A 12 e 13 de agosto, celebrou-se a Peregrinação Aniversária Internacional
ao Santuário de Fátima, em memória da 4.ª Aparição de Maria, a única que não
ocorreu na Cova da Iria, nem a 13 do mês (pastorinhos, no dia 13, estavam sob
custódia do administrador do concelho de Ourém, que resolvera interrogá-los),
mas a 19 de agosto, no lugar dos Valinhos. É, desde há muitos anos, a
peregrinação em que participam, de forma visível, os emigrantes, que voltaram
este ano, após dois anos de intermitência, mercê da pandemia e das restrições à
circulação, dela decorrentes.
Ocorreu a
peregrinação quase no termo da 50.ª Semana Nacional das Migrações (de 7 a 14 de
agosto), acolhendo o repto do Papa a que se reze e construa o futuro com
migrantes e refugiados.
“Juntos construímos um Nós maior: uma só família humana” é o lema desta
semana que assinala igualmente os 60 anos da Obra Católica Portuguesa das
Migrações.
A
peregrinação incluiu, no dia 13, a tradicional oferta de trigo, ação que se
repete pela 82.ª vez, iniciada por um grupo de jovens da Juventude Agrária
Católica, de 17 paróquias da Diocese de Leiria, que em 1940 ofereceu 30
alqueires de trigo, destinados ao fabrico de hóstias para consumo no Santuário
de Fátima – oferta partilhada atualmente por várias dioceses.
Para os dias
12 e 13 inscreveram-se 16 grupos: Alemanha (dois), Áustria (um), Portugal
(dois), Bélgica (um), Espanha (um), Irlanda (um), Israel (um), Itália (um),
Vietname (um), França (um), Holanda (um) e Polónia (três). E, para o mês de
agosto estão inscritos 120 grupos (36 portugueses e 84 estrangeiros), de 21
países: Alemanha, Áustria, Brasil, Burkina Faso, China, Croácia, Eslovénia,
Espanha, EUA, Filipinas, Hungria, Indonésia, Iraque, Irlanda, Israel, Itália,
México, Polónia, Sri Lanka, Venezuela e Vietname.
O programa retomou,
após dois anos de interrupção, a vigília de oração animada pelos Secretariados
Diocesanos de Migrações, pelas comunidades católicas da diáspora e, desta vez, pela
capelania nacional ucraniana. Os participantes nas celebrações rezaram pela paz
no mundo, em especial pelas “vítimas do conflito na Ucrânia”, “os que sofrem
pela guerra e pela maldade humana”, bem como por todos os que foram
afetados pela pandemia de covid-19. E evocaram os que são obrigados a deixar a
sua casa e o seu país, “fugindo da violência ou da miséria”, e por todos os
refugiados que são vítimas de perseguição religiosa”.
Depois de ter
estado previsto presidir às celebrações em 2020, fê-lo, desta vez, D. Edgar
Moreira da Cunha, bispo de Fall River, diocese do Estado norte-americano de
Massachussets, que desafiou os
peregrinos a não terem medo de seguir a Deus e de expressarem a sua fé.
O bispo é
natural do estado da Bahia, no Brasil, e foi o primeiro prelado dos Estados
Unidos (EUA) nascido no Brasil. Preside a uma importante e significativa
comunidade portuguesa dos EUA onde reside uma numerosa comunidade açoriana,
natural ou descendente dos Açores, particularmente de São Miguel, e muito
devota do Divino Espírito Santo. Aliás, depois de Fátima, presidirá às grandes
Festas do Divino Espirito Santo da Nova Inglaterra, que têm lugar no Kennedy
Park em Fall River, no penúltimo fim de semana de agosto. Foi ordenado de
presbítero a 27 de março de 1982, na Igreja de São Miguel em Newark, no Estado
de New Jersey, onde também reside uma importante comunidade portuguesa,
sobretudo do norte e centro de Portugal continental, e ordenado bispo a 3 de
setembro de 2003, na Catedral Basílica do Sagrado Coração, em Newark. E foi o
segundo prelado estrangeiro a presidir em Fátima neste ano, já que as restantes
peregrinações até outubro serão presididas por bispos portugueses.
Na
celebração da noite do dia 12, o bispo apelou à obediência e à generosidade dos
cristãos para que, à semelhança de Maria, não tenham medo de fazer a vontade de
Deus. Apontou o exemplo de Maria, que “não pensou em si mesma, mas no plano de
Deus, no que Deus precisava dela para trazer a salvação ao mundo”. Com efeito,
se Ela tivesse pensado em si, nos riscos de aceitar ser a mãe do Salvador,
colocando em perigo a própria vida, talvez tivesse agradecido e aconselhado o
Senhor a encontrar outra. Mas, como sustentou o prelado, “Ela correu o risco,
não teve medo e deu seu sim a Deus”.
