segunda-feira, 13 de janeiro de 2025

Descoberto fóssil de nova espécie de planta com 300 milhões de anos

 

Investigadores do Centro de Geociências (CGEO) da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra (TCTUC) descobriram um fóssil de planta, em Anadia, no distrito de Aveiro, que corresponde a uma nova espécie de fetos com 300 milhões de anos.

A descoberta é contextualizada e descrita no artigo científico intitulado “A new species of Acitheca (Psaroniaceae, Marattiales) with exceptionally and three-dimensionally preserved sporangia from the Buçaco Carboniferous Basin, western central Portugal” – em Português, “Uma nova espécie de Acitheca (Psaroniaceae, Marattiales) com esporângios excecionalmente e tridimensionalmente preservados da Bacia Carbonífera do Buçaco, Centro-Oeste de Portugal” –, publicado na revista Review of Palaeobotany and Palynology, volume 334, acessível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0034666724002252.

A comunicação social, por exemplo, a SIC Notícias, o Diário de Aveiro e a Antena Livre, com a Lusa, fez eco da descoberta.

O fóssil em causa corresponde a uma nova espécie de fetos com 300 milhões de anos. Batizada de Acitheca machadoi, conserva esporângios, que são órgãos reprodutores da planta, em detalhe tridimensional e, ainda, com esporos ‘in situ’. O feto primitivo, já extinto, foi descoberto nas formações geológicas de Anadia, pela equipa de investigadores do CGEO da FCTUC, como anunciou aquela Faculdade, em nota enviada à agência Lusa.

Como referiu Pedro Correia, investigador do CGEO e primeiro autor do artigo científico, “este achado paleobotânico corresponde a uma nova espécie do género Acitheca, um grupo de fetos arbóreos maratileanos da já extinta família Psaroniaceae da ordem das Marattiales, caraterizado pelos seus esporângios alongados e soros sésseis”.

A nova espécie, batizada de Acitheca machadoi, é dedicada a Gil Machado, o geólogo especializado em Palinologia paleozoica, que estudou, detalhadamente, a Estratigrafia (ramo da Geologia que estuda os estratos ou camadas de rochas) e as floras palinológicas da Bacia Carbonífera do Buçaco (BCB), incluindo a secção estratigráfica onde o novo fóssil foi descoberto.

Acitheca machadoi conserva esporângios, em detalhe tridimensional e ainda com esporos ‘in situ’.É uma preservação excecional e raramente encontrada em adpressões (tipo de fossilização por compressão) nas quais os fósseis vegetais do Carbónico desta região se encontram preservados”, afirmou o paleontólogo Pedro Correia, vincando que este fóssil apresenta dos mais pequenos esporângios documentados para o género Acitheca.

Sofia Pereira, investigadora do CGEO e coautora do trabalho científico, acredita que é provável que o tamanho reduzido dos esporângios corresponda a uma adaptação às condições mais secas que se faziam sentir no Período Carbónico.Afinal, esta é uma das adaptações mais ‘escolhidas’ pelas plantas para enfrentar condições de pouca disponibilidade de água, permitindo-lhes conservar água, aumentar a eficiência energética e facilitar a libertação de esporos”, sublinhou.

O referido artigo põe em destaque:

·      “Uma nova espécie do extinto género fóssil de samambaia maratial,  Acitheca,  é descrita do Alto Pensilvânia, em Portugal.”

·      “A nova espécie é erigida com base em esporângios alongados e muito pequenos, compreendendo um dos menores esporângios conhecidos do género.”

·      Acitheca machadoi  sp. nov. [species nova] mostra esporângios excecionalmente preservados tridimensionalmente com  esporos in situ.”

·      “Novos insights sobre a paleoecologia e diversidade de espécies do género  Acitheca.”

Os investigadores concluíram que, “embora, na Paleontologia, tenhamos de esperar pelas próximas peças do puzzle, são já vários os sinais da transição de condições húmidas para secas nas associações de plantas fósseis” da BCB, “espelhando a mudança climática global que se iniciou na passagem do Período Carbónico para o Período Pérmico, e que vai marcar este último período geológico do Paleozoico”. E, com uma diversidade global relativamente baixa – conhecem-se menos de dez espécies –, Acitheca machadoi é o terceiro representante do género, em Portugal, sugerindo que a sua diversidade, a nível mundial, poderá estar subestimada.

