segunda-feira, 6 de janeiro de 2025

O Menino Jesus saiu do presépio para uma casa

 

O nascimento de Jesus num abrigo de animais e a sua deposição no respetivo presépio foi um portentoso acontecimento da humildade divina, tendo o menino envolto em panos e recostado na manjedoura sido o sinal da condescendência divina (synkatábasis) e assim apresentado aos pastores e cantado pelos anjos.

Contudo, depois desta passagem pelo “hospital” improvisado, Jesus passa a ter uma vida normal, ainda que atribulada. E os magos, na versão evangélica de Mateus, entraram na “casa” onde Ele estava com a Mãe e, prostrados adoraram-No e ofereceram-Lhe presentes, constituindo este o primeiro momento da Epifania do Senhor (a primeira epifania enquanto criança). Com efeito, epifania é a revelação do Messias a todas as pessoas de todos os povos, sem esquecer as pessoas mais próximas.

Assim, não é epifania apenas a adoração dos magos, mas também o batismo de Jesus no Jordão e a mudança da água em vinho nas Bodas de Caná da Galileia, aliás como toda a vida de Jesus, a culminar na cruz. Só não sentiu a epifania de Deus quem não quis. Assim, o Menino passou no presépio, mas não ficou lá: havia muito que andar no múnus da encarnação em ordem à redenção.  

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“Epifania” provém do termo grego “epipháneia” (do adjetivo “epiphanês”, “visível”, derivado do verbo “epiphaínomai”, aparecer”) e é o sentimento que exprime súbita sensação de entendimento ou de compreensão da essência de algo. Também significa a realização de um sonho difícil de concretizar. O termo é usado nos sentidos filosófico e literal, para indicar que alguém encontrou a última peça de um quebra-cabeças e passou a ver a imagem. O termo é aplicado quando surge um pensamento inspirado e iluminante, que parece ser divino em natureza. É este o uso em língua inglesa, principalmente, como na expressão “I just had an epiphany”, o que revela que ocorreu um pensamento, naquele instante, que foi considerado único e inspirador, de uma natureza quase sobrenatural.

Também pode significar aparição ou manifestação de algo, normalmente conexo com o contexto espiritual e divino. E, a nível filosófico, significa a sensação profunda de realização, no sentido de compreender a essência das coisas, tendo significado similar ao termo inglês “insight”.    

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A liturgia da solenidade celebra a manifestação de Jesus a todas as pessoas. O Menino do presépio é a luz que se acende na noite do Mundo e atrai a si todos os povos da Terra. A luz encarnou na História e no Mundo, iluminou os caminhos humanos e guiou-nos ao encontro da salvação.

primeira leitura (Is 60,1-6) proclama a Jerusalém a chegada da luz salvadora que transfigurará o seu rosto, iluminará o regresso a casa dos exilados na Babilónia e atrairá à cidade de Deus povos de toda a Terra.

Os capítulos 56-66 do Livro de Isaías contêm uma série de profecias cuja proveniência não é consensual. Para alguns, são textos de profeta anónimo, pós-exílico, que exerceu o ministério em Jerusalém, após o regresso dos exilados da Babilónia, nos anos 537/520 a.C.; para a maioria, são textos provindos de diversos autores pós-exílicos, redigidos ao longo de um arco de tempo relativamente longo (entre os séculos VI e V a.C.).

Situam-nos em Jerusalém, cidade que os Babilónios deixaram em ruínas, em 586 a.C., e que estava a reerguer-se. As marcas do passado notam-se nas pedras calcinadas; os filhos e filhas de Jerusalém que regressaram do exílio são ainda em número reduzido; a pobreza geral obriga à lentidão e à modéstia da reconstrução; os inimigos estão à espreita e a população está desanimada. Porém, sonha-se com o dia em que Deus voltará à sua cidade para trazer a salvação definitiva. Então, Jerusalém voltará a ser a cidade bela e harmoniosa, o Templo será reconstruído e Deus habitará para sempre no meio do seu Povo.

O trecho em causa é a glorificação de Jerusalém, a cidade da luz, a “cidade dos dois sóis”, o sol nascente e o sol poente: a cidade é iluminada do nascer ao pôr-do-sol.

Jerusalém está imersa na escuridão da noite. Todavia, de repente, brada a sentinela a anunciar a aurora. O sol aparece, do Oriente, atrás das montanhas, e ilumina as pedras brancas do casario. A cidade está em reconstrução, mas parece transfigurada pela luz matutina. É como se tivesse tirado os vestidos negros de viúva e se vestisse de branco, qual noiva preparada para acolher o amado.