Destacando o
descentramento de Maria, D. Edgar sublinhou que Maria não quer nada para si,
pois “não precisa de nada”. Só “quer o nosso bem, a nossa felicidade e
paz aqui na terra e a nossa santificação e salvação para um dia
estarmos com ela, com o Pai, com seu Filho Jesus, com o Espírito
Santo e com todos os santos para toda eternidade no céu”. Mais referiu que “nada
disso acontece sem uma grande fé”, que é “a base de tudo o que precisamos para
chegar à santidade”. E frisou a importância do caminho da santidade como sendo
um desígnio de todos os batizados.
Observando
que, às vezes, achamos que ser santo não é para nós, mas para aqueles
que já nasceram com esse dom e já foram destinados por Deus para serem Santos,
contrapôs que “todos nós recebemos esse dom, no nosso batismo, de ser santos”.
Por isso, enfatizou: “Não desistam, não desanimem, não percam a esperança, não
percam a confiança. Não importa o quão difícil seja a nossa caminhada, ou quão
ruim possa ser a situação, Ele está connosco”.
A partir do recado
das bodas de Caná – “Fazei tudo o que ele vos disser” – o prelado, que nasceu
na cidade Brasileira de Nova Fátima, onde a devoção à Senhora de Fátima é a
mais importante, lembrou que tudo o que a Senhora pede tem por finalidade a
adesão e a comunhão com Deus. Assim, disse, “tudo o que fazemos aqui: as nossas
orações, as nossas celebrações Eucarísticas, as nossas devoções, as nossas
procissões, cantos, decorações, tudo tem que ter um objetivo, uma finalidade: a
nossa conversão, a nossa união com Cristo, conformar nossa vida ao seu plano,
fazer a sua vontade, tornar-nos verdadeiros discípulos de Jesus e, finalmente,
a nossa santificação”.
Recordando o
exemplo de Maria, sublinhou que somos todos irmãos, responsáveis uns pelos
outros e pelo bem comum, por uma sociedade melhor e por manter viva a chama de
fé, dos ensinamentos de Cristo e da Igreja, enfim, “promotores da Justiça e da
paz”.
O prelado norte-americano
alertou os peregrinos para a missão: “Que bom seria se tudo o que fizermos aqui
hoje e amanhã, realmente fosse um reflexo da nossa perseverante vontade de
honrar Jesus Cristo e a Virgem Mãe de Deus com a fiel imitação das suas
sublimes virtudes” – exclamou.
***
No
dia 13, o bispo de Fall River, desafiando os peregrinos à evangelização e à
“construção de um mundo melhor, questionando católicos “só de nome”, disse: “Eu
espero que, a partir de hoje, dediquemos mais tempo à oração e menos tempo à
televisão; mais tempo com a família e menos em interesses pessoais; mais tempo
em silêncio, para ouvir a voz de Deus, e menos tempo com os barulhos da vida;
mais tempo com Jesus e menos tempo nas redes sociais”.
Convidando os milhares de peregrinos
que participaram na Missa a não se deixarem abater pelas “notícias de cada dia”
e a manterem viva a sua fé, questionou: “O que seria de nós sem a nossa fé?
Como seriam nossas vidas? Onde nos apegaríamos, onde nos apoiaríamos? Como
enfrentar os sofrimentos e dificuldades da vida? A partir dessa minha
peregrinação a Fátima, qual vai ser a minha resolução de mudança? Qual o legado
dessa participação nesse evento espiritual em minha vida? O que vai mudar em minha
vida a partir de hoje?”
O bispo sustentou que a fé muda a
visão sobre si próprio, o mundo e a vida. E desafiou: “Tirem Deus do mundo e
verão o que se tornará dele. (…) Mesmo estando rodeados do mal e do pecado, nós
caminhamos guiados pela luz da fé e da esperança. Não nos deixemos abater pelos
profetas do mal, pelos que querem espalhar duvidas, terror, ódio, egoísmo e
trevas.”
E evocou “um mundo dilacerado pela
guerra, injustiça, violência, falta de respeito à vida e a dignidade da pessoa
humana”, cristãos perseguidos só por serem cristãos, “governos e sistemas
políticos que querem eliminar os valores da nossa fé”. “Vamos encontrar muitos
que querem apagar o fogo. Em qualquer grupo, há sempre aqueles que acendem o
fogo e aqueles que apagam o fogo”, prosseguiu deixando um pedido: “Não desistam
nunca de continuar a acender o fogo”.
“Hoje, somos nós os apóstolos do
século XXI”, assegurou, destacando que “agora é a nossa vez de acender o fogo
do amor de Deus e de renovar a face da terra. Temos que manter acesa a chama da
fé e o fogo do Espírito Santo”.
