Investigadores do
Centro de Geociências (CGEO) da Faculdade
de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra (TCTUC) descobriram um
fóssil de planta, em Anadia, no distrito de Aveiro, que corresponde a uma nova
espécie de fetos com 300 milhões de anos.
A
descoberta é contextualizada e descrita no artigo científico intitulado “A new
species of Acitheca (Psaroniaceae, Marattiales) with exceptionally and
three-dimensionally preserved sporangia from the Buçaco Carboniferous Basin,
western central Portugal” – em Português, “Uma nova espécie de Acitheca (Psaroniaceae,
Marattiales) com esporângios excecionalmente e tridimensionalmente preservados
da Bacia Carbonífera do Buçaco, Centro-Oeste de Portugal” –, publicado na revista Review of Palaeobotany and
Palynology, volume
334, acessível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0034666724002252.
A comunicação
social, por exemplo, a SIC Notícias,
o Diário de Aveiro e a Antena Livre, com a Lusa, fez eco da descoberta.
O fóssil em causa corresponde a uma nova espécie de fetos com 300 milhões
de anos. Batizada de Acitheca machadoi, conserva esporângios, que são órgãos
reprodutores da planta, em detalhe tridimensional e, ainda, com esporos ‘in situ’.
O feto primitivo, já extinto, foi descoberto nas formações
geológicas de Anadia, pela equipa de investigadores do CGEO da FCTUC, como anunciou
aquela Faculdade, em nota enviada à agência Lusa.
Como referiu Pedro Correia,
investigador do CGEO e primeiro autor do artigo científico, “este achado
paleobotânico corresponde a uma nova espécie do género Acitheca, um grupo
de fetos arbóreos maratileanos da já extinta família Psaroniaceae da
ordem das Marattiales, caraterizado pelos seus esporângios alongados e soros
sésseis”.
A nova espécie, batizada de Acitheca machadoi, é
dedicada a Gil Machado, o geólogo especializado em Palinologia paleozoica, que
estudou, detalhadamente, a Estratigrafia (ramo da Geologia que estuda os
estratos ou camadas de rochas) e as floras palinológicas da Bacia Carbonífera
do Buçaco (BCB), incluindo a secção estratigráfica onde o novo fóssil foi
descoberto.
Acitheca machadoi conserva esporângios, em detalhe
tridimensional e ainda com esporos ‘in situ’. “É uma preservação excecional e raramente
encontrada em adpressões (tipo de fossilização por compressão) nas quais os
fósseis vegetais do Carbónico desta região se encontram preservados”, afirmou o
paleontólogo Pedro Correia, vincando que este fóssil apresenta dos mais
pequenos esporângios documentados para o género Acitheca.
Sofia Pereira, investigadora do CGEO e coautora do
trabalho científico, acredita que é provável que o tamanho reduzido dos
esporângios corresponda a uma adaptação às condições mais secas que se
faziam sentir no Período Carbónico. “Afinal, esta é uma das adaptações mais
‘escolhidas’ pelas plantas para enfrentar condições de pouca disponibilidade de
água, permitindo-lhes conservar água, aumentar a eficiência energética e facilitar
a libertação de esporos”, sublinhou.
O
referido artigo põe em destaque:
· “Uma nova espécie do extinto género fóssil de
samambaia maratial, Acitheca, é descrita do Alto
Pensilvânia, em Portugal.”
· “A nova espécie é erigida com base em esporângios
alongados e muito pequenos, compreendendo um dos menores esporângios conhecidos
do género.”
· “Acitheca machadoi sp. nov. [species nova] mostra esporângios
excecionalmente preservados tridimensionalmente com esporos in
situ.”
· “Novos insights sobre a paleoecologia e diversidade de
espécies do género Acitheca.”
Os investigadores concluíram que, “embora, na Paleontologia, tenhamos de esperar
pelas próximas peças do puzzle, são já vários os sinais da transição de
condições húmidas para secas nas associações de plantas fósseis” da BCB, “espelhando
a mudança climática global que se iniciou na passagem do Período
Carbónico para o Período Pérmico, e que vai marcar este último período
geológico do Paleozoico”. E, com uma diversidade global
relativamente baixa – conhecem-se menos de dez espécies –, Acitheca machadoi é
o terceiro representante do género, em Portugal, sugerindo que a sua
diversidade, a nível mundial, poderá estar subestimada.
Na “Introdução” ao artigo, que, além do conteúdo essencial, descreve o
contexto e a metodologia da investigação, os investigadores explicitam que “os Marattiales são um dos grupos
de samambaias mais bem documentados que têm uma história fóssil essencialmente
contínua do Pensilvânico (Carbonífero tardio) até aos dias atuais”,
oferecendo a sua riqueza e diversidade, no registo fóssil, “oportunidades
importantes para estudar padrões evolutivos, em larga escala, em longos intervalos
geológicos”. Os Marattiales, que tiveram uma radiação global, durante os tempos
Moscoviano e Kasimoviano tardio, “são encontrados em quase todas as localidades
fósseis terrestres do Carbonífero/Permiano, em todo o Mundo”. Os membros
marattialeanos do Paleozoico viveram, principalmente, em ambientes tropicais, e
os seus fósseis compreendem uma variedade de estados de preservação que revelam
detalhes da morfologia foliar, estruturas reprodutivas, palinologia e anatomia
caulinar.
