De acordo com a Resolução do
Conselho de Ministros n.º 208/2024, de 30 de dezembro, foi aprovada, a 18 de
dezembro, para entrar em vigor a 1 de janeiro de 2025, a Estratégia Nacional para a
Integração das Pessoas em Situação de Sem-Abrigo 2025-2030 (ENIPSSA 2025-2030), que defende célere intervenção junto dos
recém-chegados à rua e a descida dos números até ao fim do ano, aumentando a
resposta de alojamento temporário e de emergência. E foi aprovado o plano de ação
para os próximos dois anos, com mais 600 vagas em habitação permanente.
Tal estratégia sucede à ENIPSSA
2017-2023, que o governo anterior prolongou até 21 de dezembro de 2024 e que
compreendia três eixos de intervenção, com vista à promoção do conhecimento do
fenómeno dos sem-abrigo, informação, sensibilização e educação, ao reforço de
uma intervenção promotora da sua integração e à coordenação, monitorização e
avaliação do programa. O seu modelo de intervenção assentava na premissa
de rentabilização de recursos humanos e financeiros e da necessidade de evitar
a duplicação de respostas e de qualificar a intervenção, ao nível da prevenção
das situações de sem-abrigo e do acompanhamento junto dos utentes, centrando-se
na pessoa, na família e na comunidade.
Integravam os seus órgãos e estruturas a Comissão
Interministerial e a Comissão Consultiva, o Grupo de Implementação, Monitorização
e Avaliação da Estratégia (GIMAE) que integrava um Núcleo Executivo e, a nível
local, os Núcleos de Planeamento e Intervenção Sem-Abrigo (NPISA). O GIMAE
era constituído por 29 entidades públicas ou com capital público e cinco
entidades privadas: ao todo, 34 entidades. A implementação fazia-se através de
Planos de Ação bienais, que incluem os eixos, objetivos estratégicos e ações –
aprovados pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 107/2017, de 25 de julho –
executados através de atividades, de metas, de indicadores, de orçamento
(direto e indireto), de calendário e de entidades (responsáveis e
parceiras). Porém, o governo
anterior gizou a ENIPSSA
2025-2030, a 25 de março de 2024, como reza a Resolução
do Conselho de Ministros n.º 61/2024, de 2 de abril, que estabelece
as regras de prevenção e de intervenção da nova estratégia, centrada nas
pessoas sem-abrigo, de modo que ninguém tenha de permanecer na rua, por
ausência de alternativas.
A ENIPSSA 2017-2023 já tinha colocado Portugal na rota de uma
intervenção mais eficaz e centrada no ser humano. À medida que a sua vigência
se aproximava do fim, a renovação da estratégia surgia como resposta a um
desafio contínuo e como evidência do compromisso do País com a inclusão social
e com os direitos humanos, em linha com os Objetivos de Desenvolvimento
Sustentável (ODS) e com o Pilar Europeu dos Direitos Sociais (PDS). E,
reconhecendo que a situação de sem-abrigo é fenómeno complexo e multifacetado,
a ENIPSSA 2025-2030 propõe uma abordagem mais holística e integrada, estabelece
um foco reforçado em medidas preventivas, procura intervir, antes que a situação
de sem-abrigo se materialize, priorizando uma política que evite a rutura
social e garanta a continuidade da ajuda a quem mais precisa.
Há claro avanço, face às ações anteriores, apontando a
necessidade de adaptação das redes de apoio territorial, que se expandem para
lá do abrigo, incluindo serviços comunitários essenciais e resposta
personalizada a grupos vulneráveis específicos, como idosos, dependentes,
pessoas com deficiência física ou mental, toxicodependentes, comunidade
LGBTI+, ciganos e migrantes. Em visão coletiva e intersetorial, a ENIPSSA
abraça responsabilidades partilhadas, promovendo acompanhamento atento e gestão
eficaz que permitem o planeamento e a execução adequados, bem como a
atualização contínua das medidas, conforme a evolução das necessidades sociais.
Além disso, realça-se a importância de uma abordagem personalizada, respeitando
a dignidade e a privacidade de cada pessoa e garantindo que as soluções de
habitação sejam, não só resposta temporária, mas solução permanente e adequada
ao seu projeto de vida.
Elemento crucial da ENIPSSA é a corresponsabilização,
solicitando que todos os atores sociais – entidades públicas e privadas – se
mobilizem em prol de um objetivo comum: a integração social de todas as pessoas
em situação de risco, bem como a sensibilização e a educação da comunidade em
geral, o que é fundamental para a inclusão social plena e efetiva.
Também são aspetos centrais a monitorização e a avaliação
contínuas, assegurando transparência e permitindo ajustes dinâmicos à
estratégia, para maximizar a sua eficácia.
A ENIPSSA 2025-2030 revela o compromisso de Portugal com uma
sociedade mais justa e inclusiva, representando importante passo no combate à
exclusão social e na promoção de vida digna para todos, desafios que o PESSOAS
2030 abraça, com o investimento do Fundo Social Europeu Mais, através dos
apoios que disponibiliza na área da inclusão social.
