quinta-feira, 2 de janeiro de 2025

Ano Novo: mensagem presidencial e reação dos partidos

 

Com o “caloroso” voto de bom ano para os compatriotas, o Presidente da República (PR) frisou que 2024 “definiu caminhos que vão determinar muito do que será o ano” de 2025.

Na ótica do chefe de Estado, as principais guerras agravaram-se e a recuperação das economias tornou-se fraca, apesar da descida dos preços e dos juros; as eleições, na Europa, ofereceram curto alívio a certos líderes e a partidos no poder, com as economias fortes a descer, fazendo cair os seus governos ou “prosseguirem a sua queda lenta”; e as eleições norte-americanas fazem-nos regredir a 2016 e esperar que o presidente eleito se defina, quanto à paz que pretende na Ucrânia e no Médio Oriente: a “paz justa, duradoura, respeitadora do Direito Internacional e do Direito Humanitário” e da “dignidade das pessoas” ou a inversa, sem estes valores.

Aí, o PR deixa ao presidente dos Estados Unidos da América (EUA) o ónus de optar entre colaborar com a União Europeia (UE) e afastar-se dela. E, ganhando a Rússia e a China “mais ou menos”, conforme as posições dos EUA, sustenta que mais aliança entre os EUA e a UE, na economia, na política, na Ucrânia e no Médio Oriente, é melhor para a Europa e pior para a Rússia e para a China, e vice-versa.

Neste contexto, no dizer do Presidente da República, a UE tem como desafios “fazer pela aliança com os Estados Unidos da América”, “manter-se unida, não deixar cair alianças e aliados, preparar-se para uma situação complexa a Leste, ganhar peso militar próprio, recuperar economicamente, corrigir o atraso no investimento no conhecimento, no saber”, em que tem perdido pontos com os EUA e com a Ásia, e “reformar os seus fragilizados sistemas económicos, políticos e sociais”. “Tudo, ao mesmo tempo” é difícil, mas “indispensável” para a UE se afirmar como “uma potência global no Mundo”.

Quanto a Portugal, o PR considera que celebrar os 50 anos do 25 de Abril e o centenário do nascimento de Mário Soares mostra que “não queremos perder nem liberdade, nem democracia”, que “um ciclo se fechou” e que “evocar Abril é olhar para o futuro, não é repetir o passado”.

Nestes termos, precisamos de “menos pobreza”, de saber que “a pobreza, nos dois milhões de portugueses, é um problema de fundo estrutural que a democracia não conseguiu resolver”; “de mais igualdade, social e territorial”; e “de ainda mais educação, de melhor saúde e de melhor habitação”. Para tanto, é preciso “qualificar mais os recursos humanos, inovar mais, competir com mais produtividade, continuar a antecipar – e bem – no domínio da energia limpa, no domínio do digital, na tecnologia de ponta”, sem “deixar que se aprofunde o fosso, a distância, entre os jovens que avançam e os que o não podem fazer, entre os jovens que avançam” e os mais avançados em idade, que “entram em becos com poucas ou nenhumas saídas”.

Enfim, diz o PR que precisamos de “uma economia que cresça e possa pagar melhor e aumentar os rendimentos dos Portugueses, assim corrigindo, também, as suas desigualdades”. Para isso, pretende que os números económicos e financeiros, vindos do passado próximo, no que tiveram e têm de positivo, “se consolidem e acentuem” e acentua, puxando pela execução do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), que é preciso que “os dezasseis mil milhões” para estes dois anos “sejam mesmo usados e façam esquecer os seis mil e trezentos milhões que gastámos”, para que Portugal fique mais preparado para enfrentar as aceleradas mudanças na Europa e no Mundo.

Parece esquecer a dificuldade de execução física e financeira dos projetos, devido à burocracia, à deficitária capacidade organizativa e de planeamento das empresas e ao atraso em diplomas legislativos (para o que também deu o seu contributo).      

É óbvia a necessidade de reforçar e de prosseguir “a solidariedade institucional e até a cooperação estratégica entre órgãos de soberania, nomeadamente Presidente da República e primeiro-ministro”, como se viu na aprovação dos “Orçamentos de 2024 e de 2025”, para “garantir estabilidade, previsibilidade e respeito, cá dentro e lá fora”.

Acentua o PR a necessidade de “renovar a nossa democracia”, mormente, “em juventude, no papel da mulher, no combate à corrupção, na construção da tolerância e do diálogo, na recusa da violência, pessoal, doméstica, familiar e social, na capacidade das forças políticas, económicas e sociais”, bem como no “sistema de Justiça” e na “Administração Pública”.

“Precisamos, diz o Presidente, de afirmar a atualidade da visão universal de Luís de Camões, tão lembrado e a justo título este ano”, pois ser português é ser universal”, o que “é decisivo na nossa identidade nacional”. E, mencionando o Cardeal Tolentino e a poeta Adília Lopes, recém-falecida (o seu funeral ocorreu a 2 de janeiro), releva que nós “aprendemos com tudo e todos, com todos, não temos o monopólio da verdade, e não deitamos nada fora, [antes] guardamos para a nossa memória coletiva de séculos”.

