O novo
consultor do Ministério das Finanças terá um salário de 5832 euros brutos por
mês, superior ao vencimento base do próprio ministro (ainda que Medina tenha o
salário anual distribuído por 14 parcelas mensais – de 4767 euros – e o
consultor apenas por 12), acima do valor inicialmente revelado, e não fica
obrigado ao regime de exclusividade.
Sérgio
Figueiredo já assumiu funções no final de julho e o contrato terá a duração de
dois anos.
Segundo as
primeiras notícias desta contratação, o Ministério das Finanças garantia que o
consultor receberia uma “remuneração equiparada e limitada ao vencimento base
do ministro”. Contudo, Figueiredo receberá acima de mil euros a mais do que o ministro
das Finanças.
De acordo
com as explicações do Ministério das Finanças, a diferença entre o valor inicialmente
avançado e o constante do contrato prende-se com o facto de Figueiredo,
enquanto prestador de serviços, só auferir 12 meses por ano e não os 14 a que
os ministros têm direito, além de que o salário terá em conta o valor
equivalente da remuneração de representação que recebem os subsecretários de
Estado (25% do vencimento).
Aos 139 990
euros repartidos por 24 meses que o antigo director de informação da TVI e
ex-administrador da Fundação EDP receberá como consultor acresce o “IVA à taxa
legal em vigor”, que é, no caso, de 23% (o que representa 32.798 euros, segundo
as contas de alguém).
A minuta do
contrato contém uma cláusula que estipula o “dever de sigilo” por parte de Sérgio
Paulo Jacob Figueiredo durante a vigência do mesmo, mas, porque o contrato não
obriga à exclusividade no exercício de funções, o consultor poderá acumular
este cargo com outras funções desde que não “configurem uma situação de
conflito de interesses”.
O objetivo da contratação é “ajudar a conceber e desenhar as políticas
públicas do ministério de Fernando Medina, bem como monitorizar a sua execução
e a perceção, em tempo real, que têm delas as partes interessadas”. Assim,
o ministério das Finanças confirmou
a contratação de Sérgio Figueiredo, afirmando que o antigo jornalista irá “prestar
serviços de consultoria no desenho, implementação e acompanhamento de políticas
públicas, incluindo a auscultação de partes interessadas na economia portuguesa
e a avaliação e monitorização dessas mesmas políticas”.
É de recordar que Medina já tinha contratado Figueiredo para um trabalho de
teor similar, embora de menor duração, na Câmara Municipal de Lisboa (CML) e
que Medina foi contratado pela TVI no tempo em que Figueiredo era diretor da
estação, mantendo um espaço de comentário semanal no canal até sair da CML para
o governo.
No final do Conselho de Ministros do dia 11 de agosto, o secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, foi
questionado se era necessário o Ministério das Finanças contratar o
ex-administrador da Fundação EDP como consultor estratégico, tendo em conta que
o Centro de Competências de Planeamento, Políticas e Prospetiva da
Administração Pública (PlanAPP), criado em 2021, desempenha as mesmas funções. Na resposta, André Moz Caldas sublinhou que o PlanAPP
“foi implementado, está a funcionar, ocupa-se das matérias de planeamento
estratégico, prospetiva e avaliação de políticas públicas em geral, no contexto
da administração, muito particularmente no que diz respeito à elaboração de
grandes documentos de estratégia, como são as grandes opções ou como é o
programa nacional de reformas no âmbito do Semestre Europeu”. Porém, sustentou
que “não há necessariamente sobreposição” entre as
funções de Figueiredo no Ministério das Finanças e outros serviços do Estado,
acrescentando que as competências do Tribunal de Contas (TdC) estão
“inteiramente preservadas” para fiscalizar o contrato. Com efeito,
o TdC, no domínio da fiscalização concomitante e sucessiva, que podem ser em permanência
exercida sobre este e sobre qualquer contrato que seja celebrado por gabinetes
ministeriais, ou gabinetes da administração pública, pode vir a tomar posição
sobre este contrato.
O secretário de Estado esclareceu que o PlanAPP “coordena
uma rede de planeamento, a chamada REPLAN, que reúne o conjunto das entidades,
organismos ou representantes setoriais em matéria de planeamento, prospetiva e
avaliação de políticas públicas que existam nas demais áreas governativas”. Todavia,
segundo o governante, a criação do PlanAPP não esgota a possibilidade de haver
atividade nestes domínios, a nível setorial, em cada uma das áreas
governativas, pelo que não há necessariamente “sobreposição nas atividades
desse serviço e de quaisquer representantes setoriais nesta matéria, ou
colaboradores das diversas áreas governativas nas mesmas áreas”.
Interrogado se o Governo tomará a iniciativa para pedir a
dita fiscalização, Moz Caldas respondeu:
“É uma questão que não está suficientemente ponderada
ainda e que não cabe à dimensão colegial da ação colegial do Governo e,
portanto, não me compete a mim responder-lhe”.
Questionado se, visto que essa fiscalização não depende
da ação colegial do Governo, deveria ser o Ministério das Finanças a pedi-la,
Moz Caldas respondeu que “a ação do Tribunal de Contas não é feita a pedido” e
que o Tribunal “terá a ação que entender e deve fazê-lo livre de quaisquer
interferências de quem quer que seja”.
O novo consultor estratégico, não sendo formalmente membro do
gabinete de Medina nem titular de alto cargo público (nem equiparado), não fica
abrangido por qualquer obrigação declarativa (de registo de interesses ou
declarações patrimoniais), inviabilizando o escrutínio público, ficando
sujeito à obrigação contratual de não incorrer em conflitos de interesses.
