A Igreja Católica
celebrou, a 10 de janeiro, a memória litúrgica do Beato Gregório X, eleito como
184.º Papa, sem ser padre e sem estar presente na sessão eleitoral, pois servia
junto dos cruzados. São Boaventura influenciou a eleição excecional
(normalmente, é eleito um cardeal ou, ao menos, um bispo) com uma frase famosa
que mudou a História da Igreja, como se verá.
O
livro Vidas dos Santos, do padre historiador Alban Butler, refere
que Gregório X, cujo nome civil e de batismo é Teobaldo Visconti (1210-1276),
era natural de Piacenza, na Itália. Tornou-se arquidiácono em Liège, na Bélgica,
cargo eclesial com funções na administração diocesana.
Mais tarde,
por ordem do Papa Clemente IV, partiu como pregador para 9.ª Cruzada pela Terra
Santa e, segundo a diocese de Arezzo, na Itália, que preserva as suas relíquias,
serviu na Palestina “como capelão dos Cruzados”. Estava em São João de Acre, na
Terra Santa, com o futuro rei Edward I da Inglaterra, em 1270, em viagem pela
Palestina, quando foi notificado da sua eleição como o 184.º Papa pelos
cardeais, em 1271, em Viterbo, nos Estados Papais.
Clemente IV
morreu e a Igreja mergulhou numa grave crise, porque os cardeais, divididos
entre pró-alemães e pró-franceses, não chegavam a acordo sobre a escolha do
sucessor. Após quase três anos sem Papa, os cardeais criaram uma comissão de
seis cardeais que designaria o novo Papa.
A diocese de
Arezzo diz que o franciscano São Boaventura, Doutor da Igreja, resolveu a
disputa, aconselhando: “Façamos Papa alguém que não seja cardeal.” Assim, a
comissão elegeu Teobaldo Visconti, que havia sido secretário de cardeais e
hábil diplomata. E os delegados partiram, de imediato, para a Terra Santa, a
notificar Visconti e a pedir-lhe que fosse a Roma. Ao chegar à Cidade Eterna,
em março de 1272, foi ordenado sacerdote; depois, bispo; e, por fim, coroado Papa,
assumindo o nome de Gregório X.
Assim, sucedeu
ao Papa Clemente IV, após três anos de Sede Vacante, devido às divisões entre os cardeais, sendo o maior
período de vacância registrado em toda a História da Igreja. Os cardeais
franceses e italianos, divididos, teimavam em querer um Papa dos seus países,
mercê da situação política com Carlos de Anjou. O “beco sem saída” foi
quebrado, quando os cidadãos de Viterbo removeram o telhado do edifício
onde os cardeais estavam reunidos e os trancaram lá dentro, permitindo-lhes comer
apenas pão e água. Três dias mais tarde, Gregório X foi eleito. Desde então, os
cardeais escolheram sempre o Papa em conclave (“cum” + “clavis”), com fechamento
à chave. E Gregório X foi considerado uma escolha surpreendente, mas forte,
porque, embora fosse italiano, tendo passado parte da sua vida no Norte
dos Alpes, não estava envolvido em controvérsias políticas italianas
recentes.
Ajudou os
irmãos Nicollo e Mateo Polo, tio e pai de Marco Polo, quando voltavam
da China, governada por Kublai Khan, à sua pátria, a cidade de Veneza.
É lembrado por ter convocado um Concílio Ecuménico para Lyon, na França, para
unir os cristãos do Oriente e do Ocidente e para libertar a Terra Santa, sendo assim
restabelecida a comunhão entre as igrejas bizantina e romana. Gregório X terá chorado,
quando foi cantado o Te Deum a marcar a reunificação.
Participaram no concílio Santo Alberto Magno e São Filipe Benizi. São Tomás de
Aquino morreu, enquanto viajava para o evento, e são Boaventura morreu durante
o concílio.
Contudo, a união
entre as Igrejas do Ocidente e do Oriente não durou muito. A diocese de Arezzo
diz que o Beato Gregório queria participar, pessoalmente, numa cruzada para a
Terra Santa, mas morreu, a 10 de janeiro de 1276, em Arezzo. Foi beatificado em
1713.
Por causa do
atraso excessivo dos cardeais na eleição de Gregório X, a Enciclopédia Católica (EC)
refere que o beato “decidiu que os cardeais não poderiam abandonar o conclave,
enquanto o Papa não fosse eleito”. “É a primeira ocasião em que encontramos o
termo ‘conclave’ em relação às eleições papais”, sublinha a EC.
