Com o
“caloroso” voto de bom ano para os compatriotas, o Presidente da República (PR)
frisou que 2024 “definiu caminhos que vão determinar muito do que será o ano”
de 2025.
Na ótica do
chefe de Estado, as principais guerras agravaram-se e a recuperação das
economias tornou-se fraca, apesar da descida dos preços e dos juros; as
eleições, na Europa, ofereceram curto alívio a certos líderes e a partidos no
poder, com as economias fortes a descer, fazendo cair os seus governos ou “prosseguirem
a sua queda lenta”; e as eleições norte-americanas fazem-nos regredir a 2016 e
esperar que o presidente eleito se defina, quanto à paz que pretende na Ucrânia
e no Médio Oriente: a “paz justa, duradoura, respeitadora do Direito
Internacional e do Direito Humanitário” e da “dignidade das pessoas” ou a
inversa, sem estes valores.
Aí, o PR
deixa ao presidente dos Estados Unidos da América (EUA) o ónus de optar entre colaborar
com a União Europeia (UE) e afastar-se dela. E, ganhando a Rússia e a China “mais
ou menos”, conforme as posições dos EUA, sustenta que mais aliança entre os EUA
e a UE, na economia, na política, na Ucrânia e no Médio Oriente, é melhor para
a Europa e pior para a Rússia e para a China, e vice-versa.
Neste
contexto, no dizer do Presidente da República, a UE tem como desafios “fazer
pela aliança com os Estados Unidos da América”, “manter-se unida, não deixar
cair alianças e aliados, preparar-se para uma situação complexa a Leste, ganhar
peso militar próprio, recuperar economicamente, corrigir o atraso no
investimento no conhecimento, no saber”, em que tem perdido pontos com os EUA e
com a Ásia, e “reformar os seus fragilizados sistemas económicos, políticos e
sociais”. “Tudo, ao mesmo tempo” é difícil, mas “indispensável” para a UE se
afirmar como “uma potência global no Mundo”.
Quanto a
Portugal, o PR considera que celebrar os 50 anos do 25 de Abril e o centenário do
nascimento de Mário Soares mostra que “não queremos perder nem liberdade, nem
democracia”, que “um ciclo se fechou” e que “evocar Abril é olhar para o
futuro, não é repetir o passado”.
Nestes
termos, precisamos de “menos pobreza”, de saber que “a pobreza, nos dois
milhões de portugueses, é um problema de fundo estrutural que a democracia não
conseguiu resolver”; “de mais igualdade, social e territorial”; e “de ainda
mais educação, de melhor saúde e de melhor habitação”. Para tanto, é preciso “qualificar
mais os recursos humanos, inovar mais, competir com mais produtividade,
continuar a antecipar – e bem – no domínio da energia limpa, no domínio do
digital, na tecnologia de ponta”, sem “deixar que se aprofunde o fosso, a
distância, entre os jovens que avançam e os que o não podem fazer, entre os
jovens que avançam” e os mais avançados em idade, que “entram em becos com
poucas ou nenhumas saídas”.
Enfim, diz o
PR que precisamos de “uma economia que cresça e possa pagar melhor e aumentar
os rendimentos dos Portugueses, assim corrigindo, também, as suas desigualdades”.
Para isso, pretende que os números económicos e financeiros, vindos do passado
próximo, no que tiveram e têm de positivo, “se consolidem e acentuem” e acentua,
puxando pela execução do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), que é
preciso que “os dezasseis mil milhões” para estes dois anos “sejam mesmo usados
e façam esquecer os seis mil e trezentos milhões que gastámos”, para que
Portugal fique mais preparado para enfrentar as aceleradas mudanças na Europa e
no Mundo.
Parece
esquecer a dificuldade de execução física e financeira dos projetos, devido à burocracia,
à deficitária capacidade organizativa e de planeamento das empresas e ao atraso
em diplomas legislativos (para o que também deu o seu contributo).
É óbvia a
necessidade de reforçar e de prosseguir “a solidariedade institucional e até a
cooperação estratégica entre órgãos de soberania, nomeadamente Presidente da
República e primeiro-ministro”, como se viu na aprovação dos “Orçamentos de
2024 e de 2025”, para “garantir estabilidade, previsibilidade e respeito, cá
dentro e lá fora”.
Acentua o PR
a necessidade de “renovar a nossa democracia”, mormente, “em juventude, no
papel da mulher, no combate à corrupção, na construção da tolerância e do
diálogo, na recusa da violência, pessoal, doméstica, familiar e social, na
capacidade das forças políticas, económicas e sociais”, bem como no “sistema de
Justiça” e na “Administração Pública”.
“Precisamos,
diz o Presidente, de afirmar a atualidade da visão universal de Luís de Camões,
tão lembrado e a justo título este ano”, pois ser português é ser universal”, o
que “é decisivo na nossa identidade nacional”. E, mencionando o Cardeal
Tolentino e a poeta Adília Lopes, recém-falecida (o seu funeral ocorreu a 2 de
janeiro), releva que nós “aprendemos com tudo e todos, com todos, não temos o monopólio
da verdade, e não deitamos nada fora, [antes] guardamos para a nossa memória
coletiva de séculos”.
