O Professor Vital Moreira, no blogue Causa
Nossa, sob a rubrica “O que o
Presidente não deve fazer (31): Interferência nos partidos” – é o 31.º reparo
que o ilustre académico faz ao Presidente da República –, critica o facto de Marcelo Rebelo de Sousa (MRS)
ter sido convidado para intervir na Universidade de Verão do PSD e ter anuído
ao convite. E já é a segunda vez que tal sucede.
Diz Vital Moreira que “não é de
saudar a ida do Presidente da República a uma realização política do PSD,
pelo contrário”. Com efeito, no sistema constitucional vigente, a candidatura
presidencial é unipessoal e sem suporte partidário, embora os partidos possam
apoiar este ou aquele candidato.
A
Constituição da República Portuguesa (CRP) estabelece, no seu art.º 120.º, que
“o Presidente da
República representa a República Portuguesa, garante a independência nacional,
a unidade do Estado e o regular funcionamento das
instituições democráticas e é, por inerência, Comandante
Supremo das Forças Armadas”. O n.º 1 do art.º 121.º estipula que “é eleito por
sufrágio universal, direto e secreto dos cidadãos portugueses eleitores
recenseados no território nacional, bem como dos cidadãos portugueses
residentes no estrangeiro”, sendo que o n.º 2 do mesmo artigo postula “a
existência de laços de efetiva ligação à comunidade nacional”. O art.º 122.º
estabelece que “são elegíveis os cidadãos eleitores, portugueses de origem,
maiores de 35 anos”. O n.º 1 do art.º 123.º determina que as candidaturas “são
propostas por um mínimo de 7 500 e um máximo de 15 000 cidadãos eleitores”. E o
art.º 126.º estabelece que “será eleito Presidente da República o candidato que
obtiver mais de metade dos votos validamente expressos, não se considerando
como tal os votos em branco” (n.º 1); “se nenhum dos candidatos obtiver esse
número de votos, proceder-se-á a segundo sufrágio até ao vigésimo primeiro dia
subsequente à primeira votação” (n.º 2); “a este sufrágio concorrerão apenas os
dois candidatos mais votados que não tenham retirado a candidatura”.
Como
se vê, toda a linguagem atinente ao perfil presidencial é servida pelos termos
“cidadãos”, “candidaturas”, “candidato” e “candidatos”; nunca “partidos”, “coligações,
“movimentos”.
Por
outro lado, é claro que, “uma vez eleito,
representa a República, ou seja, a coletividade política no seu conjunto, na
sua expressão política multiforme”. Por isso, como diz Vital Moreira, “a
participação de MRS na iniciativa do PSD constitui uma manifesta violação da
sua obrigação de neutralidade
partidária”, o que – digo eu – nunca sucedeu, pelo menos, de forma tão
explícita por nenhum dos seus antecessores. Muito menos lhe cabe,
segundo o referido académico, “puxar” por um partido, “aquele de que é oriundo,
interferindo no livre jogo partidário, favorecendo-o contra os demais”. Além disso, “nenhum partido pode ter o privilégio de beneficiar
publicamente dos favores presidenciais”.
Ora, a 19 de
agosto, Vítor Matos destacava, no Expresso,
que “o Presidente quer ‘puxar’ por Montenegro e espera que ele não descole como
Rio e Passos”. Assim, MRS, puxando por Luís Montenegro, quererá apoiar o atual líder
do PSD para ver se é desta que um líder do PSD se lhe cola como, no entender
presidencial, faz o primeiro-ministro, e para “assistir ao nascimento da
alternativa de direita” de que falou em recente entrevista à CNN Portugal. E
aponta o referido colunista que, na opção de dar espaço a Montenegro ou
aparecer ao lado dele, MRS parece deixar-se seduzir pela segunda hipótese, tal
como aparece ao lado de ministros.
O PSD
repetiu o convite ao seu antigo líder para participar na sua Universidade de
Verão, que decorre de 29 de agosto a 4 de setembro, em Castelo de Vide, e
responder às perguntas dos participantes, como na edição em que participou,
como Presidente da República, em 2018. É o que assume o ex-eurodeputado Carlos
Coelho, coordenador do evento, mas MRS não deverá estar fisicamente naquela
vila raiana do Alto Alentejo, tal como sucedeu da outra vez.
Todos os anos há, no evento, personalidades que selecionam duas perguntas
curtas feitas pelos alunos, a que respondem de forma curta. Mas, no ano em que
participou, o Presidente “curto-circuitou o sistema”, porque respondeu a mais
do que duas perguntas e respondeu “a todas ou a quase todas”. Por isso, Carlos Coelho
declara-se aberto a qualquer “inovação” que sabe poder surgir quando é Marcelo
que vem a terreiro.
Em relação à entrevista pessoal e política de MRS à CNN Portugal, houve quem
se incomodasse por MRS surgir sempre a defender o Governo e a explicar melhor
os insucessos do Executivo. Foram vistas como insuficientes as críticas ao
estatuto do SNS e caíram mal as queixas por os líderes do PSD não se colarem ao
Presidente (antes se descolarem ostensivamente), como este diz fazerem o primeiro-ministro
e o PS – erro da direita que Marcelo nunca percebeu.