No dizer do presidente da
peregrinação, se cada um se propusesse levar uma pessoa para a Igreja, já faria
uma grande diferença. Na verdade, a fé muda a nossa visão de nós mesmos, do
mundo e da vida, ajuda-nos a ver as coisas como Deus as vê, a vermo-nos a nós
mesmos, as outras pessoas e o mundo como Deus os vê. E com a fé vem a esperança
– acrescentou o prelado brasileiro aos inúmeros peregrinos emigrantes que
participaram na peregrinação. “Não podemos perder a esperança de que podemos
melhorar, de que as pessoas podem se converter e o mundo pode ser melhor”,
afirmou lamentando que nem sempre os cristãos assumam esse papel: “Quantos se
dizem católicos, mas o são só de nome. A Igreja de hoje vai ao encontro. Não
fica a espera. Vai as periferias, como nos lembra o papa Francisco. (…) Esse
processo de Evangelização, essa construção de um mundo melhor, só será possível
quando todos nos abraçarmos a missão de sermos parceiros com Nosso Senhor, com
o Espírito Santo e com Maria Santíssima”.
O bispo de Fall River deixou, em particular,
um apelo às famílias:
“Dediquem tempo aos filhos. Rezem
juntos em família. Não deixem os filhos sozinhos com a TV, Internet, Redes
Sociais. Alguns pais dão muitos presentes ao filhos para compensar a ausência
deles mesmos. Ao invés de darem presentes, estejam presentes e sejam presentes.
Abracem seus filhos todos os dias e digam-lhes que os amam.”
Aos jovens exortou:
“Não vos deixeis influenciar pelas
Redes Sociais, pela Internet, pelos amigos. A vida é mais do que o smartphone,
computador, tablet, Facebook, Twitter, Instagram, Snapchat, Tik-Tok. Ouvi os
pais, avós e professores. Não penseis que Deus, Religião, Sacramentos, Igreja e
Oração são coisas do passado e somente para as pessoas velhas. Sei que quereis
ser felizes nesta vida. A felicidade consiste em conformar nossas vidas ao
plano de Deus para connosco. Portanto, precisamos descobrir o que Deus quer de
nós.”
O bispo apresentou aos peregrinos “as
saudações, as orações, a fé e devoção de tantos paroquianos portugueses e
descendentes de portugueses” na diocese do estado de Massachussets e disse:
“Que possamos regressar às nossas
terras iluminados por uma fé renovada, para trabalharmos junto na construção de
um mundo melhor. Fé para as famílias, fé para as crianças, fé para os jovens,
fé para o mundo inteiro e para as futuras gerações.”
Na Oração Universal, os participantes
na Eucaristia rezaram pelos responsáveis políticos, “para que evitem o
nacionalismo indiferente à sorte dos mais pobres” e desenvolvam políticas de
hospitalidade que “abram as sociedades que governam aos migrantes e
refugiados”, e pelas comunidades de portugueses e lusodescendentes espalhadas
pelo mundo, todos os que sofrem as “consequências dramáticas da pandemia” e as
vítimas do conflito na Ucrânia.
No momento de Adoração Eucarística, a
habitual palavra ao doente coube a Eugénia Quaresma, diretora da Obra Católica
das Migrações, que, a partir do excerto do Evangelho que serve de guia no ano
pastoral do Santuário de Fátima, apresentou a intimidade com Deus como lugar de
encontro para a “cura espiritual” que ajudará a “enfrentar o sofrimento físico
e psíquico”.
“Há anúncios, acontecimentos, que
suscitam perplexidade, no primeiro momento, inquietação, noutro. Contudo, a
certeza da Tua presença, Senhor, gera no mais íntimo do Ser a mesma confiança
de Maria: gera serenidade e manifesta-se na capacidade de aceitar e sorrir. (…)
Que alegria receber Jesus! Que alegria esta divina companhia! Que alegria e que
bênção ter acesso a cuidados e assistência! Que bênção ter família, amigos,
profissionais, voluntários a ser sinal da tua presidência!” – rezou. E, ante o legítimo
desejo da cura física dos que sofrem, pediu, antes de mais, pelo “dom cura
espiritual”, para que “os que se sentem hoje mais frágeis possam nascer de novo
com a graça de Deus e, assim, enfrentar o sofrimento físico e psíquico sem medo
nem nostalgia, com a mesma capacidade de sacrifício e entrega de Santa
Jacinta”.
***
No final da
celebração, o reitor do Santuário agradeceu, em nome do bispo de Leiria-Fátima,
a presença de D. Edgar da Cunha, assegurando a oração de todos pelo seu
ministério.
Na noite do dia 13,
depois do Rosário, houve uma oração junto ao memorial do Muro de Berlim.
2022.08.13 – Louro de Carvalho
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