Por
sua vez, “Acitheca é um dos géneros distintos mais conhecidos de
samambaias marattialeanas paleozoicas”, tendo o nome sido erigido por Andreas Franz Wilhelm Schimper,
em 1879, que descreveu este género fóssil com base em sinângios sésseis
compostos por esporângios alongados com ápices semelhantes a cerdas (o
tipo A. polymorpha). Segundo os cientistas, “outras espécies
foram posteriormente erigidas para o género, apresentando variações no tamanho
dos esporângios e a sua forma geral, a forma e a variabilidade da pínula [folíolo, segmento ou divisão das folhas compostas],
bem como a densidade e divisão das veias”.
Em
geral, as espécies de Acitheca apresentam esporângios
alongados, geralmente dispostos em quatro por sorus (sinângio), pínulos
lingulados e venação pinada. O nome Acitheca não
foi aceite pela maioria dos paleobotânicos da época, mas acabou por se tornar
amplamente reconhecido e,
posteriormente, foi usado para espécimes de compressão (compressão-impressão)
de folhagem de pecopterídeos. Todavia, como observou Paul Corsin, em 1951, a atribuição de tais espécimes de
adpressão ao género Acitheca sem conhecimento detalhado da
sua morfologia sinangial pode ser nomenclaturalmente questionável. A maioria
das adpressões de marattialeas euramericanas da Pensilvânia, incluindo todas as
espécies de Acitheca, pertence à família Psaroniaceae.
Os
investigadores descrevem um espécime de adpressão marattialean contendo
esporângios excecional e tridimensionalmente preservados com esporos ‘in situ’
da BCB (Stephaniano superior C, Gzheliano superior), em Portugal, que representa
uma nova espécie de Acitheca, a primeira documentada para o género
na BCB, sendo a morfologia detalhada dos seus sinângios e esporângios contendo
esporos ilustrada e as suas implicações paleoecológicas discutidas.
***
Poderia
chegar aos 3,5 metros, competindo com as árvores em tamanho e, provavelmente, não
a distinguiríamos dos fetos de hoje. Vivia no Buçaco há 300 milhões de anos. A revista
Wilder falou com Sofia Pereira, já mencionada,
uma das paleontólogas de Coimbra que descreveram esta nova espécie, Acitheca
machadoi.
As folhas
destes fetos arbóreos primitivos, e já extintos, eram grandes e podiam
ramificar-se em três ou quatro pinas. Na verdade, como explicou a
investigadora, “o género Acitheca integrava o grupo
Marattiales, atualmente representado por uma única família que reúne os maiores
fetos conhecidos, e os quais mantêm caraterísticas consideradas mais primitivas
para estas plantas que nos são tão familiares”. “Talvez estejamos mais
familiarizados com fetos rasteiros ou de pequeno porte, mas, em Portugal, temos
fetos arbóreos que alcançam uma dezena de metros”, lembrou.
Questionada
sobre quão diferente seria este feto dos que existem hoje, respondeu: “Assim à
primeira vista, se víssemos só as frondes, a folhagem, provavelmente a maioria
de nós não notaria diferenças entre este feto paleozóico e os atuais. É um
grupo morfologicamente bastante estável, ainda que, por exemplo, a forma
alongada dos esporângios de Acitheca machadoi já não ocorra
nos fetos atuais.”
A história
desta nova espécie de feto começou a 9 de outubro de 2021, dia em que o fóssil
foi recolhido durante uma campanha de campo, nos depósitos de carvão de Vale da
Mó, da região de Anadia. Porém, ninguém sabia que tinha em mãos o fóssil de uma
nova espécie. Este só haveria de ser estudado mais tarde. “Os depósitos de
carvão da região do Buçaco, talvez devido à modesta extensão e à reduzida
relevância económica, mas também por uma série de infortúnios nos primórdios
dos estudos geológicos em Portugal, receberam menos atenção, ao longo do
tempo”, explicou Sofia Pereira, acrescentando que, nos últimos cinco anos,
esses depósitos de carvão, que ocorrem numa sequência de rochas, conhecida como
BCB, “têm recebido particular atenção de um grupo de investigadores do CGEO”.
