sábado, 11 de janeiro de 2025

Há países, na Europa, em que o ar é o agente mais mortífero

 

 

De acordo com Gabriela Galvin, em artigo publicado na Euronews, a 11 de janeiro, “a poluição atmosférica é uma ameaça mortal para a saúde pública”, tendo as partículas finas (PM) contribuído para “cerca de 239 mil mortes, na Europa”. Todavia, algumas regiões do continente sentiram este peso mais intensamente do que outras.

A poluição atmosférica está associada ao cancro do pulmão, a doenças cardíacas e respiratórias, a acidentes vasculares cerebrais, a maus resultados de parto e a muitas mais situações. É, em especial, perigosa para as pessoas mais velhas, causando cerca de 4% de todas as mortes entre adultos com 65 anos ou mais.

Em 2021, a Organização Mundial de Saúde (OMS) atualizou as suas diretrizes sobre a qualidade do ar, reduzindo o limiar recomendado para as concentrações anuais de dióxido de azoto ou nitrogénio (NO2) e de partículas finas (PM2,5), tais como poeiras, fumo e fuligem dos gases de escape. Com efeito, segundo a Agência Europeia do Ambiente (AEA), no total, a exposição a PM2,5 causou cerca de 239 mil mortes prematuras, na Europa, em 2022, enquanto outras 48 mil pessoas morreram, mercê da exposição ao dióxido de azoto ou nitrogénio (NO2).

O NO2 (gás tóxico de cor acastanhada) resulta da queima de combustíveis em unidades industriais e da combustão, a altas temperaturas, nos motores dos veículos automóveis. Mais de 40% das emissões de óxidos de azoto (NOx) provêm do transporte rodoviário, significando que os níveis são mais altos perto de estradas movimentadas e em grandes áreas urbanas.

A interação dos óxidos de azoto (NOx) e do dióxido de azoto (NO2) com a água (H2O), oxigénio (O2) e outros poluentes existentes na atmosfera, leva ao surgimento das chuvas ácidas, que provocam o aumento do pH nos solos e nas águas, levando à morte da fauna e da flora. E o NO2 também reage com hidrocarbonetos (CxHy) na presença de luz solar, para criar ozono (O3), e contribui para a formação de partículas.

Disto resulta a inibição de algumas funções dos pulmões, tais como a resposta imunológica, diminuindo a resistência às infeções; a suscetibilidade a doenças respiratórias, principalmente, em crianças, e no aumento da de ataques de asma; e concentrações pontuais superiores a 200 µg/m3 (micrómetros, por metro cúbico), que provocam inflamação das vias respiratórias. 

Neste mês, entraram em vigor regras mais restritivas em matéria de qualidade do ar, para conseguir aproximar a União Europeia (UE) das normas da OMS, até 2030, e para obrigar os estados-membros a monitorizar poluentes, como as PM, o carbono negro e o amoníaco.

O plano é “uma das maiores intervenções de saúde pública de uma geração”, disse Mark Nieuwenhuijsen, diretor da iniciativa de Planeamento Urbano, Ambiente e Saúde do Instituto de Saúde Global de Barcelona, à Euronews Health.

Atualmente, todos os países da UE registam níveis de NO2, acima dos níveis recomendados pela OMS, mas alguns são mais afetados pela poluição atmosférica do que outros.

De acordo com um relatório recente da Comissão Europeia e da Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Económicos (OCDE), a Europa Central e Oriental registam as taxas de mortalidade mais elevadas relacionadas com as PM2,5. “A maior divisão que vemos na Europa é entre o Leste e o Oeste, o está relacionado com o produto interno bruto [PIB] e [com] os antecedentes socioeconómicos das duas regiões”, disse, à Euronews Health, Zorana Jovanovic Andersen, professora de Epidemiologia Ambiental na Universidade de Copenhaga e membro do Comité de Ambiente e Saúde da Sociedade Europeia de Pneumologia.

A investigação de Nieuwenhuijsen, ao nível das cidades, foca os diferentes desafios que as várias partes da Europa enfrentam. O Norte de Itália, a Polónia e a Chéquia registaram taxas elevadas de mortalidade por PM2,5, que é causada, principalmente, por fontes residenciais, como a queima de carvão, para aquecer as casas, e o setor agrícola. Entretanto, a mortalidade por NO2 – que se deve, principalmente, ao tráfego automóvel e ao setor industrial – foi mais elevada nas grandes cidades e capitais da Europa Ocidental e do Sul. E alguns países estão a tomar medidas para reduzir os seus níveis de poluição, como a Dinamarca, que poderá vir a ser o primeiro país do Mundo a impor um imposto sobre as emissões de carbono na pecuária, em 2030.

Por seu turno, a diretiva atualizada da UE, dá aos cidadãos com problemas de saúde associados à poluição o direito de levar a tribunal o seu governo, se este não cumprir as regras de qualidade do ar da UE. No entanto, o relatório da OCDE e da Comissão Europeia afirma que, embora a UE esteja no bom caminho, para reduzir em 55% o número de mortes associadas às PM2,5, até 2030, fatores de risco ambiental, como a poluição atmosférica e as alterações climáticas, são “ameaças crescentes para a saúde pública”. Efetivamente, como sustentam Nieuwenhuijsen e Andersen, os cientistas, saberem, hoje, mais sobre os impactos da poluição atmosférica na saúde e esta parece representar um risco para as pessoas a níveis mais baixos do que o anteriormente reconhecido.