Na prioridade de investimento – “Mais e melhor acesso a
serviços de qualidade” – o programa promove o apoio de grande variedade de
iniciativas que incluem a Capacitação para a Inclusão, o Apoio financeiro e
técnico a organizações de migrantes e a organizações da sociedade civil, o
Programa Escolhas, o Modelo de Apoio à Vida Independente (MAVI), a qualificação
e especialização da intervenção destinada a pessoas com deficiência e/ou
incapacidade e também a jovens em perigo, instrumentos de apoio e
proteção às vítimas de violência doméstica e de tráfico de seres humanos, ações
no âmbito do Plano de Ação para o Envelhecimento Ativo e Saudável, e muito
mais. Nesta área de intervenção, o PESSOAS 2030 vai gerir a dotação de 1,4 mil
milhões de euros (MM€), que incluem 1,2 MM€ de Fundo Social Europeu Mais.
Enfim, a ENIPSSA aposta na prevenção e cria um sistema de alerta de situações
de risco, prevendo a “intervenção personalizada com gestores de caso ao nível
local” e o aumento das soluções de “housing first” e apartamentos partilhados.
O
projeto “housing first” surgiu nos Estados Unidos da América (EUA), há cerca de
20 anos, e foi introduzido em Portugal, em 2009, sendo que 90% das pessoas
acolhidas pela iniciativa não regressaram à condição de sem-abrigo. No projeto,
as pessoas são integradas em habitações tendencialmente individuais e têm
acompanhamento de técnicos que as ensinam a gerir uma casa, com vista à integração
social. Uma intervenção especializada junto de públicos vulneráveis e o reforço
do acompanhamento das redes locais de apoio às pessoas em risco ou que
vivenciam a condição de sem-abrigo são outras medidas previstas.
António
Costa, no final da reunião do Conselho de Ministros de 25 de março, em que
participou o Presidente da República (PR), ao anunciar a aprovação da Resolução
em causa, salientou tratar-se de temática que o chefe de Estado “particularmente
tem acarinhado”. E o PR indicou que este foi “o único ponto” sobre o qual se
pronunciou ante o elenco governativo, porque lhe “era irresistível” não se
pronunciar sobre matéria de estratégia de sem-abrigo.
Mais
de 10700 pessoas viviam como sem-abrigo, em 2022. Nos últimos três anos,
segundo o coordenador da ENIPSSA 2017-2023, cerca de 2500 pessoas deixaram de
viver nessa condição.
O desejo de ano novo do chefe de Estado já leva dois
de atraso. Tinha traçado 2023 como data limite para a erradicação do fenómeno
dos sem-abrigo, mas os números não pararam de subir. Ao invés, os últimos,
agora conhecidos, dizem respeito a esse ano que seria de celebração, mas que
revelam um agravamento significativo. A 31 de dezembro de 2023, havia 13128
sem-abrigo no país, mais do dobro (117%) do que os contabilizados há cinco
anos. E, só no último ano, a subida foi de 22%. Lisboa é o concelho com mais
casos (3378) e a área metropolitana da capital, com 4871, registou um
crescimento do fenómeno de 50%, desde 2018.
***
Entretanto, em julho de 2024, a ministra do Trabalho,
Solidariedade e Segurança Social resolveu propor a avaliação do fenómeno e da
estratégia gizada pelo governo anterior.
Foi aquela subida significativa que levou o governo a
encetar a revisão da ENIPSSA
2025-2030. As alterações levaram à criação de um
grupo de trabalho interministerial (com oito pastas) e a novo diploma,
publicado a 30 de dezembro em Diário da
República e em vigor desde 1 de janeiro.
Mais do que elencar de medidas e metas, o documento
traça um diagnóstico nacional. Em apenas um ano, ficaram sem-abrigo mais 2355
pessoas e saíram da rua 987. Entre quem não tem morada, há 7705 pessoas
sem-teto, a viver em espaços públicos, em centros de emergência ou em locais
precários, e 5423 pessoas sem-casa vivem em alojamentos temporários, em apartamentos
partilhados ou de transição, em Housing First e em unidades
hoteleiras (quartos).
O fenómeno mostra-se em vários concelhos, com especial
incidência nas áreas urbanas e metropolitanas de Lisboa e do Porto, onde assume
prevalência maior. Porém, as regiões do Alentejo e do Algarve registam as
proporções mais elevadas de sem-abrigo por mil habitantes (3,32 % e 2,88 %) e
as do Norte e Centro apresentam os valores mais baixos (0,73 % e 0,77 %).
Mantém-se o predomínio de um perfil masculino, de
homens adultos, solteiros, portugueses, com baixa escolaridade, cuja fonte de
rendimento dominante são as prestações sociais da Segurança Social – rendimento
social de inserção (RSI) e pensões –, apresentando como principais causas, para
a situação, a ausência de suporte familiar, o desemprego e a precariedade
laboral, a dependência de substâncias psicoativas e de álcool e a insuficiência
económica. Os dados vêm evidenciando a
presença crescente e significativa de mulheres sem-abrigo. E o número de casais
na rua ganha especial relevância no Alentejo e na área metropolitana de Lisboa.
