sexta-feira, 17 de janeiro de 2025

Agenda para a Simplificação Fiscal ou mais um pacote de 30 medidas

 
Não sei se este governo é pródigo ou avaro e até necessitado.
Como pródigo, tem como sinal o facto de o primeiro-ministro ter declarado que “honestamente, também não gostei de ver… visualmente”. Um pleonasmo não lhe fica mal. Todavia, o certo é que o discurso governativo é pleonasticamente repetitivo – de que já resolveu tudo, está a resolver ou irá resolver (problemas de professores, de polícias, de oficiais de Justiça, de guardas prisionais, de militares, etc.) –, mas, do outro lado, a prodigalidade oferece-nos problemas agravados, como as urgências hospitalares, a situação dos bombeiros, a gestão do Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM), embora “tudo pulule”.
Como avaro, o governo entra nas negociações com propostas minimizantes e, quando avança um pouco, determina: “Mais nada!”       
Como necessitado, uma vez que o Banco de Portugal (BdP) esclareceu que não pagaria cerca de 16 mil euros de vencimento ao indigitado secretário-geral do governo, lá conseguiu contratar um secretário-geral que paga para trabalhar, aliás como todos nós, que pagamos para trabalhar e até para pagar impostos. Lembro-me de que, antes, a maioria das pessoas tinham de solicitar a ajuda paga de um perito para preenchimento dos formulários do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS); agora, fazemos tudo pela Internet, mas temos de adquirir, pagando, o respetivo “pacote” de televisão, telefone e Internet. E as pessoas coletivas têm de pagar a contabilista certificado e algumas a revisor oficial de contas, para, além das diversas operações contabilísticas, lhes tratarem do pagamento do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas, do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) e da retenção na fonte do IRS dos seus trabalhadores. 
Quanto ao mais, o governo é moderado. Já vimos que, nas suas propostas negociais são avança muito; como não o faz na abertura de vagas para serviços públicos deficitários; como não substituiu “todos” os cargos de chefia por militantes dos partidos do governo; como regista poucos casos de demissão, embora haja individualidades em investigação; e, como à semelhança os governos de António Costa, ataca os grandes problemas, através de agendas e de pacotes legislativos. Contudo, comos os PowerPoint devem estar ultrapassados, prefere apresentar os pacotes e as agendas em fornadas de cerca de 30 medidas.  
***
Nestes termos, como o fizera, por exemplo, para a Saúde, para a Anticorrupção, para a Comunicação Social e para a Habitação, o Conselho de Ministros, aprovou a 16 de janeiro, 30 medidas de simplificação fiscal, algo que será para colocar em prática nos próximos dois anos e que inclui incluem mudanças no pagamento do imposto único de circulação (IUC), nas faturas dos recibos verdes ou ainda nos prazos do IRS.
O pacote de medidas, que o governo denomina de Agenda para a Simplificação Fiscal, foi apresentado pelos ministros das Finanças e da Economia, com Miranda Sarmento e Pedro Reis a salientarem a redução de custos que este permite. Segundo Miranda Sarmento, “grande parte” destas medidas entrará em vigor ou em funcionamento neste ano (para tanto é preciso promover a aprovação e publicaçáo dos respetivos diplomas legais e regulamentares), havendo outras “mais complexas” que apenas estarão em funcionamento no próximo ano. Inscreve-se neste segundo conjunto o caso do IUC, cujo pagamento passa a ser feito em fevereiro, quando o seu valor é até 100 euros, sendo desdobrado em duas prestações de igual valor, para serem pagas em fevereiro e outubro, quando o montante é superior. A responsabilidade do IUC recai sobre o proprietário do veículo no final do ano anterior e pretende facilitar a vida das empresas com uma frota automóvel grande, uma vez que passam a poder pagar todos os IUC em simultâneo.
Ao nível do IRS, há uma harmonização do prazo para o cumprimento de obrigações declarativas até ao final de fevereiro de cada ano, nomeadamente, a indicação da composição do agregado familiar e as faturas de despesas que conferem dedução à coleta, como saúde, educação, restaurantes, passes ou oficinas. E vão ser feitas algumas alterações para simplificar a declaração anual do IRS, que passam pelo reforço dos campos pré-preenchidos e alertas para possibilidade de proceder ao englobamento de rendimentos sujeitos a taxas liberatórias / autónomas, como rendas ou juros de depósitos e de certificados de aforro.