Como Sumo Pontífice, reformou a assembleia de cardeais
através da bula “Ubi periculum” (“Quando houver perigo”), em 1274, subsequentemente
incorporada no Código de Direito Canónico,
para regular os conclaves para a eleição papal, e também promulgou a bula “De
Regno Portugaliae”, em 1276, pela qual excomungava o Reino de Portugal e o rei português D.
Afonso III, o Bolonhês, devido a desentendimentos entre o reino e a Igreja.
O seu primeiro ato foi um concílio, em 1272, que teve
lugar em Lyon, em 1274, para debater o Cisma da Páscoa, a condição da Terra
Santa e os abusos da Igreja Católica.
Foi na “Ubi
periculum” que apareceu, pela primeira vez, o termo “conclave”, que significa “com
chave” e que, na jurisprudência eclesiástica, indica o local onde se reúnem os
cardeais, depois da morte ou da renúncia do Papa, para se ocuparem unicamente
da eleição do sucessor, e também indica a assembleia dos cardeais reunidos para
a eleição.
***
O 2.º Concílio
de Lyon foi o 14.º concílio ecuménico da Igreja Católica Romana,
convocado a 31 de março de 1272 e reunido em Lyon, em 1274. O Papa presidiu
aos trabalhos, instado pela promessa, do imperador bizantino Miguel VIII Paleólogo, de
reunir a Igreja Ortodoxa.
O concílio
teve a presença de 500 bispos, 60 abades e mais de mil prelados ou
seus procuradores, entre os quais representantes das universidades. Pelo grande
número de presentes, aos que chegaram à Lyon sem terem sido especificamente
convidados foi permitido partirem “com
a bênção de Deus” e do Papa. Entre os presentes, conta-se Jaime
I de Aragão, o embaixador do imperador Miguel VIII com membros da Igreja grega
e embaixadores de Abaca, do Ilcanato. São Tomás de
Aquino foi convocado, mas morreu a caminho, em Frosinone. São Boaventura
participou nas primeiras quatro sessões, mas faleceu em Lyon, a
15 de julho.
Além de Aragão,
representando na pessoa de Jaime I, estavam presentes embaixadores de reis da
Alemanha, da Inglaterra, da Escócia, da França, os reinos espanhóis e
a Sicília, além de procuradores dos reinos da Noruega, da Suécia, da
Hungria, da Boémia, o “reino da Dácia” e o Ducado da Polónia. A representação
siciliana foi enviada por Carlos de
Anjou,
que o Papado colocou no trono da Sicília, em 1266, em detrimento de
alegações aragonesas. A revolta em suporte à alegação de Aragão, a “Vésperas
Sicilianas”, ocorreria a 30 de março de 1282.
As nações
apareceram, pela primeira vez, como elementos representados num concílio
eclesiástico, como já acontecera na governança das universidades medievais. A
inovação marcou um passo importante na direção do reconhecimento de ideias
coerentes de nacionalidade, então nascentes nos estados-nação da Europa.
Os
principais tópicos discutidos no concílio foram a conquista da Terra Santa e
a reunião das Igrejas Oriental e Ocidental. A primeira sessão ocorreu a 7 de
maio de 1274 e foi seguida de cinco outras (a 18 de maio, a 4 ou 7 de junho, a 6,
a 16 e a 17 de julho). Nos finais do concílio, foram promulgadas 31
constituições. Na segunda sessão, foi aprovado o decreto “Zelus fidei”,
que não continha nenhum estatuto jurídico, mas listou as constituições sobre os
perigos da Terra Santa; a forma de pagar uma cruzada, como proposta; a excomunhão de
piratas e de corsários e dos que lhes davam guarida ou se davam ao
comércio com eles; a declaração de paz entre os cristãos; uma indulgência aos
que fossem para a cruzada; a intenção de lidar com os cismáticos gregos e
a definição da ordem e dos procedimentos a observar no concílio. Os gregos
cederam no assunto do “Filioque” e foi proclamada a união. A paz durou
pouco e a união foi repudiada por Andrónico II Paleólogo, sucessor de
Miguel VIII. E o concílio reconheceu Rodolfo I como imperador do Sacro Império Romano-Germânico,
acabando assim o Interregnum.
Há uma
diferença no Credo entre ortodoxos e católicos: os ortodoxos rezam que o Espírito
Santo “procede do Pai pelo Filho” (per Filium), ao passo que os católicos
professam que “procede do Pai e do Filho” (Filioque). A diferença é minúscula, havendo
suporte bíblico para as duas versões, mas divide fortemente os cristãos.
O concílio debateu os aspetos financeiros de uma cruzada e
decidiu-se que, durante seis anos, deveria ser beneficiada pelo dízimo sobre
todos os proventos da Cristandade. Jaime de Aragão desejava organizar a
expedição de uma vez, mas foi contestado pelos Templários e não houve
consenso. Embaixadores dos Cátaros negociaram com o Papa, que pretendia
que deixassem os cristãos em paz, durante a guerra contra o Islão.