Para reduzir o número de pessoas sem-abrigo, o governo
propõe-se intervir, de forma célere, nas situações mais recentes. De acordo com
a estratégia, 39% das pessoas que se encontram na rua chegaram ali, há menos de
um ano, e esta é a percentagem que se quer cortar (não se quantifica), até ao
fim de 2025 e, ainda mais, até ao final de 2026. O caminho far-se-á
através do aumento de respostas de alojamento temporário e de emergência, como
o centro criado, no Convento do Grilo, pela Santa Casa da Misericórdia de
Lisboa (SCML), no início de dezembro, e com mais equipas de rua, cujo número
será definido até ao segundo semestre de 2025.
Também está previsto o incremento de respostas
habitacionais permanentes. No primeiro semestre de 2025, o governo propõe-se
criar 600 novas vagas em casas e apartamentos para sem-abrigo,
nomeadamente, através do programa “housing first”, pois aceder a habitação
permanente é a porta de entrada e uma das primeiras condições para a inclusão
plena das pessoas sem-abrigo. Contudo, os dados evidenciam que 44 % das pessoas
sem-casa se encontram a viver em quartos alugados (2375 pessoas), sobretudo na
área metropolitana de Lisboa e na região Norte, por inexistência ou ausência de
respostas de acolhimento.
Entre as muitas medidas previstas, consta a criação de
um sistema de alerta e prevenção, até ao fim de 2025, com uma plataforma de
dados que identifique os riscos em todo o território nacional, a criação de um
plano pessoal de emprego direcionado a cada uma das pessoas sem-abrigo e o reforço
das equipas comunitárias de saúde mental, que deverão ser 40, até ao fim de
2025.
O novo plano de ação assenta num modelo menos
centralizado, que aposta mais no papel das comunidades no terreno, para
implementar em articulação com os municípios, embora sob coordenação
nacional, “dando-lhes flexibilidade para aplicarem as medidas e adotarem
as suas próprias estratégias” e prevê o reporte trimestral do impacto e grau de
execução das medidas. A verba prevista para o apoio às pessoas sem-abrigo
no OE 2025 é de 11,06 milhões de euros.
***
“Isto aconteceu pela falta de ação e de execução de
promessas e de estratégias que tinham sido feitas no passado”, lamentou António
Leitão Amaro, ministro da Presidência, a 18 de dezembro, ao adiantar que o
plano de ação é para implementar em articulação com os municípios.
A 21 de dezembro, o chefe de Estado, em declarações aos
jornalistas, no almoço de Natal promovido pela associação Centro de Apoio ao
Sem-Abrigo (CASA), em instalações do Metropolitano de Lisboa, em que tem
participado, anualmente, apelou à aposta na habitação apoiada pelo Estado para os sem-abrigo,
assinalando que muitos trabalham, mas sem dinheiro para ter casa. “É uma nova situação que precisa urgentemente de uma aposta na
habitação, com o apoio do Estado, com o apoio do Plano de Recuperação e
Resiliência (PRR) e com o papel fundamental dos municípios, das autoridades”, disse
o PR, esperando que o governo em funções desde abril seja “relativamente
rápido” a apresentar a sua estratégia para os sem-abrigo.
Leitão Amaro, questionado sobre a posição manifestada
pelo Presidente da República, referiu que se verifica uma “sintonia total”,
reiterando que, entre 2018 e 2023, o número de pessoas sem-abrigo aumentou de
seis mil para mais de 13 mil. “Não era este governo que estava em funções nestes seis anos”,
realçou o governante.
Em ano de eleições autárquicas, o PR entende que “um
dos pontos de debate eleitoral tem de ser a habitação e, dentro do dossiê da
habitação, os sem-abrigo são um tema essencial”. Efetivamente, Marcelo Rebelo
de Sousa, que tem dado especial atenção ao problema dos sem-abrigo, está
preocupado com a evolução deste flagelo e avisa que, “se houver, outra vez, um
aumento, em Lisboa e no Porto, na ordem dos 20%, o assunto não pode ser tratado
com indiferença pelas populações e pelo Estado, local e central”. E tem vindo a
dizer que, em 50 anos de Democracia, “o ponto onde falhámos mais foi no combate
à pobreza”. “Com as crises, temos dificuldade em dar grande prioridade ao
combate à pobreza e à condição de sem-abrigo”, lembra o presidente, e quando
isso acontece “uma parte da sociedade fica irreversivelmente para trás. [Ora], se
um quinto fica para trás, é a sociedade como um todo que sofre”, enfatizou
lembrando à “parte da sociedade que nasceu no lado da rua com sol” que “tem de
dar atenção ao combate à pobreza”.
***
É boa a insistência do PR, ao invés das alfinetadas do
governo à gestão do anterior, pois a solução deste problema tem de ser a
batalha de cada dia. Se paramos, o problema recrudesce.
2025.01.03 – Louro de Carvalho
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