O profeta-poeta, ao contemplar esta transformação, sente-se inspirado e sonha com a Jerusalém nova, iluminada pela luz salvadora de Deus. Quando a luz de Deus se levantar sobre Jerusalém e a iluminar novamente, a cidade que parecia triste viúva, sem marido (porque Deus já não morava no Templo, destruído e queimado) e abandonada pelos filhos (exilados na Babilónia), vestir-se-á de alegria, como a jovem resplandecente no vestido de noiva e adornada com belíssimas joias. Os filhos, exilados em terra estrangeira, regressarão em triunfo, “trazidos nos braços”, devolvendo a alegria e a vida à cidade. Mais: a luz salvadora de Deus que brilha sobre Jerusalém atrairá homens e mulheres de todas as raças e nações, que confluirão para Jerusalém, inundando-a de riquezas, sobretudo, o incenso, para o serviço do Templo, e cantando o louvor de Deus.

Esta profecia acende a esperança nos corações cansados e abatidos. Todos ficarão à espera do dia superfestivo em que brilhar essa luz salvadora e transformadora, o que, segundo Mateus, aconteceu, com a vinda de Jesus.

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No Evangelho (Mt 2,1-12) concretiza-se a profecia de Isaías: ao encontro de Jesus vêm uns magos do Oriente, que representam todos os povos da terra. Atentos aos sinais da chegada do Messias, procuram-No com esperança até O encontrarem, reconhecem n’Ele a salvação de Deus e aceitam-No como “o Senhor”. A salvação rejeitada pelos habitantes de Jerusalém torna-se dom que Deus oferece a todos os homens, sem exceção.

É um episódio de rara beleza, que se tornou popular entre os cristãos. Ao longo dos séculos, a piedade popular embelezou-o com acrescentos que, na sua maior parte, não encontram eco no texto mateano. E os biblistas sustentam que o relato encaixa na categoria do midrash haggádico, um método de leitura e de exploração do texto bíblico muito utilizado pelos rabis de Israel, que recorria a histórias fantasiosas para ilustrar um ensinamento. Na verdade, Mateus pretende apresentar Jesus como o enviado de Deus Pai, que vem oferecer a salvação de Deus aos homens de toda a Terra.

Na base da inspiração mateana estará a crença generalizada, na região do Crescente Fértil, de que cada criança tinha a sua estrela (melhor, o seu astro) e de que uma nova estrela anunciava um acontecimento que mudaria a História. Provavelmente, Mateus também se terá inspirado num texto do Livro dos Números, em que Balaão, “o homem de olhar penetrante” (Nm 24,15), anuncia “uma estrela que sai de Jacob e um cetro flamejante que surge do seio de Israel” (Nm 24,27), anúncio que teve sempre claro sabor messiânico. Além disso, há referência ao rei que governava a Palestina, então: Herodes, o Grande, falecido no ano 4 a.C., cerca de dois anos após o nascimento de Jesus. Embora se tenha distinguido pelas grandes obras que levou a cabo, foi cruel e despótico, sempre pronto a matar para defender o seu trono.

A análise dos pormenores do relato confirma que a preocupação catequética de Mateus.

Antes de mais, nota-se a insistência no facto de Jesus ter nascido em Belém de Judá. É de recordar que Belém era a terra natal do rei David e que era a Belém que estava ligada a família de David. Afirmar que Jesus nasceu em Belém é ligá-Lo aos anúncios proféticos que falavam do Messias como o descendente de David que havia de nascer em Belém e restaurar o reino ideal de seu pai.

Em segundo lugar, temos a referência à estrela que apareceu no céu e que guiou os magos para Belém. A interpretação histórica dessa referência levou a complexos cálculos astronómicos para concluir que, no ano 6 a.C., uma conjunção de planetas explicaria o fenómeno luminoso da estrela mencionada por Mateus. Por outro lado, andou-se à procura de um cometa que, por esta época, devia ter sulcado os céus do antigo Médio Oriente. Debalde se procura nos céus a estrela ou o cometa em causa, pois Mateus não está focado na historicidade dos factos, mas em garantir que o Menino de Belém é a “estrela de Jacob” de que falava o anúncio profético de Balaão e que se concretiza, com o seu nascimento, a chegada da luz salvadora de que falava Isaías, que vai brilhar sobre Jerusalém e atrair à cidade santa povos de toda a terra.

Há, ainda, as figuras dos magos. “Mágos”, termo de origem persa, abarca vasto leque de significados e é aplicado a personalidades diversas: mágicos, feiticeiros, charlatães, sacerdotes persas, propagandistas religiosos… Aqui, pode designar astrólogos mesopotâmios, em contacto com o messianismo judaico. Seja como for, os magos, em Mateus, representam os povos que se põem a caminho de Jerusalém com as suas riquezas para encontrarem a luz salvadora de Deus que brilha sobre a cidade santa. Jesus é, segundo Mateus e a Igreja primitiva, essa luz.