Depois, faz referência às eleições para o poder local, que ocorrerão no 3.º quadrimestre de 2025 e em que “o Povo será o juiz supremo”, aliás como o é sempre, no quadro da “nossa resposta a tantos desafios.

Por fim, Marcelo Rebelo de Sousa, passados 50 anos sobre o movimento militar, que se converteu em revolução, “a vitória dos moderados nessa revolução, em novembro de 1975, e a coragem dos Capitães de Abril de devolverem, em 1982, o poder pleno ao Povo, para que ele desse vida à Democracia em Portugal”, acredita “na vontade experiente e determinada do Povo Português”.

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Os partidos reagiram, quase de imediato, à mensagem de Ano Novo do Presidente da República.

Inês Sousa Real, porta-voz do partido Pessoas + Animais + Natureza (PAN) afirmou esperar que o primeiro-ministro ouça os “recados do Presidente da República”, quanto à necessidade de solidariedade institucional, que defendeu dever ser alargada ao Parlamento. “Nesse sentido, é fundamental que Marcelo Rebelo de Sousa garanta que a sua magistratura de influência, enquanto Presidente da República, não se esgota em meras palavras”, disse, anotando que o chefe de Estado levou “duas vezes o país a eleições”, quando o governo era de cor política diferente da sua, pelo que espera que o Presidente não deixe de pressionar o governo para melhorar a vida das pessoas.

Isabel Mendes Lopes, líder parlamentar do Livre classificou de “muito derrotista” a mensagem do PR, no plano internacional e nacional, sem grandes esperanças para o próximo ciclo.

Portugal melhorou muito a qualidade de vida e é importante olharmos para esse salto de Portugal, para “darmos, agora, um próximo salto”, considerou, dizendo que é preciso investir em áreas que o chefe de Estado referiu: a educação, a habitação, a saúde, pois é essencial reduzir a pobreza estrutural e garantir a igualdade em Portugal.

Porém, aponta a falta de vontade para mudar estas questões estruturais da parte do governo, o que parece transparecer numa certa forma de derrotismo existente no discurso presidencial, visto que “um dos objetivos do mandato de Marcelo Rebelo de Sousa era que deixasse de haver pessoas em situação de sem-abrigo em Portugal” e “vamos entrar no último ano do mandato com números de pessoas sem-abrigo, como há muito não tínhamos em Portugal”.

No plano internacional, contrapõe à visão do PR que a UE “tem obrigação de procurar alianças com outros países, com outras áreas do globo que não passem, necessariamente, pelos Estados Unidos, pela China e pela Rússia”.

O dirigente do Partido Comunista Português (PCP), Rui Fernandes, defendeu que é precisa “paz e cooperação” e não “uma disputa entre povos e entre Estados” ou, como alguns preconizam, “de cortes de pensões e de Segurança Social, para investir em mais armamento”. E considerou que os objetivos identificados pelo PR, no atinente ao combate à pobreza, só serão concretizados, se houver uma mudança de política. “Portugal necessita de uma mudança de política que seja assente nos valores constitucionais e que promova aumento dos salários, pensões e que dê resposta aos problemas na saúde e [na] habitação”, sustentou.

Carlos Coelho, vice-presidente do Partido Social Democrata (PSD) assinalou a “especial sintonia” entre a mensagem de Ano Novo do Presidente da República e a de Boas Festas do primeiro-ministro, notando que os recados do PR se dirigem, sobretudo, à oposição. Para o PSD, esta sintonia é evidente em temas como o crescimento económico, o aumento do investimento, a redução da pobreza, o reforço do Estado social e da saúde. Já se esperava esta reação!

Pedro Nuno Santos, secretário-geral do Partido Socialista (PS), disse partilhar das preocupações do PR, mas considerou que “não há confiança na capacidade do atual governo para as resolver”.

O líder socialista apontou as áreas da economia, da saúde e da pobreza como exemplos de setores onde o governo não conseguiu resolver os problemas, sustentando que “a crise no Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM) é o expoente máximo da incapacidade do governo na gestão dos serviços públicos”. E, passando em revista a preocupação presidencial sobre a pobreza, afirmou que “as preocupações são partilhadas por todos, sem dúvida”, e que, “só redistribuindo melhor a riqueza gerada, mas sobretudo criando mais riqueza, em Portugal, conseguiremos ultrapassar os problemas”. Porém, acrescentou que não há, da parte do governo, visão estratégica para a economia, pois só quer executar o PRR, reduzir o imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC) e repete a palavra “investimento”, sem visão sustentável para a economia.