Para os recibos verdes também há alterações, já que a afetação de despesas à atividade passa a poder ser feita no momento de emissão da fatura. Contudo, o contribuinte manterá a possibilidade de identificar as faturas no Portal das Finanças. Além disto, passa a haver dispensa de retenção na fonte para valores inferiores a 25 euros para os rendimentos das categorias B, E (capitais) e F (prediais), quando não seja aplicada a taxa liberatória.
No Imposto do Selo (IS) vai ser harmonizado nos 10 euros o valor mínimo para reembolso e pagamentos. Atualmente, só há lugar a reembolso, se o montante for no mínimo de 25 euros, enquanto o valor do pagamento está fixado nos 10 euros.
Simplificar-se-á o atestado médico de incapacidade multiuso (AMIM), estando previsto um protocolo entre o Ministério das Finanças (AT – Autoridade Tributária e Aduaneira), o Ministério da Saúde e outras áreas governativas relevantes (Trabalho, Solidariedade e Segurança Social e Infraestruturas e Habitação), para a comunicação automática deste atestado, de forma eletrónica.
O prazo de validade das certidões de não dívida à Segurança Social (SS) e à AT passa a ser igual, de quatro meses, alinhando com o prazo atualmente em vigor para as certidões emitidas pela SS.
Preconiza-se a dispensa da reunião de regularização em sede de inspeção tributária, permitindo ao contribuinte inspecionado solicitar tal regularização, podendo optar por dispensar a reunião.
O governo quer ainda avançar para a desmaterialização plena da documentação necessária no âmbito do Regime de Bens em Circulação (RBC), propondo-se, para o efeito, rever o quadro legal em vigor, eliminando a exigência de documentos duplicados no transporte de mercadorias.
Ao nível do IVA, prevê-se o desenvolvimento do IVA automático, permitindo-se a entrega automática da Declaração Periódica (DP), quando o contribuinte não tenha realizado operações tributáveis (DP a zeros), pela conversão da declaração provisória pré-preenchida pela AT em declaração entregue pelo contribuinte, com vista a evitar liquidações oficiosas e processos de contraordenação por falta de entrega da DP. Por outro lado, vai permitir-se que os pedidos de pagamento em prestações do IVA sejam apresentados antes do prazo de entrega das DP, abrindo caminho para que a primeira prestação seja efetuada por débito direto.
Também está prevista a simplificação dos procedimentos para a concessão de reembolsos de IVA, clarificando-se os requisitos para concessão do reembolso, possibilitando ao contribuinte prestar garantia, a seu pedido, e desmaterializando a notificação de decisão do pedido de reembolso de IVA, em relação a contribuintes estabelecidos noutro estado-membro.
A Informação Empresarial Simplificada (IES) vai ser reduzida, com a eliminação dos anexos Q e O e a revisão dos anexos A, L, P e M.
De acordo com o governo, as medidas apresentadas servem para simplificar a burocracia atual e melhorar todos os serviços, de forma a dar o “apoio correto” a cidadãos e empresas. Entretanto, há quem diga que beneficiarão, em especial, trabalhadores independentes e motoristas.
Em suma, as 30 medidas de simplificação fiscal são:
1.    Simplificação da IES;
2.    Simplificação dos procedimentos para a concessão de reembolsos de IVA;
3.    Simplificação das regras de faturação;
4.    Entrega automática da declaração periódica de IVA para pessoas singulares sem operações tributáveis;
5.    Criação de identificação fiscal diferenciada para a Categoria B (trabalho independente);
6.    Agilização da declaração de início / alteração de atividade;
7.    Dispensa da reunião de regularização em sede de inspeção tributária;
8.    Incremento do uso de ferramentas de inteligência artificial (IA), visando a celeridade na resposta ao contribuinte;
9.    Melhoria do apoio ao contribuinte no preenchimento da declaração de IRS;
10.               Simplificação da liquidação e cobrança do IUC;
11.               Simplificação da entrega do AMIM;
12.               Revisão do RBC;
13.               Melhoria do Portal das Finanças;
