança da Ucrânia, além de tentar, nas áreas ocupadas, “à força e metodicamente, apagar a identidade ucraniana”, incluindo pela imposição do currículo e da língua russos nas escolas. Porém, a HRW vinca a “intensificação da repressão” interna, sobretudo, através de rótulos “punitivos e estigmatizantes” como “agente”, “indesejável” e “extremista”, que resultam em multas pesadas e em longas penas de prisão. E destaca a morte na prisão do líder da oposição Alexei Navalny, quando cumpria “uma pena draconiana”, assim como a vitória de Vladimir Putin numas eleições onde a oposição foi eliminada, tendo, em outubro, o Conselho dos Direitos Humanos da ONU assinalado “a deterioração significativa e contínua” dos direitos humanos no país.

Em 2024, Moscovo reforçou a lei de censura de guerra promulgada após a invasão da Ucrânia e permitiu o confisco de bens de pessoas condenadas sob uma série de acusações sem fundamento. E continuou a usar a legislação sobre “agentes estrangeiros” para atingir os media, os defensores dos direitos humanos e outros críticos, tendo designado 64 organizações como “indesejáveis”.

A HRW destaca o aumento dos ataques feitos pelas autoridades a migrantes da Ásia Central e a outras pessoas com aparência não eslava, bem como a retórica antimigrante e o “regime de deportação” especial para os estrangeiros que não tenham documentos de identidade válidos ou autorização para permanecer na Rússia. Tais pessoas são colocadas num registo público de “pessoas controladas”, proibidas de conduzir, de casar, de mudar de residência, sem permissão, de abrir contas bancárias ou de fazer transações financeiras, e podendo ser vigiadas digitalmente.

A HRW criticou o uso reiterado do veto russo no Conselho de Segurança da ONU para impedir a responsabilização dos seus líderes por crimes de guerra.

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Estados, como os Países Baixos, o Canadá e o Reino Unido suspenderam transferências de armas para Israel, devido ao claro risco de serem utilizadas em violações graves de direito internacional, mas os EUA aprovaram mais de 100 vendas de armas e forneceram a Israel uma quantia sem precedentes de 17,9 mil milhões de dólares em assistência de segurança.

Embora muitos governos da UE e os EUA tenham dito querer justiça pelos crimes graves cometidos pelas forças russas e pelos exageros de Israel, a responsabilização é lenta e suave.

2025.01.18 – Louro de Carvalho

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