“Mesmo que se reduzam, consideravelmente, os níveis de poluição atmosférica, é possível que nem sempre se reduzam tanto os impactos na saúde”, afirmou Nieuwenhuijsen.

A poluição atmosférica pode ser a principal ameaça ambiental para a saúde que a Europa enfrenta, tendendo a sobrepor-se a outros fatores, como a falta de espaços verdes, a poluição sonora e o calor extremo, todos eles com impacto na saúde humana. E, tendo em conta que alguns destes desafios são mais difíceis de resolver – como as alterações climáticas –, Andersen sustenta que há mais argumentos para limitar a poluição atmosférica em nome da proteção da saúde. “Reduzimos a poluição atmosférica, sabemos como fazê-lo e muitos países estão a liderar”, vincou, acrescentando: “Há novos desafios a surgir. Por isso, precisamos de regular a poluição atmosférica, o velho problema.”

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A poluição do ar é, ainda, uma das principais causas de várias doenças, incluindo asma, cancro de pulmão, derrames cerebrais e diabetes. A produção de energia, a agricultura e a indústria são as atividades que mais contribuem para a poluição do ar, embora, em áreas urbanas, o tráfego seja importante fonte poluidora. Para melhorar a situação, a UE reviu a Diretiva para a Qualidade do Ar-Ambiente com limites mais rigorosos, para se aplicar a partir de 2030, que obteve o acordo dos 27 estados-membros, em dezembro. Por exemplo, as partículas microscópicas de PM2,5 devem diminuir de 25 para 10 µg/m3; e, no caso do NO2, terão de baixar de 40 para 20 µg/m3.

A Comissão Europeia reconhece que a poluição do ar afeta, sobretudo, as pessoas vulneráveis, nomeadamente, as crianças, os idosos, os doentes crónicos e os mais pobres. A Euronews ouviu as preocupações de cidadãos em Atenas, na Grécia, e em Roma, na Itália, duas cidades com sérios problemas de qualidade do ar. Um jovem grego diz que “o ar, em Atenas, é muito mau, porque há muitos carros”. E uma jovem italiana apela ao compromisso e à consciencialização de todos os cidadãos, “com campanhas nas ruas, sobre como a situação atual é grave”, pois “estamos, praticamente, num ponto sem retorno”.

A boa notícia para os cidadãos é que a diretiva reforça o acesso à justiça. Nestes termos, se a saúde de alguém for prejudicada, porque o governo ou a empresa não atuou contra a poluição do ar, a pessoa tem direito a iniciar processo em tribunal para obter uma compensação financeira.

Há anos que os governos da UE se atrasam no cumprimento dos regulamentos e mais de metade dos 27 países já foram processados por violações dos padrões sobre emissões poluentes.

Face aos limites na diretiva revista, os governos exigiram a cláusula que permite pedir um adiamento da implementação por 10 anos, que deve ser bem argumentado. “Este será um processo que a UE tem de acompanhar para apoiar as autoridades locais e regionais nos estados-membros, obviamente. Mas, para ser honesto, a poluição é uma pandemia em câmara lenta”, diz Javier López, eurodeputado de Espanha (centro-esquerda), relator para a revisão da diretiva na anterior legislatura do Parlamento Europeu (PE), sustentando que proteger o ambiente e a saúde não é incompatível com a dinamização do setor primário da economia, como promete o Pacto Ecológico Europeu, sobretudo, face à concorrência de potências como a China e os EUA.

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A poluição atmosférica prejudica os ecossistemas, o que resulta na diminuição do rendimento das colheitas. E o impacto na saúde da exposição, a longo prazo, dos Europeus aos três principais poluentes atmosféricos (PM, NO2 e O3) está a melhorar, de acordo com novos dados publicados pela AEA. Contudo, os Europeus continuam expostos a concentrações de poluentes atmosféricos muito superiores aos níveis recomendados pela OMS, com cerca de 240 mil mortes atribuídas, anualmente, a esta questão. E um conjunto separado de dados da AEA mostra que quase 75% dos ecossistemas europeus estão expostos a níveis prejudiciais de poluição atmosférica.

Os Europeus sentem que a poluição atmosférica é o principal risco ambiental para a saúde, causando doenças crónicas e mortes imputáveis, especialmente, nas cidades e nas zonas urbanas. Os dados da AEA surgem num momento em que a diretiva revista da UE relativa à qualidade do ar entrou em vigor. A diretiva introduz uma meta para 2030, relativa a novas normas de qualidade do ar alinhadas com as recomendações da OMS.

A diretiva revista sobre a qualidade do ar foi adotada, pela primeira vez, em outubro de 2024. Tem como objetivo para 2030 a adoção de novas normas de qualidade do ar alinhadas com as recomendações da OMS e inclui a obrigação de monitorizar outros poluentes, como as partículas ultrafinas, o carbono negro e o amoníaco.