14.               Harmonização dos prazos de validade das certidões de não dívida da AT e da SS;
15.               Pré-preenchimento do Modelo 22 (IRC) com os prejuízos fiscais gerados em anos anteriores;
16.               Fixação em 10 euros do montante mínimo para o reembolso do IRS;
17.               Simplificação do IS no âmbito das transmissões gratuitas;
18.               Revisão do regime dos certificados de renúncia à isenção do IVA;
19.               Alteração do prazo para pedidos de pagamento em prestações do IVA;
20.               Desmaterialização dos registos de IVA;
21.               Isenção da Declaração Aduaneira de Exportação;
22.               Simplificação de procedimentos aduaneiros;
23.               Comunicação oficiosa da identificação dos titulares de participações sociais;
24.               Harmonização dos prazos para cumprimento de obrigações declarativas;
25.               Dispensa de retenção na fonte para valores inferiores a 25 euros;
26.               Eliminação do processo individual dos contribuintes;
27.               Simplificação de diversas obrigações declarativas;
28.               Simplificação de procedimentos no Imposto sobre Veículos (ISV);
29.               Simplificação de procedimentos no âmbito dos Impostos Especiais de Consumo (IEC);
30.               Revisitação do Regime do SAF-T (PT) Contabilidade.
***
Esta agenda aponta quatro desafios a que as 30 medidas pretendem dar resposta: mais e melhor comunicação com os contribuintes; mais eficiência no uso de recursos da AT; melhoria contínua e diálogo permanente com agentes económicos; simplificação e digitalização de procedimentos.
Das 30 medidas, segundo o governo, 24 (80%) visam a redução de custos de contexto, 11 maior transparência e compreensão das obrigações tributárias e nove a melhoria da qualidade dos serviços prestados. Em termos temporais, o governo antecipa que grande parte entrará em vigor ou em funcionamento ainda em 2025, porém salienta que há medidas mais complexas que apenas estarão em funcionamento no próximo ano (o que difere qualquer efeito positivo que se venha a sentir na esfera do contribuinte).
Sobre os efeitos práticos das medidas, não se conhecendo os contornos da implementação, deve dizer-se, pela positiva, que qualquer alteração no sentido da simplificação é um passo na direção de uma relação mais eficiente e eficaz entre máquina fiscal e contribuintes que não obrigue estes a dispêndio de recursos no reporte de informações que estejam disponíveis ao Fisco. Na verdade, minimizar custos de contexto contribui para melhorar a posição do país nos rankings de competitividade fiscal (em 2024, Portugal figurava no lugar 35 de 38 no International Tax Competitiveness Index da Tax Foundation), mas não basta para atrair ou para reter investimento, nacional ou estrangeiro. Por outro lado, a simplificação não reduz a litigância fiscal desnecessária – em muitos casos, prolongada pela máquina fiscal, ao arrepio de decisões judiciais sobre a mesma temática ou, nalguns casos, em conflito com ofícios emitidos pela própria AT – nem reduz a carga fiscal. Por exemplo, pagar o IUC em duas prestações não diminui o encargo, mas simplificar o processo de reembolso de IVA terá efeitos desejados na melhoria da tesouraria das empresas, aspeto ignorado, tantas vezes, pela menor rapidez de reação da máquina fiscal. Ora, segundo alguns economistas, poderiam ter sido ponderadas outras medidas cujo efeito financeiro seria mais expressivo para os agentes económicos.
Num contexto de mobilidade internacional dos recursos humanos e de capital, é crítico pensar em instrumentos que induzam o crescimento da economia. Importa atender a que, entre 2000 e 2024, o crescimento médio anual do produto interno bruto (PIB) real per capita foi só de 0,87%. Ora, este indicador tem de melhorar, a bem das atuais e futuras gerações, e a mera simplificação do sistema fiscal, por si só, não dará contributo efetivo para o incremento da riqueza. Assim, é de aguardar pelo anúncio de medidas adicionais que façam deste pacote uma verdadeira e necessária reforma fiscal. Por agora, há mais parra do que uva e, sobretudo, trabalho para a perceção.

2025.01.17 – Louro de Carvalho


Sem comentários:

Enviar um comentário