Depois, faz
referência às eleições para o poder local, que ocorrerão no 3.º quadrimestre de
2025 e em que “o Povo será o juiz supremo”, aliás como o é sempre, no quadro da
“nossa resposta a tantos desafios.
Por fim,
Marcelo Rebelo de Sousa, passados 50 anos sobre o movimento militar, que se
converteu em revolução, “a vitória dos moderados nessa revolução, em novembro
de 1975, e a coragem dos Capitães de Abril de devolverem, em 1982, o poder
pleno ao Povo, para que ele desse vida à Democracia em Portugal”, acredita “na
vontade experiente e determinada do Povo Português”.
***
Os partidos reagiram, quase de imediato, à mensagem de Ano Novo do Presidente
da República.
Inês Sousa
Real, porta-voz do partido Pessoas + Animais + Natureza (PAN) afirmou esperar
que o primeiro-ministro ouça os “recados do Presidente da República”, quanto à
necessidade de solidariedade institucional, que defendeu dever ser alargada ao
Parlamento. “Nesse sentido, é fundamental que Marcelo Rebelo de Sousa garanta
que a sua magistratura de influência, enquanto Presidente da República, não se
esgota em meras palavras”, disse, anotando que o chefe de Estado levou “duas
vezes o país a eleições”, quando o governo era de cor política diferente da sua,
pelo que espera que o Presidente não deixe de pressionar o governo para
melhorar a vida das pessoas.
Isabel
Mendes Lopes, líder parlamentar do Livre classificou de “muito derrotista” a
mensagem do PR, no plano internacional e nacional, sem grandes esperanças para
o próximo ciclo.
Portugal
melhorou muito a qualidade de vida e é importante olharmos para esse salto de
Portugal, para “darmos, agora, um próximo salto”, considerou, dizendo que é
preciso investir em áreas que o chefe de Estado referiu: a educação, a habitação,
a saúde, pois é essencial reduzir a pobreza estrutural e garantir a igualdade
em Portugal.
Porém,
aponta a falta de vontade para mudar estas questões estruturais da parte do governo,
o que parece transparecer numa certa forma de derrotismo existente no discurso
presidencial, visto que “um dos objetivos do mandato de Marcelo Rebelo de Sousa
era que deixasse de haver pessoas em situação de sem-abrigo em Portugal” e “vamos
entrar no último ano do mandato com números de pessoas sem-abrigo, como há
muito não tínhamos em Portugal”.
No plano
internacional, contrapõe à visão do PR que a UE “tem obrigação de procurar
alianças com outros países, com outras áreas do globo que não passem, necessariamente,
pelos Estados Unidos, pela China e pela Rússia”.
O dirigente
do Partido Comunista Português (PCP), Rui Fernandes, defendeu que é precisa
“paz e cooperação” e não “uma disputa entre povos e entre Estados” ou, como
alguns preconizam, “de cortes de pensões e de Segurança Social, para investir
em mais armamento”. E considerou que os objetivos identificados pelo PR, no
atinente ao combate à pobreza, só serão concretizados, se houver uma mudança de
política. “Portugal necessita de uma mudança de política que seja assente nos
valores constitucionais e que promova aumento dos salários, pensões e que dê
resposta aos problemas na saúde e [na] habitação”, sustentou.
Carlos
Coelho, vice-presidente do Partido Social Democrata (PSD) assinalou a “especial
sintonia” entre a mensagem de Ano Novo do Presidente da República e a de Boas
Festas do primeiro-ministro, notando que os recados do PR se dirigem,
sobretudo, à oposição. Para o PSD, esta sintonia é evidente em temas como o
crescimento económico, o aumento do investimento, a redução da pobreza, o
reforço do Estado social e da saúde. Já se esperava esta reação!
Pedro Nuno
Santos, secretário-geral do Partido Socialista (PS), disse partilhar das
preocupações do PR, mas considerou que “não há confiança na capacidade do atual
governo para as resolver”.
O líder
socialista apontou as áreas da economia, da saúde e da pobreza como exemplos de
setores onde o governo não conseguiu resolver os problemas, sustentando que “a
crise no Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM) é o expoente máximo da
incapacidade do governo na gestão dos serviços públicos”. E, passando em revista
a preocupação presidencial sobre a pobreza, afirmou que “as preocupações são
partilhadas por todos, sem dúvida”, e que, “só redistribuindo melhor a riqueza
gerada, mas sobretudo criando mais riqueza, em Portugal, conseguiremos
ultrapassar os problemas”. Porém, acrescentou que não há, da parte do governo, visão
estratégica para a economia, pois só quer executar o PRR, reduzir o imposto
sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC) e repete a palavra
“investimento”, sem visão sustentável para a economia.
Para Pedro
Nuno Santos, a afirmação “ser português é ser universal” significa que os
Portugueses só melhorarão, se aproveitarem as energias de quem vem de fora
contribuir para o nosso país, quando as dificuldades e os problemas,
nomeadamente, os baixos salários, a habitação, o acesso à saúde, “são dos
trabalhadores portugueses e dos trabalhadores estrangeiros”, importando por que
“os trabalhadores todos enfrentem os desafios comuns e partilhados que têm de
ser resolvidos em conjunto, e não promovendo a exclusão”.