Na “Introdução” ao artigo, que, além do conteúdo essencial, descreve o contexto e a metodologia da investigação, os investigadores explicitam que “os Marattiales são um dos grupos de samambaias mais bem documentados que têm uma história fóssil essencialmente contínua do Pensilvânico (Carbonífero tardio) até aos dias atuais”, oferecendo a sua riqueza e diversidade, no registo fóssil, “oportunidades importantes para estudar padrões evolutivos, em larga escala, em longos intervalos geológicos”. Os Marattiales, que tiveram uma radiação global, durante os tempos Moscoviano e Kasimoviano tardio, “são encontrados em quase todas as localidades fósseis terrestres do Carbonífero/Permiano, em todo o Mundo”. Os membros marattialeanos do Paleozoico viveram, principalmente, em ambientes tropicais, e os seus fósseis compreendem uma variedade de estados de preservação que revelam detalhes da morfologia foliar, estruturas reprodutivas, palinologia e anatomia caulinar.

Por sua vez, “Acitheca é um dos géneros distintos mais conhecidos de samambaias marattialeanas paleozoicas”, tendo o nome sido erigido por Andreas Franz Wilhelm Schimper, em 1879, que descreveu este género fóssil com base em sinângios sésseis compostos por esporângios alongados com ápices semelhantes a cerdas (o tipo A. polymorpha). Segundo os cientistas, “outras espécies foram posteriormente erigidas para o género, apresentando variações no tamanho dos esporângios e a sua forma geral, a forma e a variabilidade da pínula [folíolo, segmento ou divisão das folhas compostas], bem como a densidade e divisão das veias”.

Em geral, as espécies de Acitheca apresentam esporângios alongados, geralmente dispostos em quatro por sorus (sinângio), pínulos lingulados e venação pinada. O nome Acitheca não foi aceite pela maioria dos paleobotânicos da época, mas acabou por se tornar amplamente reconhecido e, posteriormente, foi usado para espécimes de compressão (compressão-impressão) de folhagem de pecopterídeos. Todavia, como observou Paul Corsin, em 1951, a atribuição de tais espécimes de adpressão ao género Acitheca sem conhecimento detalhado da sua morfologia sinangial pode ser nomenclaturalmente questionável. A maioria das adpressões de marattialeas euramericanas da Pensilvânia, incluindo todas as espécies de Acitheca, pertence à família Psaroniaceae.

Os investigadores descrevem um espécime de adpressão marattialean contendo esporângios excecional e tridimensionalmente preservados com esporos ‘in situ’ da BCB (Stephaniano superior C, Gzheliano superior), em Portugal, que representa uma nova espécie de Acitheca, a primeira documentada para o género na BCB, sendo a morfologia detalhada dos seus sinângios e esporângios contendo esporos ilustrada e as suas implicações paleoecológicas discutidas.

***

Poderia chegar aos 3,5 metros, competindo com as árvores em tamanho e, provavelmente, não a distinguiríamos dos fetos de hoje. Vivia no Buçaco há 300 milhões de anos. A revista Wilder falou com Sofia Pereira, já mencionada, uma das paleontólogas de Coimbra que descreveram esta nova espécie, Acitheca machadoi.

As folhas destes fetos arbóreos primitivos, e já extintos, eram grandes e podiam ramificar-se em três ou quatro pinas. Na verdade, como explicou a investigadora, “o género Acitheca integrava o grupo Marattiales, atualmente representado por uma única família que reúne os maiores fetos conhecidos, e os quais mantêm caraterísticas consideradas mais primitivas para estas plantas que nos são tão familiares”. “Talvez estejamos mais familiarizados com fetos rasteiros ou de pequeno porte, mas, em Portugal, temos fetos arbóreos que alcançam uma dezena de metros”, lembrou. 

Questionada sobre quão diferente seria este feto dos que existem hoje, respondeu: “Assim à primeira vista, se víssemos só as frondes, a folhagem, provavelmente a maioria de nós não notaria diferenças entre este feto paleozóico e os atuais. É um grupo morfologicamente bastante estável, ainda que, por exemplo, a forma alongada dos esporângios de Acitheca machadoi já não ocorra nos fetos atuais.” 

A história desta nova espécie de feto começou a 9 de outubro de 2021, dia em que o fóssil foi recolhido durante uma campanha de campo, nos depósitos de carvão de Vale da Mó, da região de Anadia. Porém, ninguém sabia que tinha em mãos o fóssil de uma nova espécie. Este só haveria de ser estudado mais tarde. “Os depósitos de carvão da região do Buçaco, talvez devido à modesta extensão e à reduzida relevância económica, mas também por uma série de infortúnios nos primórdios dos estudos geológicos em Portugal, receberam menos atenção, ao longo do tempo”, explicou Sofia Pereira, acrescentando que, nos últimos cinco anos, esses depósitos de carvão, que ocorrem numa sequência de rochas, conhecida como BCB, “têm recebido particular atenção de um grupo de investigadores do CGEO”.