Além disso, MRS frisou que Montenegro é “o primeiro que dá alguns sinais de
perceber: isto é o atual líder do PSD”. E, no círculo restrito de Montenegro,
não se acredita que descole de Marcelo, com quem teve sempre boa relação, o
qual, durante a liderança de Rio, lhe deu sinais de patrocínio a futura
candidatura à liderança. Na campanha presidencial de 2016, Montenegro garantiu
a MRS boa moldura humana em Espinho, mesmo em dia chuvoso, recusando que o
partido de Passos estivesse zangado com o candidato que admitia a ‘geringonça’
como legítima no quadro político e constitucional.
Montenegro percebeu estar ali próximo de alguém que, sem fazer nenhum frete
partidário, abria espaço, como faz António Costa desde sempre. Isso não
invalidou que, no dia 18, o líder do PSD criticasse o Governo por causa da
coordenação dos fogos, quando o Presidente preferia que o PSD não fizesse do
tema cavalo de batalha. O líder partidário cavalgou a “responsabilização” do
Governo, horas antes de o Presidente ir, com o ministro da tutela, fazer o
ponto da situação dos fogos na Autoridade Nacional de Emergência e Proteção
Civil.
***
No
blogue referido supra, sob a rubrica “Não dá para entender (25): Estranha
ausência”, Vital
Moreira dá conta de que, a 20 de agosto, se inaugurou a restaurada “catedral
velha” de Quelimane (Moçambique), edificada no século XVIII, “um importante
legado histórico do património arquitetónico luso-moçambicano”, que estava à
beira da total ruína, “sendo a recuperação devida a uma bem-sucedida iniciativa
cívica de moçambicanos e portugueses”. Todavia, apesar da ligação especial
do monumento a Portugal e de ter sido este um dos países doadores de
contribuições financeiras para custear a obra, a embaixada portuguesa em
Moçambique não se fez representar no festivo evento, ao invés dos embaixadores
de outros países doadores, como a Noruega e os Estados Unidos. Ora, a presença oficial
da embaixada impunha-se até porque a visita dos presidentes de Portugal e de
Moçambique, que foi anunciada, não pôde concretizar-se. Por isso, o Ministério
dos Negócios Estrangeiros “deve uma explicação sobre esta estranha ausência”,
pois a política e a diplomacia não têm – digo eu – de se observar o conselho
evangélico ditado ao crente: “não saiba a tua mão esquerda o que faz a tua mão
direita” (Mt 6,3).
Na
verdade, tendo sido adiada a V Cimeira entre Portugal e Moçambique, em Maputo, e
tendo o Presidente da República cancelado a prevista deslocação a uma Cimeira
das Nações Unidas, dado o volume de fogos florestais, MRS adianta que “foi ajustado entre os
Presidentes Português e Moçambicano que a deslocação a Quelimane, prevista para
este mês, seria adiada, também ela, para data a fixar, mas sempre posterior à
Cimeira de Maputo”.
A informação
foi publicada em nota da Presidência da República, onde se refere: “Na
sequência deste adiamento, o Presidente da República receberá em audiência já
pedida, uma delegação
da entidade promotora da iniciativa em Quelimane, já no próximo mês de setembro”.
Em março, na
última visita oficial a Moçambique, o chefe de Estado português prometeu voltar
em agosto, para a reabertura, após restauro, da catedral de Quelimane, capital
provincial da Zambézia. Seria depois da V Cimeira Luso-Moçambicana, onde
vai estar o primeiro-ministro português, António Costa, que estava agendada
para 11 e 12 de julho, em Maputo, mas que foi adiada para os primeiros dias de
setembro.
A deslocação
a Moçambique do Presidente da República será a quarta desde que tomou posse
pela primeira vez, em 2016. Este país foi o destino da primeira visita de
Estado de MRS, em maio de 2016, circunscrita à capital e arredores, e aonde
regressou em janeiro de 2020, para a tomada posse de Nyusi após a sua
reeleição, ocasião em que, além de Maputo, foi à Beira.
Marcelo, que
tem 73 anos, conheceu Moçambique entre os 19 e os 20, em férias dos estudos na
Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, no mandato do pai, Baltazar
Rebelo de Sousa, como governador-geral (1968-1970) da então província
ultramarina, em plena guerra colonial. E a última visita que fez antes de ser
Presidente da República foi em dezembro de 2015, sendo candidato, para
participar no primeiro Fórum Social e Económico de Moçambique.
Na
verdade, as visitas de Estado respeitam regras protocolares específicas,
nomeadamente as atinentes à separação e interdependência dos poderes e à
sanidade diplomática. Ora, na ausência do chefe de Estado e de um membro do
Governo, cabe ao embaixador a representação do país.
Assim,
estamos ante a representação desvirtuada do Estado pelo Presidente e da não
representação do Estado por parte do seu representante ordinário no país onde
tem assento diplomático.
2022.08.22 – Louro de Carvalho
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