O presidente
do Chega considerou que a mensagem presidencial “ficou aquém” do esperado, pois
queria ter ouvido o chefe de Estado abordar temas como saúde ou insegurança. “Os
Portugueses esperam do Presidente uma palavra sobre os temas que lhes importam,
sobre o que estão a viver no seu dia-a-dia e, mais uma vez, Marcelo Rebelo de
Sousa mostrou que não consegue ou não quer transmitir essa palavra, ou por
receio de confrontar o governo, ou por estar mais confortável no domínio do
politicamente correto”, disse André Ventura.
Rui Rocha,
presidente da Iniciativa Liberal (IL), criticou a “grande ausência” do tema da
reforma do Estado da mensagem presidencial, tal como na de Natal do
primeiro-ministro, quando a reforma do Estado é essencial, para “acelerar
Portugal”, pois o “crescimento económico depende também da reforma do Estado”.
Apesar de
julgar a mensagem do PR “adequada do ponto de vista do diagnóstico”,
considerou-a “esgotada do ponto de vista das soluções”. Depois, viu “duas
embirrações” no discurso de Marcelo Rebelo de Sousa: uma conexa “com a
cooperação estratégica com o governo”; e outra, “com o almirante Gouveia e
Melo, quando fala da questão dos militares”.
Efetivamente,
também eu penso que o governo responde perante o Parlamento e que os militares
não entregaram o poder aos civis, em 1982. Isso estava previsto desde o início.
Foram o PSD e o PS que, despudoradamente, afastaram de cena os militares.
Bruno Maia, dirigente do Bloco de Esquerda (BE), estranha que o PR fale do 25 de
Abril e do futuro, sem abordar a saúde e a educação públicas e a habitação,
lamentando que tenha esquecido a Palestina e “o genocídio”, em Gaza, e que não
tenha dado uma palavra sobre o Serviço Nacional de Saúde, que enfrenta dias
tumultuosos, tendo vindo a agravar-se ao longo dos anos, com urgências
fechadas, falta de acesso de mulheres grávidas a um serviço de urgência, um
bloco de partos. Porém, na ótica do dirigente bloquista, “fez muito bem” em
falar da situação internacional, “de paz e de direito internacional”, mas,
referindo-se aos grandes conflitos mundiais, abordou a guerra da Ucrânia, na
Europa, sem falar da Palestina, nem do “genocídio que está, há 15 meses, a
ocorrer todos os dias”, nos telemóveis e aos olhos do Mundo.
Em sua
opinião, “provavelmente o Mundo não sairá igual, depois daquilo que está a
acontecer na Faixa de Gaza, porque o desrespeito total do Ocidente, dos Estados
Unidos, de Israel perante aquilo que foram os acordos internacionais que saíram
da Segunda Guerra Mundial, estão destruídos e estão destruídos para todo o sempre”;
e a questão internacional “merecia outras palavras”, nomeadamente, a incitar
que Portugal se juntasse à Espanha, à Irlanda e à Noruega e “reconhecesse o
Estado da Palestina, porque não vale a pena, tal como fazem os restantes países
da Europa, defender a solução de dois Estados e não reconhecer um deles”.
Questionado
se a referência aos milhões do PRR pode ser uma mensagem para o governo, Bruno
Maia concordou e apontou que o BE tem defendido que os fundos devem ser
investidos nas “prioridades nacionais”, da saúde, da educação e da habitação, das
grandes crises que afetam o país, e que “colocam a democracia em causa” e abrem
espaço para que “a democracia se enfraqueça e que o populismo continue a
crescer”.
Telmo
Correia, vice-presidente do partido do Centro Democrático Social (CDS) manifestou
concordância com a mensagem do PR e considerou fundamental “um triunfo do bom
senso”, que é uma “derrota dos radicalismos” e de todo o “populismo”. E lembrou
que, para os democratas-cristãos, “o combate à pobreza, às desigualdades são
sempre uma preocupação fundamental”, mas o que os distingue é o foco na criação
da riqueza, para, depois, “podermos fazer mais justiça social”. Por isso, a
palavra-chave para 2025 é “investimento” em prol de uma economia “mais
competitiva”, para gerar mais riqueza, para se fazer “mais justiça”, para que “os
jovens fiquem em Portugal”. Para tanto, é necessária mão-de-obra qualificada e uma
imigração regulada, por contraposição a tudo o que aconteceu antes.
***
Tudo em conformidade
com o pensamento dos diversos atores políticos. Todavia, o PSD e o CDS estão cada
vez mais afins do Chega. O PR, apesar de, algumas vezes, ter britado a estabilidade,
mostra posição algo equilibrada, tendo abordado as matérias mais relevantes,
mas devia explicar o que entende por solidariedade estratégica, já a política
geral é definida pelo governo.
2024.01.02 – Louro de Carvalho
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