Para Pedro Nuno Santos, a afirmação “ser português é ser universal” significa que os Portugueses só melhorarão, se aproveitarem as energias de quem vem de fora contribuir para o nosso país, quando as dificuldades e os problemas, nomeadamente, os baixos salários, a habitação, o acesso à saúde, “são dos trabalhadores portugueses e dos trabalhadores estrangeiros”, importando por que “os trabalhadores todos enfrentem os desafios comuns e partilhados que têm de ser resolvidos em conjunto, e não promovendo a exclusão”.

O presidente do Chega considerou que a mensagem presidencial “ficou aquém” do esperado, pois queria ter ouvido o chefe de Estado abordar temas como saúde ou insegurança. “Os Portugueses esperam do Presidente uma palavra sobre os temas que lhes importam, sobre o que estão a viver no seu dia-a-dia e, mais uma vez, Marcelo Rebelo de Sousa mostrou que não consegue ou não quer transmitir essa palavra, ou por receio de confrontar o governo, ou por estar mais confortável no domínio do politicamente correto”, disse André Ventura.

Rui Rocha, presidente da Iniciativa Liberal (IL), criticou a “grande ausência” do tema da reforma do Estado da mensagem presidencial, tal como na de Natal do primeiro-ministro, quando a reforma do Estado é essencial, para “acelerar Portugal”, pois o “crescimento económico depende também da reforma do Estado”.

Apesar de julgar a mensagem do PR “adequada do ponto de vista do diagnóstico”, considerou-a “esgotada do ponto de vista das soluções”. Depois, viu “duas embirrações” no discurso de Marcelo Rebelo de Sousa: uma conexa “com a cooperação estratégica com o governo”; e outra, “com o almirante Gouveia e Melo, quando fala da questão dos militares”.

Efetivamente, também eu penso que o governo responde perante o Parlamento e que os militares não entregaram o poder aos civis, em 1982. Isso estava previsto desde o início. Foram o PSD e o PS que, despudoradamente, afastaram de cena os militares.     

Bruno Maia, dirigente do Bloco de Esquerda (BE), estranha que o PR fale do 25 de Abril e do futuro, sem abordar a saúde e a educação públicas e a habitação, lamentando que tenha esquecido a Palestina e “o genocídio”, em Gaza, e que não tenha dado uma palavra sobre o Serviço Nacional de Saúde, que enfrenta dias tumultuosos, tendo vindo a agravar-se ao longo dos anos, com urgências fechadas, falta de acesso de mulheres grávidas a um serviço de urgência, um bloco de partos. Porém, na ótica do dirigente bloquista, “fez muito bem” em falar da situação internacional, “de paz e de direito internacional”, mas, referindo-se aos grandes conflitos mundiais, abordou a guerra da Ucrânia, na Europa, sem falar da Palestina, nem do “genocídio que está, há 15 meses, a ocorrer todos os dias”, nos telemóveis e aos olhos do Mundo.

Em sua opinião, “provavelmente o Mundo não sairá igual, depois daquilo que está a acontecer na Faixa de Gaza, porque o desrespeito total do Ocidente, dos Estados Unidos, de Israel perante aquilo que foram os acordos internacionais que saíram da Segunda Guerra Mundial, estão destruídos e estão destruídos para todo o sempre”; e a questão internacional “merecia outras palavras”, nomeadamente, a incitar que Portugal se juntasse à Espanha, à Irlanda e à Noruega e “reconhecesse o Estado da Palestina, porque não vale a pena, tal como fazem os restantes países da Europa, defender a solução de dois Estados e não reconhecer um deles”.

Questionado se a referência aos milhões do PRR pode ser uma mensagem para o governo, Bruno Maia concordou e apontou que o BE tem defendido que os fundos devem ser investidos nas “prioridades nacionais”, da saúde, da educação e da habitação, das grandes crises que afetam o país, e que “colocam a democracia em causa” e abrem espaço para que “a democracia se enfraqueça e que o populismo continue a crescer”.

Telmo Correia, vice-presidente do partido do Centro Democrático Social (CDS) manifestou concordância com a mensagem do PR e considerou fundamental “um triunfo do bom senso”, que é uma “derrota dos radicalismos” e de todo o “populismo”. E lembrou que, para os democratas-cristãos, “o combate à pobreza, às desigualdades são sempre uma preocupação fundamental”, mas o que os distingue é o foco na criação da riqueza, para, depois, “podermos fazer mais justiça social”. Por isso, a palavra-chave para 2025 é “investimento” em prol de uma economia “mais competitiva”, para gerar mais riqueza, para se fazer “mais justiça”, para que “os jovens fiquem em Portugal”. Para tanto, é necessária mão-de-obra qualificada e uma imigração regulada, por contraposição a tudo o que aconteceu antes.

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Tudo em conformidade com o pensamento dos diversos atores políticos. Todavia, o PSD e o CDS estão cada vez mais afins do Chega. O PR, apesar de, algumas vezes, ter britado a estabilidade, mostra posição algo equilibrada, tendo abordado as matérias mais relevantes, mas devia explicar o que entende por solidariedade estratégica, já a política geral é definida pelo governo.

2024.01.02 – Louro de Carvalho

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