Por isso, Susana Coroado, presidente da ONG anticorrupção
Transparência Internacional e autora do livro “O Grande Lóbi: Como se
Influenciam as Decisões em Portugal”, diz que é impossível escrutinar o
desempenho de Figueiredo, porque, apesar de ter contrato de dois anos para
trabalhar junto do gabinete de Fernando Medina na “auscultação dos stakeholders
relevantes na economia portuguesa” (que inclui empresas dos vários setores, parceiros
sociais, sindicatos e Administração Pública), não está sujeito a nenhuma
obrigação declarativa.
Na última alteração ao Regime do Exercício de Funções por
Titulares de Cargos Políticos e Altos Cargos Públicos, feita em 2019, foi
adicionado ao leque de titulares de cargos políticos, sujeitos a obrigação
declarativa, os que assumem funções de “consultores mandatados pelos Governos
da República e Regionais em processos de concessão ou alienação de ativos
públicos” (casos de Diogo Lacerda Machado ou de António Borges). Porém,
Figueiredo não se encaixa em nada disto.
As únicas obrigações do consultor cingem-se ao dever de
sigilo e ao respeito pelo regime de incompatibilidades, previstos
contratualmente. De facto, o contrato prevê que o ex-jornalista se “abstém de
exercer outras atividades ou funções de natureza profissional, públicas ou
privadas, com caráter regular ou esporádico, independentemente de serem ou não
remuneradas, que configurem uma situação de conflito de interesses”. Além
disso, obriga-o ao “dever de notificar” o Estado “de qualquer conflito
emergente” durante os dois anos em que desempenhar funções.
Alguns apoiantes do Governo defendem que parte da dúvida
sobre os eventuais conflitos de interesses poderia ser dissipada se o contrato
impusesse um regime de exclusividade, mas Figueiredo defendeu a não-existência
de exclusividade, pelo facto de ser prestador de serviços.
Apesar de a situação de contratação de um consultor político
de forma externa não ser habitual e gerar polémica, a prática de contratação de
consultoras para esporadicamente a avaliação de políticas públicas sem ser em regime
de exclusividade não o é.
O problema do contrato é a vastidão do objeto: desde a preparação
de estudos e de propostas, com auscultação dos stakeholders relevantes na nossa economia, a “definição,
implementação e acompanhamento de políticas públicas e medidas a executar” até
à “monitorização” dessa implementação. Além disso, os serviços do consultor
externo passam pelo “aconselhamento nos processos internos de tomada de
decisão”. Tudo isto levanta a questão sobre quem fiscaliza o cumprimento de
objeto tão vasto. No próprio PS, a contratação foi comentada como sendo mais
uma contratação política, para fazer “gestão política e comunicacional”, do que
uma contratação técnica. Ora, sendo uma contratação política, devia ter sido
para um cargo interno, sujeita às regras (e ao salário) dos nomeados para
cargos públicos.
Se o ministério das Finanças tentou conter os danos da
polémica, o Governo garantiu que não há problemas com o escrutínio ao caso,
como se viu nas declarações do secretário de Estado da Presidência do Conselho
de Ministros, que, apesar de o assunto não ter sido abordado no órgão colegial,
afastou a ideia da duplicação de tarefas e admitiu que o TdC, caso entenda, pode
fiscalizar esta prestação de serviços.
As
oposições não perderam a oportunidade de denunciar as ambiguidades do contrato
e de lhe apor o ónus da amizade Medina-Figueiredo e verberar o despautério das
contratações políticas. Por isso, querem explicações. Ora, do meu ponto de
vista, as explicações estão dadas, mas as irregularidades na gestão da coisa
pública raramente se resolvem com explicações. E a subtileza da argumentação de
alguns socialistas a querer que o contrato implicasse um lugar interno num
gabinete ministerial com sujeição às regras dos nomeados para cargos públicos só
lança mais confusão ou pretende justificar o que se passa – e comummente aceite
– nos gabinetes ministeriais e nos das autarquias, onde pululam chefes de
gabinete, adjuntos, secretários e assessores, nomeados e exonerados conforme a
confiança do respetivo titular, que ultrapassam as competências funcionais dos
trabalhadores da administração pública e que, por vezes, tentam condicionar o
trabalho desses trabalhadores. Aliás, foi notícia que o gabinete duma novel
vereadora da CML contratou um assessor em condições similares às de Figueiredo.
E quem se lembra da contração de António Borges para monitorizar as
privatizações o governo de Passos?
As
oposições dizem que a administração pública tem trabalhadores competentes e mal
pagos; e, agora, abjuram das contratações para sugestão e avaliação externas.
Porém, mal chegam ao poder (central ou local), fazem na mesma: contratações de
prestação de serviços a peso de ouro; empreitadas quase combinadas; concursos
de admissão de funcionários à medida; nomeação, por confiança política ou de
negócios, de membros de gabinetes com vencimento superior ao dos funcionários; e
utilização de bens públicos para propaganda e para serviço particular.
Corte-se
o mal pela raiz: acabem-se com as mordomias que ultrapassam o quadro e os
supranumerários dos trabalhadores na administração pública; e confiem-se tarefas
relevantes aos funcionários e pague-se-lhes melhor. Deixemo-nos de críticas de
ocasião.
Figueiredo,
se ganha mais do que Medina, provavelmente trabalhará mais e melhor…
2022.08.14 – Louro de Carvalho
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