Os
investigadores têm, segundo Sofia Pereira, prestado atenção ao registo de
“fósseis de plantas (e, com alguma sorte, também de animais) que viveram, na
região de Anadia e da Mealhada, há cerca de 300 milhões de anos”. Por exemplo,
este trabalho já permitiu a “descoberta de uma nova espécie de barata primitiva”,
à qual a equipa da investigadora atribuiu o nome Poroblattina
anadiensis, por o seu fóssil ter sido encontrado na região de Anadia.
Em 2021,
Miguel Correia e Marco Cavaleiro, alunos da licenciatura em Geologia, receberam
duas bolsas de iniciação à investigação do programa “Verão com Ciência”, da Fundação
para a Ciência e Tecnologia (FCT), atribuídas pelo CGEO, para a prospeção
paleontológica na BCG no verão desse ano. Pouco depois, o CGEO contratou o
investigador Pedro Correia, especialista em Paleobotânica, para estudar as
associações fossilíferas. “Com a entrada do Pedro, organizámos uma campanha, na
qual participaram também os alunos, e foi então que se recolheram vários
fósseis, entre os quais o da nova espécie”, contou Sofia Pereira.
O fóssil na
origem da descrição desta nova espécie está preservado nas coleções de Paleontologia
do Museu de Geologia Fernando Real, da Universidade de Trás-os-Montes e Alto
Douro (UTAD), em Vila Real, instituição a que pertence Artur Sá, um dos
coautores. “Com a exceção do património paleontológico imóvel (por exemplo,
trilhos de pegadas de dinossauros), regra geral, todo o material paleontológico
publicado deve estar depositado num repositório científico de acesso aberto”,
explicou a investigadora.
Segundo Sofia
Pereira, esta descoberta fornece novos conhecimentos sobre a Paleoecologia e sobre
a diversidade de espécies deste género de fetos ajudando “a reconstituir a
flora da região, há 300 milhões de anos, e a compreender as condições
ambientais que ali prevaleciam”.
O fóssil
descoberto estava preservado o suficiente para permitir saber várias coisas.
“Apesar dos 300 milhões de anos que nos separam e das deformações sofridas
pelas rochas que a guardaram, a fronde fértil encontrada
conserva esporângios com impressionante detalhe tridimensional e
ainda com esporos in situ”, salientou Sofia Pereira, sustentando
que esta espécie apresenta dos mais pequenos esporângios documentados para o
género Acitheca, o que seria uma prova do começo da transição de
condições húmidas para secas, nas associações de plantas fósseis da BCB.
Questionada se o tamanho reduzido dos esporângios será adaptação às condições
mais secas que se faziam sentir, reponde que talvez seja assim, pois, “esta é
uma das adaptações mais ‘escolhidas’ pelas plantas para enfrentar condições de
pouca disponibilidade de água, permitindo-lhes conservar água, aumentar a
eficiência energética e facilitar a libertação de esporos”. Com efeito, são vários
os sinais da transição de condições húmidas para secas nas associações de
plantas fósseis da BCB que poderiam espelhar a mudança climática global que se
iniciou na passagem do Período Carbónico para o Período Pérmico e que marcou
este último período do Paleozoico.
Em menos de
10 espécies conhecidas, Acitheca machadoi é o terceiro
representante do género, em Portugal, o que leva crer que a sua diversidade estará
subestimada, de acordo com Sofia Pereira, que diz ter-se extinguidoo
género Acitheca há cerca de 299 milhões de anos. Quanto à Acitheca
machadoi, apenas se conhece o espécime encontrado em Vale da Mó. “A planta
cuja fronde fossilizou e hoje encontrámos, apenas podemos dizer que terá
morrido quando a unidade rochosa onde fossilizou se depositou, há uns 300
milhões de anos. Nada mais sabemos para já daquela espécie em concreto”, disse,
advertindo: “Temos de ter a noção [de] que a extinção é um fenómeno natural. A
maioria dos grupos biológicos que existiram já se extinguiram. Faz parte da
dinâmica: grupos biológicos surgem, grupos biológicos desaparecem. Claro que
ocorrem fenómenos que podem potenciar/originar essa extinção, mas avançar para
o motivo concreto de um género de fetos em particular, seria apenas
especulativo.”
Todavia, no
Pérmico, período subsequente ao Carbónico, o clima tornou-se cada vez mais
quente e seco e isso favoreceu uns grupos e outros nem tanto. “A família à qual
este género pertencia, Psaroniaceae, sobreviveu à maior extinção conhecida no
registo geológico (final do Pérmico) e resistiu, pelo menos, até ao Cretácico
Inferior. As espécies vivas de Marattiales representam uma componente muito
pequena da diversidade total do grupo, são muitas mais as espécies de
Marattiales que se extinguiram do que as que existem, mas a redução dramática
do grupo deu-se no final do Mesozoico e as razões ainda não foram explicadas”,
concluiu a investigadora.
Assim, a Ciência avança,
permitindo um melhor conhecimento da Natureza e dos tesouros que o território
encerra.
2025.01.12 – Louro de Carvalho
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