Os investigadores têm, segundo Sofia Pereira, prestado atenção ao registo de “fósseis de plantas (e, com alguma sorte, também de animais) que viveram, na região de Anadia e da Mealhada, há cerca de 300 milhões de anos”. Por exemplo, este trabalho já permitiu a “descoberta de uma nova espécie de barata primitiva”, à qual a equipa da investigadora atribuiu o nome Poroblattina anadiensis, por o seu fóssil ter sido encontrado na região de Anadia.

Em 2021, Miguel Correia e Marco Cavaleiro, alunos da licenciatura em Geologia, receberam duas bolsas de iniciação à investigação do programa “Verão com Ciência”, da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), atribuídas pelo CGEO, para a prospeção paleontológica na BCG no verão desse ano. Pouco depois, o CGEO contratou o investigador Pedro Correia, especialista em Paleobotânica, para estudar as associações fossilíferas. “Com a entrada do Pedro, organizámos uma campanha, na qual participaram também os alunos, e foi então que se recolheram vários fósseis, entre os quais o da nova espécie”, contou Sofia Pereira.

O fóssil na origem da descrição desta nova espécie está preservado nas coleções de Paleontologia do Museu de Geologia Fernando Real, da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), em Vila Real, instituição a que pertence Artur Sá, um dos coautores. “Com a exceção do património paleontológico imóvel (por exemplo, trilhos de pegadas de dinossauros), regra geral, todo o material paleontológico publicado deve estar depositado num repositório científico de acesso aberto”, explicou a investigadora.

Segundo Sofia Pereira, esta descoberta fornece novos conhecimentos sobre a Paleoecologia e sobre a diversidade de espécies deste género de fetos ajudando “a reconstituir a flora da região, há 300 milhões de anos, e a compreender as condições ambientais que ali prevaleciam”.

O fóssil descoberto estava preservado o suficiente para permitir saber várias coisas. “Apesar dos 300 milhões de anos que nos separam e das deformações sofridas pelas rochas que a guardaram, a fronde fértil encontrada conserva esporângios com impressionante detalhe tridimensional e ainda com esporos in situ”, salientou Sofia Pereira, sustentando que esta espécie apresenta dos mais pequenos esporângios documentados para o género Acitheca, o que seria uma prova do começo da transição de condições húmidas para secas, nas associações de plantas fósseis da BCB. Questionada se o tamanho reduzido dos esporângios será adaptação às condições mais secas que se faziam sentir, reponde que talvez seja assim, pois, “esta é uma das adaptações mais ‘escolhidas’ pelas plantas para enfrentar condições de pouca disponibilidade de água, permitindo-lhes conservar água, aumentar a eficiência energética e facilitar a libertação de esporos”. Com efeito, são vários os sinais da transição de condições húmidas para secas nas associações de plantas fósseis da BCB que poderiam espelhar a mudança climática global que se iniciou na passagem do Período Carbónico para o Período Pérmico e que marcou este último período do Paleozoico.

Em menos de 10 espécies conhecidas, Acitheca machadoi é o terceiro representante do género, em Portugal, o que leva crer que a sua diversidade estará subestimada, de acordo com Sofia Pereira, que diz ter-se extinguidoo género Acitheca há cerca de 299 milhões de anos. Quanto à Acitheca machadoi, apenas se conhece o espécime encontrado em Vale da Mó. “A planta cuja fronde fossilizou e hoje encontrámos, apenas podemos dizer que terá morrido quando a unidade rochosa onde fossilizou se depositou, há uns 300 milhões de anos. Nada mais sabemos para já daquela espécie em concreto”, disse, advertindo: “Temos de ter a noção [de] que a extinção é um fenómeno natural. A maioria dos grupos biológicos que existiram já se extinguiram. Faz parte da dinâmica: grupos biológicos surgem, grupos biológicos desaparecem. Claro que ocorrem fenómenos que podem potenciar/originar essa extinção, mas avançar para o motivo concreto de um género de fetos em particular, seria apenas especulativo.”

Todavia, no Pérmico, período subsequente ao Carbónico, o clima tornou-se cada vez mais quente e seco e isso favoreceu uns grupos e outros nem tanto. “A família à qual este género pertencia, Psaroniaceae, sobreviveu à maior extinção conhecida no registo geológico (final do Pérmico) e resistiu, pelo menos, até ao Cretácico Inferior. As espécies vivas de Marattiales representam uma componente muito pequena da diversidade total do grupo, são muitas mais as espécies de Marattiales que se extinguiram do que as que existem, mas a redução dramática do grupo deu-se no final do Mesozoico e as razões ainda não foram explicadas”, concluiu a investigadora.

Assim, a Ciência avança, permitindo um melhor conhecimento da Natureza e dos tesouros que o território encerra.

2025.01.12 – Louro de Carvalho

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