Além de catequese sobre Jesus, o relato recolhe, de forma paradigmática, duas atitudes que se repetem ao longo do Evangelho: Israel rejeita Jesus, enquanto os magos do Oriente (pagãos) O adoram; Herodes e Jerusalém ficam perturbados, ante a notícia do nascimento do menino e planeiam a sua morte, quando os pagãos sentem grande alegria e reconhecem em Jesus o salvador.

Mateus anuncia, desde logo, que Jesus será rejeitado pelo seu Povo, mas será acolhido pelos pagãos, que integrarão o novo Povo de Deus. O itinerário dos magos reflete a caminhada dos pagãos ao encontro de Jesus: estão atentos aos sinais; percebem que Jesus é a luz que traz a salvação; põem-se, decididamente, a caminho, para O encontrarem; perguntam aos Judeus – que conhecem as Escrituras – o que fazer; encontram Jesus; e adoram-No como o Senhor. É possível que muitos pagano-cristãos da comunidade de Mateus descobrissem, no relato, as etapas da sua caminhada em direção a Jesus.

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segunda leitura (Ef 3,2-3a.5-6) apresenta o desígnio salvador de Deus para toda a Humanidade.

A Carta aos Efésios é uma carta de cativeiro, escrita por Paulo na prisão. Os que aceitam a sua autoria paulina discutem qual o lugar onde Paulo está preso, então, mas a maioria liga a carta ao cativeiro de Paulo, em Roma, entre 61 e 63. De qual quer modo, é a apresentação sólida de uma catequese bem elaborada e amadurecida. A carta, talvez uma carta circular enviada a várias comunidades cristãs da parte ocidental da Ásia Menor, é uma síntese do pensamento paulino.

O tema mais importante é o que o autor denomina de “o mistério”: o plano de Deus, definido e elaborado desde sempre, oculto durante séculos, revelado e concretizado plenamente em Jesus, comunicado aos apóstolos e, nos últimos tempos, tornado presente no Mundo pela Igreja.

Na parte dogmática (cf Ef 1,3-3,19), Paulo apresenta a catequese sobre “o mistério”: depois de um hino que celebra a ação do Pai, do Filho e do Espírito Santo na obra da salvação, fala da soberania de Cristo sobre os poderes angélicos e do seu papel como cabeça da Igreja; depois, reflete sobre a situação universal do homem, mergulhado no pecado, e afirma a iniciativa salvadora e gratuita de Deus em favor do homem; expõe, ainda, como Cristo – realizando “o mistério” – levou a cabo a reconciliação de judeus e pagãos num só corpo, a Igreja. E Paulo apresenta-se como testemunha do “mistério” diante dos judeus e diante dos pagãos.

Também a Paulo, apóstolo como os Doze, foi revelado “o mistério”. E Paulo desvela-o aos crentes da Ásia Menor. O apóstolo insiste que, em Cristo, chegou a salvação definitiva para os homens; e a salvação não se destina só aos Judeus, mas destina-se a todos os povos da Terra, sem exceção. Paulo é, por vocação divina, o pregoeiro desta novidade. Assim se percebe porque é que Paulo se fez o grande arauto da “boa nova” de Jesus, entre os pagãos.

Agora, judeus e gentios são membros de um mesmo e único corpo, o “corpo de Cristo”, a Igreja, que partilham o mesmo projeto salvador que os faz, em igualdade de circunstâncias com os judeus, “filhos de Deus”; e todos participam da promessa feita por Deus a Abraão, promessa cuja realização Cristo concretizou.

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Por tudo isto, em torno do refrão “Virão adorar-Vos, Senhor, todos os povos da Terra, é de cantar como o Salmista:

“Ó Deus, concedei ao rei o poder de julgar e a vossa justiça ao filho do rei.
Ele governará o vosso povo com justiça e os vossos pobres com equidade.

Florescerá a justiça nos seus dias e uma grande paz até ao fim dos tempos.
Ele dominará de um ao outro mar, do grande rio até aos confins da terra.

Os reis de Társis e das ilhas virão com presentes, os reis da Arábia e de Sabá trarão suas ofertas.
Prostrar-se-ão diante dele todos os reis, todos os povos o hão de servir.

Socorrerá o pobre que pede auxílio e o miserável que não tem amparo.
Terá compaixão dos fracos e dos pobres e defenderá a vida dos oprimidos.”

E, em “Aleluia”, como os magos, proclamemos:

“Vimos a sua estrela no Oriente e viemos adorar o Senhor.”

2025.01.05 – Louro de Carvalho

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