Para terminar o Grande Cisma do Oriente, que dividiu
a Igreja em Ortodoxa e Católica, Gregório X enviou uma embaixada a Miguel
VIII Paleólogo, que reconquistara Constantinopla, a eliminar os últimos
resquícios do Império Latino no Oriente, e pediu aos déspotas latinos
que refreassem as ambições. Os dignitários orientais chegaram a Lyon, a 24 de
junho, mostrando uma carta do imperador. A 29 de junho (dia dos apóstolos São
Pedro e São Paulo, patronos dos Papas), Gregório celebrou missa na Igreja
de São João, em que participaram ambos os lados. Os gregos leram o Credo
de Niceia, com a versão ocidental do “Filioque” cantada por três vezes. O
concílio foi um sucesso, mas não proveu duradoura solução para o cisma. O
imperador estava ansioso para resolver a questão, mas os clérigos orientais
mostraram-se demasiado obstinados. O Patriarca de Constantinopla José I
Galesiotes (1267-1275) abdicou e foi substituído pelo Patriarca João XI
Bekkos (1275-1282), um convertido da causa unionista. A despeito de campanha
sustentada de Bekkos para, intelectualmente, defender a união, e da vigorosa e
brutal repressão da oposição realizada por Miguel, a vasta maioria dos cristãos
bizantinos permaneceu contra a união com os “heréticos latinos”. A morte
de Miguel, em dezembro de 1282, terminou com a união de Lyon. O filho e
sucessor, Andrónico II Paleólogo, repudiou a
união e João I Bekkos teve de abdicar, sendo exilado e aprisionado até à morte,
em 1297. E é conhecido por muitos como traidor da Ortodoxia.
Abaca,
líder mongol enviou uma delegação de 13 a 16 mongóis ao concílio, o que provocou grande agitação,
particularmente, quando o líder deles se submeteu a batismo público. Entre os
embaixadores estavam David de Ashby e o clérigo Ricaldo. De acordo com um
cronista, “os mongóis vieram, não
por fé, mas para fechar uma aliança com os cristãos”.
Ricaldo, secretário latino de Abaca, entregou um relatório ao
concílio, que detalhou a relação dos Europeus com o Ilcanato, sob o
governo do pai de Abaca, Hulagu, contando que, após ter recebido
embaixadores cristãos na sua corte, concordou em os isentar de impostos e de taxas,
em troca de orações pelo Grão-Cã. Hulagu proibiu que se molestassem os
estabelecimentos francos e prometeu restituir-lhes Jerusalém. E
Ricaldo afirmou à assembleia que, mesmo após a morte de Hulagu, Abaca estava
determinado a expulsar os Mamelucos da Síria.
No concílio,
o Papa Gregório promulgou uma nova Cruzada, a iniciar em 1278 e relacionada com
os mongóis. O Papa colocou em ação o plano da Cruzada: imposição de
um imposto durante três anos, interdição de qualquer tipo de comércio com
os Sarracenos, oferta de navios pelas repúblicas marítimas italianas, além
da aliança do Ocidente com o Império Bizantino e com Abaca. Porém, apesar
dos planos papais, houve pouco apoio dos monarcas europeus que, nesta época, estavam
mais propensos a elogiar a ideia de cruzada ao invés de alocar tropas para ela.
A morte do Papa, em 1276, encerrou a ideia, sendo o dinheiro arrecadado
distribuído na Itália.
O concílio lidou com a reforma da Igreja, tema que o Papa
tinha inquirido antes. Diversos bispos e abades foram depostos, por não serem
dignos, e foram suprimidas algumas ordens mendicantes, mas foram aprovadas,
duas novas ordens: a dos dominicanos e a dos franciscanos.
Por fim, o
concílio debateu a causa do trono imperial, que Afonso X de Castela reclamava, dirimiu
o pleito e, a 6 de junho, Rodolfo I foi proclamado rei dos Romanos e futuro
imperador.
Houve muitos
períodos longos de “Sede Vacante” na Santa Sé, sendo o mais recente o
que ocorreu após a morte de Clemente IV, a 29 novembro de 1268, até à
eleição de Gregório, a 1 de setembro de 1271. O concílio decidiu que, no
futuro, os cardeais não sairiam do conclave até elegerem o
Papa – decisão suspensa, em 1276, por Adriano V e revogada por João XXI.
É uma
singular mistura entre os poderes temporais e a missão da Igreja!
2025.01.11 – Louro de carvalho
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