Além das mortes prematuras, são significativas as repercussões de viver com doenças associadas à poluição atmosférica. Para a AEA, é vital ter em conta estes impactos, ao avaliar os encargos globais da poluição atmosférica para a saúde e os benefícios que resultariam de um ar mais limpo.

De acordo com a AEA, pelo menos 239 mil mortes, na UE, em 2022 foram atribuídas à exposição à poluição causada por PM2,5, acima dos níveis recomendados pela OMS. Trata-se de uma diminuição de 45%, em relação a 2005, o que coloca a UE no bom caminho para atingir o objetivo de redução, em 55%, definido no plano de ação para a poluição zero, até 2030.

A AEA diz que as PM consistem numa mistura de sólidos e gotículas de líquido, que pode ser emitida diretamente ou formar-se, quando os poluentes de diferentes fontes reagem na atmosfera. Existem em diferentes tamanhos: as PM com menos de 10 µg são capazes de entrar nos pulmões e causar graves problemas de saúde; e as PM têm sido associadas a doenças e a mortes por doenças cardíacas ou pulmonares.

A AEA refere que a OMS dispõe de provas científicas que demonstram que a exposição mais prejudicial a estas partículas é a exposição, a longo prazo, a PM – inferiores a 2,5 µg –, à qual atribui a responsabilidade pelas 239 mil mortes. Em 2022, outros 70 mil óbitos foram atribuídos à exposição à poluição causada por O3 e 48 mil à exposição à poluição associada ao NO2, mortes que poderiam ter sido evitadas, se fossem cumpridos os valores-guia da OMS, em 2022.

A AEA também analisa o impacto da poluição atmosférica nos ecossistemas europeus, mostrando como a vegetação é exposta aos poluentes atmosféricos e como isso se traduz no rendimento das culturas e em perdas económicas. E descobriu que o azoto no ar pode provocar alterações, por exemplo, nas espécies vegetais que podem crescer numa determinada área. Nomeadamente, 73% dos ecossistemas da UE estavam acima das cargas tidas como críticas para 2022.

Embora o plano de ação para a poluição zero esteja a cumprir o objetivo, em matéria de PM, está a ficar para trás, no atinente ao azoto. O objetivo é reduzir em 25% a área dos ecossistemas em que o azoto excede as cargas consideradas críticas, até 2030, mas é pouco provável que este objetivo seja atingido. Além disso, cerca de um terço dos terrenos agrícolas da Europa foram expostos a concentrações de ozono, ao nível do solo, superiores aos limiares estabelecidos pela UE, o que resultou em danos nas culturas, na redução dos rendimentos e em perdas económicas estimadas em, pelo menos, dois mil milhões de euros. E 62% da área florestal total, em 2022,  nos 32 países membros do EEE (Espaço Económico Europeu), excedeu os níveis críticos estabelecidos para proteger as florestas do ozono.

Todavia, nas últimas décadas, registaram-se reduções significativas das emissões de dióxido de enxofre (SO2), o que permitiu resolver, em grande parte, o problema da acidificação.

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A UE quer tornar-se neutra em carbono, até 2050. Porém, não há consenso sobre a forma de o conseguir, especialmente, no respeitante ao setor agrícola. E a Dinamarca, tenciona implementar um imposto sobre o carbono na pecuária, a partir de 2030, algo inédito no Mundo. Com efeito, o setor agrícola é responsável por 11,4 % das emissões de gases com efeito de estufa (GEE) na Europa, essencialmente, devido à criação de gado. Estes gases resultam, sobretudo, da digestão dos alimentos pelos bovinos e ovinos e do armazenamento de estrume de bovinos e suínos, a que se juntam as emissões produzidas pelo uso de fertilizantes químicos e pelo estrume usado pelos agricultores ou excretado pelo gado.

A França, a Alemanha e a Polónia são as maiores emissoras de GEE agrícolas na UE. Mas a Dinamarca, grande exportadora de lacticínios e de carne de porco, não fica muito atrás. A criação de gado é a segunda maior fonte de emissão de GEE do país, a seguir à energia.

O imposto sobre o carbono do setor pecuário não foi votado pelo Parlamento dinamarquês, mas já causou polémica. Alguns agricultores acham-no contraproducente, por levar à transferência de explorações para outros países. Aliás, os agricultores dinamarqueses querem ser ecológicos e utilizar as melhores tecnologias para reduzir ao máximo a poluição, mas o imposto dificultará o investimento em tecnologia mais amiga do ambiente. A única forma de ele funcionar é aplicá-lo a todos os países da Europa.

É preciso criar um mecanismo de preços na agricultura, atribuir incentivos à redução das emissões e rever a política agrícola comum (PAC), pois grande parte dos subsídios é atribuída a produções intensivas, que emitem muitos GEE, e não a formas de produção com menos emissão de carbono. Porém, devido à pressão dos agricultores, a UE deixou a integração de medidas específicas para a agricultura fora dos objetivos climáticos para 2040. É a tática do avanço-recuo!

2025.01.11 – Louro de Carvalho

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